Encontre seu filme!

domingo, 9 de janeiro de 2011

A Viagem de Chihiro (2001)

A viagem de trem é uma das cenas mais memoráveis do filme.


"- Onde estamos, querido?
- Não sei bem... parece um parque temático abandonado..."

A justiça tarda mas não falha. Quando a lista para os concorrentes ao Oscar de Animação de 2003 foi divulgada, não faltou quem estranhasse a presença de um filme japonês pouquíssimo ortodoxo intitulado A Viagem de Chihiro, de um diretor que era igualmente desconhecido por grande parte do público ocidental. Mas a consagração deste diretor na cerimônia da Academia finalmente estampou seu nome no mundo ocidental e permitiu que a crítica cinematográfica do mundo todo finalmente pudesse atestar o seu gênio.

Estamos falando, obviamente, de Hayao Miyazaki, um dos maiores diretores vivos e talvez o maior animador da história. Apelidado de o "Walt Disney" japonês (ele odeia ser chamado assim), esta lenda viva das animações ajudou a co-fundar o famigerado Estúdio Ghibli (na minha opinião, o único estúdio capaz de rivalizar com e até suplantar a Pixar), de onde saem as mais belas produções do cinema japonês. Mas se hoje a sua fama e aclamação correm o mundo todo, antes de Chihiro ele era apenas um diretor a ser reverenciado por círculos exclusivos de cinéfilos devido ao seu Princessa Mononoke (sua realização suprema e a melhor animação de todos os tempos). E antes de Princesa Mononoke, ele era um zé ninguém no Ocidente.

O que leva muitos ao erro de achar que, por ter ganho o Oscar, A Viagem de Chihiro seja a maior produção do diretor. Não é. Mas, ainda assim, é uma das animações mais memoráveis do cinema e, observando-se a obra do diretor, talvez seja sua criação mais metafórica e com maior presença do fantástico no enredo. Trata-se de uma jornada da personagem Chihiro, que está de mudança com a família para uma cidade desconhecida. Acabam se perdendo devido a mais um dos famosos "atalhos de homens" e entram no que parece ser um parque temático em ruínas. Explorando o lugar, a contragosto da personagem principal, os seus pais descobrem uma cidadela misteriosa na qual um restaurante oferece um banquete incrível, o qual os pais devoram. Chihiro, ignorada, explora o lugar e, a medida que a noite cai, tudo ganha vida na forma de espíritos e sombras vivas, todo o ambiente se revela um mundo pararelo e fantástico e os pais da pobre garota são transformados em porcos. Começa aí a jornada de uma menina teimosa e birrenta através de um mundo estranhíssimo para tarzer seus pais de volta a normalidade e escapar do que parece ser um intenso pesadelo.


Yubaba demonstra a dualidade de caráter dos personagens Miyazakianos: ela está mais para uma personagem incômoda, graças à sua avareza, do que uma vilã puramente perversa.


Lembro-me de quando vi A Viagem de Chihiro pela primeira vez, quando tinha uns 12 anos e era tão mimado quanto a personagem-título. Saí do cinema muito chateado e morto de tédio, e não fui o único: inúmeros pais saíam com suas crianças do inema no meio da projeção, muito revoltados com aquele filme, no mínimo, bizarro. Esse é um aspecto do filme que deve ser entendido: A Viagem de Chihiro é um bom filme para crianças, pelo menos não para as crianças ocidentais bestializadas com a DreamWorks ou a Disney contemporânea. Não é um filme nem mesmo apra adultos superficiais que esperam diversão despretensiosa como em A Era do Gelo ou Lilo & Stitch, concorrentes derrotados de "Chihiro" ao Oscar. A Viagem de Chihiro é mais profundo e simbólico do que 95% de todos os filmes produzidos anualmente por Hollywood e, assim como todas as animações de Miyazaki, é tão poderoso visual e artisticamente quanto os maiores clássicos cinematográficos da história. A premissa básica de "uma heroína descobrindo a coragem interior" é apenas uma lasca pífia comparada à magnitude desta realização notável.

O filme expressa o sumo da mitologia japonesa, somado à criatividade pujante do senhor Miyazaki. Em poucos minutos, o enredo se envolve com bruxas com cabeças maiores que uma criança, um bebê gigantesco, um garoto-deus-dragão de personalidade dúbia até os últimos momentos do filme, homens-sapo, deuses em forma de patos obesos e mais uma infinidade de criaturas mágicas nesta grande salada mitológica de Miyazaki. Nada no filme segue o "jeito ocidental" de se fazer histórias. Seus personagens possuem múltiplas facetas, seus vilões não são apenas uma expressão simplista do maniqueísmo ocidental e seus heróis são cheios de falhas e deslizes. Chihiro, a "heroína", é birrenta e irritante no início no filme; porém, mesmo com sua evolução ao redor do filme, apresenta recaídas habituais em sua personalidade. Haku, embora bondoso, passa a maior parte do filme a serviço da "vilã" Yubaba e chega a cometer um delito que quase lhe tira a vida e põe em risco a situação de Chihiro. Tudo em A Viagem de Chihiro é tão redondo e passível de mudanças que jamais se sabe qual será a próxima atitude de um personagem.


