A cineasta Laís Bodanzky (Chega de Saudade) nos presenteia com o filme mais profundo filmado no país no que diz respeito a figura do adolescente brasileiro das grandes cidades. A talentosa diretora de "Bicho de Sete Cabeças" não se reserva a explorar a figura do adolescente como um pacote de clichês caindo de pára-quedas nas telas. A estória de Hermano é um estudo sincero e curioso dessa fase da vida tão polêmica para adultos, pais e, sobretudo, para os próprios adolescentes.
Mano é o jovem protagonista do longa baseado no roteiro de Luiz Bolognesi, sendo este construído a partir de um laboratório realizado em escolas de São Paulo. Exatamente por conta disso ficarei “devendo” uma definição da temática do filme, que não caberia em um simples punhado de frases postas numa sinopse, uma vez que, inteligentemente, o argumento do novo longa de Bodanzky não segue uma cartilha, optando apenas por acompanhar o dia-a-dia vida do adolescente Mano. Vivendo dilemas sobre a descoberta do sexo, sobre a amizade, sobre a relação com a família, Mano é o epicentro de um universo de pessoas que assim como ele também estão mergulhadas em sérios dramas, incrivelmente corriqueiros, porém nunca desisteressantes.
O desenvolvimento individualizado dos dilemas de cada pessoa que está próxima de Mano daria um novo filme para cada um deles, tamanha a riqueza dos temas retratados na tela, que definitivamente não ignora os coadjuvantes. Os pequenos fragmentos desses conflitos internos fazem do longa uma colcha de retalhos incrivelmente bem construída e rica sobre a concepção da juventude, sobre a intolerância , sobre a relação entre pais e filhos ("Acho que vocês conhecem...É aquele meu orientando da faculdade..."), sobre o relacionamento nas escolas ("Você acha que a Valeria deve ser crucificada?"), sobre o amor adolescente ("eu não quero casar, meu, casar é maior burocracia, mas meu marido vai morar comigo quando meus filhos forem pequenos"), sobre o bullying e sobre a influência da tecnologia nas relações e sobre a influência da tecnologia nas relações(“vou botar essa foto no meu blog amanhã, dá uma olhadinha!”) e etc, etc, etc...
Para retratar tamanha gama temática num tempo muito curto, as escolhas da direção são essenciais e revelam-se o grande trunfo do filme. Simbólicas e muito bem construídas, há exemplos de cenas de grande utilidade na trama, como se percebe na mudança de postura da câmera invasiva que filma todas as curvas da prostituta, mas que se esquiva de encarar o contato entre os corpos de Mano transando com "a mulher certa". Outro exemplo é a observância pontual do processo de amadurecimento do protagonista, percebendo que vale mais ser um guitarrista começando a conquistar o controle do próprio mundo do que viver se projetando em platéias imaginárias de telas em paredes, como no inicio do filme. Há ainda um punhado de outras cenas bem bacanas. Não são poucas as imagens simbólicas que constroem, marcam e organizam, junto com a trilha sonora (com direito a clássicos dos Beatles), a organicidade dos acontecimentos do universo adolescente retratado nas telonas. A diretora em seu terceiro longa se mostra bastante inventiva nos enquadramentos e condução dos planos, tornando dinâmico e "jovem" o seu filme sobre jovens.
Vindo de um Cinema nacional que esqueceu dos jovens para investir na “estética da pobreza” por mais tempo do que devia, "As Melhores Coisas do Mundo" é uma pequena pérola, porém, mesmo com o mérito de enfrentar tamanho desafio em temática, o filme apresenta problemas que não podem passar despercebidos.
Ainda que desperte para algumas questões, discutindo-as no silêncio da simples, porém não ingênua retratação do personagem do Deco ,que considera as mulheres todas vagabundas, e faz arquivo para catalogar quantas já “pegou”, isso surge mais como um momento passageiro do que como uma critica, o que ajuda a banalizar ainda mais o ideal do relacionamento de hoje tão calejado pelo ideal da nova juventude. Na contramão, congratulações devem ser feitas ao personagem Pedro (Fiuk, surpreendentemente bem) que ameniza a situação, por ainda tentar apresentar ao irmão uma concepção mais respeitosa em relação ás mulheres ("...mas, se você quiser perder a virgindade humilhando uma mulher, vai numa puta.")
Contribuir para nortear o jovem espectador que prestigiou o longa é uma preocupação que faltou ao filme. Ele se identifica, mas não reflete sobre o que viu. A busca do filme não precisaria ser a de doutrinar o espectador, mas sim de entender seu próprio papel de formador de opinião e usá-lo de um modo mais incisivo e decisivo. Ser jovem não é ser alienado, não é esquecer o valor do conhecimento, das oportunidades de crescer. Ser jovem está muito mais relacionado a uma característica voltada a relativa incapacidade de não analisar a relação entre causa e efeito com a facilidade que a experiência de uma vida adulta confere do que ser alguém incompreensível quando fora do seu mundo.
Quanto aos adultos representados, há de se falar da figura da personagem de Denise Fraga que apesar de importantíssima para o desenvolver da trama, surge na tela com ares de preocupação a tempo todo, num mundo trágico e decepcionante que serve apenas para “demonizar” a imagem do adulto, resumido a uma unidimensionalidade bruta e inverídica de um humano infeliz que carrega um mundo nas costas e se tornou uma máquina de resolver problemas a partir do momento em que envelheceu. Numa contramão, o personagem de Caio Blat, que poderia ser um exemplo de equilíbrio no retrato dos adultos por ser um professor arrojado ("Vocês devem duvidar de mim, devem duvidar de tudo") que carrega o legado de uma juventude sadia, vivida intensamente, se mostra muito descolado encarnando a figura de um professor que em busca de ser visto como um cara bacana entre os alunos, não faz chamada e permite que as provas sejam feitas com consulta aos livros. Nem tanto, nem tão pouco, não é?
Por outro lado, mesmo com as omissões e algumas falhas, o filme se sai esplendorosamente bem ao criticar com firmeza o senso panóptico que leva os adolescentes a viverem numa bolha, perseguidos pelas fofocas e pela tecnologia a serviço da noticia. O longa desperta, portanto, para um novo sentido da tecnologia nas mãos de uma juventude que vive um período consumido pelo interesse pela vida alheia, pela velocidade da noticia, pela mensagem instantânea e pela obsessão de estar antenado no mundo. O desafio de aprender a viver com tudo isso é um dos questionamentos básicos observados na propostas claras do filme. Elenco competente, bem preparado e apoiado por uma caracterização interessante, traz Gabriela Rocha e o estreante Francisco Miguez como mais um dos grandes acertos do filme.
A experiência foi positiva. Só é uma pena, porém, sentar-se na poltrona e assistir a jovens encarando o filme como a oportunidade de ver Fiuk sem camisa (que, repito, também está muito bem em cena trazendo os conflitos amorosos e sua extensa importância na adolescência), pois “As Melhores Coisas do Mundo” que é como um pontapé inicial para discussões que devem estar em sala de aula, nas rodas entre amigos, na conversa entre pais e filhos, acaba se resumindo, para alguns, como um passatempo fútil, coisa que o filme não está interessado em ser e trabalhou para evitar ser.
Por fim, cabe dizer que, “As Melhores Coisas do Mundo” é um exemplar nacional de um filme que tem potencial de amadurecer como filme marco de uma geração assim como, em outras proporções e contextos são “Conta Comigo”, “Clube dos Cinco”, “A Cura”, “Curtindo A Vida Adoidado” e outros que assinalaram o modo de ser de outras gerações para sempre. Certamente, será prestigiado, sobretudo pelos jovens, como um filme super-hiper-mega-foda-fofo-divertido-inteligente-bacana...Por que? Infelizmente, nem todos eles saberão responder.
Nota: 8.0
Belissimo filme nacional, quem dera a qualidade do nosso cinema fosse sempre deste nível.
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