Chihiro e o sempre misterioso Sem-Face.


A Viagem de Chihiro não é um filme de um enredo somente, mas de vários micro-enredos situacionistas que se unem em uma história coesa e fantástica. Quem assistiu à Meu Vizinho Totoro (soberbo!) e O Serviço de Entregas de Kiki (muito bom, embora o mais fraco do diretor) sabe que Miyazaki não é de traçar um plano definido e fazer o personagem correr por uma trilha pré-determinada na história. Não: seus filmes exploram as situações cotidianas, por vezes tão inocentes que jamais creeríamos que elas poderiam se transformar em um filme. Assim é com "Chihiro", embora em menos escala: a sua "viagem" transcorre por várias situações aparentemente rotineiras que evoluem e se somam a obra como um todo. A seqüência da viagem no trem se alonga o suficiente para demonstrar que não se trata de uma aventura épica cheia de batalhas ou reviravoltas, mas de uma batalha constante e invisível travada por uma personagem tão passível de erros quanto qualquer homem, imersa em um mundo que, embora inicialmente estranho, se revela tão rotineiro e impregnado de vícios quanto o nosso "mundo real".

Mas Miyazaki, como todo artista, trata de enriquecer sua obra com mensagens secundárias que, embora passem despercebidas por quase toda platéia em uma primeira vista ao filme, possuem significância incrível. Eu mesmo só descobri muitas das mensagens do filme após leituras de críticas sobre a obra. Miyazaki constrói a imagem do parque abandonado como símbolo do Japão pós-crise imobiliária; os pais de Chihiro, monstruosamente gulosos e posteriormente transformados em suínos, são o Japão moderno que, segundo o diretor, "se esqueceu de suas raízes e se entregou a uma luta consumista sem sentido". Temas naturalistas invadem a filme com elegante discrição, como o deus-fedorento que, na verdade, era um espírito de um rio ultra-poluído ou o próprio Haku, que se revela um deus-rio incapaz de se recordar de suas origens pelo fato de seu rio ter se transformado em um complexo de apartamentos. Miyazaki insere estas passagens não com o intuito de ensinar algo a todos, pois sabe bem que muitos poucos entenderão o que elas significam. Tratam-se, na verdade, de pequenos desabafos artísticos de um autor em sua obra, uma assinatura característica de seu gênio criativo.


Os personagens secundários acrescentam graça ao filme. Quem viu "Meu Amigo Totoro" vai achar essas "bolinhas" pretas familares...


O mundo fantástico de Chihiro é embalado por uma trilha sonora a altura de sua complexidade, orquestrada pelo igualmente genial Joe Hisaishi, um dos maiores compoO sitores da atualidade. Hisaishi está para Miyazaki assim como John Williams está para Steven Spielberg: profissionais inseparáveis, quase um mutualismo artístico. Embora a trilha de "Chihiro" não seja sua maior composição (as trilhas de Castle in the Sky, Princesa Mononoke e O Castelo Animado são as melhores), o filme desponta com verdadeiras jóias como Sootballs e atinge o seu clímax com The Dragon Boy (música-tema de Haku), finalizando com o estonteante Reprise. Fica também o detalhe para as referências que Miyazaki faz a seus filmes anteriores, principalmente a Meu Vizinho Totoro: os "mini-ajudantes" de Kamaji são a cara dos espíritos que infestam a casa em "Totoro" e a personagem Zeniba insiste ser chamada de Granny, uma referência a outra senhora bondosa em "Totoro".

Não. A Viagem de Chihiro não é o melhor filme de Miyazaki, o que não quer dizer grande coisa: clássico irrepreensível (e, para muitos, incompreensível), esta estranha jornada vai além da busca de uma personagem pela saída do mundo que a cerca: é uma visita fascinante à mente de seres ora simpáticos, ora ameaçadores, e de personagens tão imprevisíveis que cada segundo da película se torna instantaneamente uma surpresa. Facilmente uma das melhores produções não só de 2001 (ano quando foi produzida) ou de 2003 (ano em que chegou às terras ocidentais e nelas foi consagrada), mas de toda a década. Uma história tão simples que comove e tão rica que destrói a rigidez do mais inflexível dos críticos.

"- Uma nova casa, uma nova escola... parece bem assustador, não é, Chihiro?
- Não se preocupe, pai. Eu acho que posso agüentar tudo isso..."

NOTA: 10


***Selo OBRA-PRIMA*** 
O autor deste comentário considera este filme uma
verdadeira obra-prima.


2 comentários:

  1. A animação oriental mais linda que existe, uma das minhas animações favoritas.

    ResponderExcluir
  2. Sem dúvida, todos os ocidentais, inclusive os que cresceram cercados por filmes da disney, pixar e dreamworks como referência de animação, deveriam assistir a viagem de chihiro. É diferente de tudo que estamos acostumados a assistir e a carga de emoções e fantasia é enorme. Isso é o que mais me fascina e nunca me decepciona nos filmes, novelas e etc japoneses, além das histórias incríveis você nunca termina de assistir sem carregar parte daquela história com você. Enfim, tantas reflexões e emoções tiradas de uma só história daquele jeito que só os mestres japoneses sabem fazer...amo muito.

    ResponderExcluir