Prólogo
Logo na cena inicial de Anticristo, damo-nos conta de que o que enfrentarem dali em diante não será, definitivamente, um trabalho fácil, isso porque, além de ser um filme do polêmico diretor Lars Von Trier (Dançando no Escuro, Dogville), o prólogo apresenta de imediato as imagens fortes e a temática densa que a obra desenvolverá. Von Trier inicia sua trama através de um domínio artístico fascinante ao mostrar-nos através de imagens monocromáticas o ato sexual (em um close a uma penetração vaginal) entre um homem e uma mulher - respectivamente, os protagonistas dessa estória -, e em seguida um trágico acidente em que, o filho deles foge do berço, e cai fatalmente da janela aberta pelo vento. Toda esta interligação entre o desejo carnal e a conseqüência do ato é filmada em câmera lenta e embalada a um tema musical clássico, ao fundo. Em grande elegância e delicadeza.
Capítulo. 01 - Sofrimento (luto)
A trama de Von Trier é fragmentada através de prólogo, capítulos e epílogo, assim como numa obra literária. Após os trágicos acontecimentos no prólogo, Von Trier demonstra a real natureza de sua estória, ao apresentar uma atmosfera triste, melancólica e até mesmo depressiva, onde após a morte de seu filho, o casal, sofre com os vestígios da perda. O homem (Willem Dafoe) de maneira mais aberta e a mulher (Charlotte Gainsbourg) demonstrando um luto interno, onde dor de sua perda passa a corroer seu comportamento e seu próprio psicológico. Ele é terapeuta, e procura no problema da esposa sempre um diagnóstico lógico, palpável – sempre (ou quase) de acordo com os fundamentos das ciências médicas. Ela, sofre pela pressão de ter sido a culpada da morte do menino, e meses após, seu luto permanece ainda intenso em seu peito, fazendo com isso cause brigas e diversas discussões entre o casal. Esta segunda metade condiz com a aura misteriosa, sombria e onírica que Von Trier imprime a seu projeto, não para menos, este é tido como um filme de horror.
Capítulo. 02 - Dor (O Caos Reina)
Anticristo não é um filme digerível e agradável, na verdade, o melhor adjetivo para empregar ao próprio seria incômodo e desagradável - em contextos pessoais. No segundo capítulo da trama, o casal viaja até uma casa numa floresta, como uma maneira que o terapeuta encontra para sua esposa defrontar os próprios medos e aflições. Ele constrói uma tática para conhecer as sensações e entender um pouco da angústia da mulher, então ele desenha uma pirâmide, onde ela terá que intercalar seus medos mais profundos e íntimos. A floresta (natureza) é o maior assombro que ela enfrenta, e esta jornada que eles fazem até uma isolada casa na floresta culminará numa sucessão de terríveis acontecimentos, desde uma desorientação da lucidez de ambos (o homem vê uma raposa se auto-mutilando e dizendo: “O caos reina”) até o estopim da violência atingindo o casal.
Von Trier não poupa o espectador ao apresentar cenas de intenso grau de violência e alto teor sexual, passando desde atos sexuais sado-masoquistas a momentos de violência explícita. Mas, coerente com a lógica metafórica e simbólica que o cineasta moldou com este projeto, nada é tão gratuito quando se subentende a princípio; ainda que o trópico projetado entre o belo (como na cena inicial) e o grotesco perde o rumo, apresentando ao espectador cenas que, além de serem desagradáveis, provocam certa aversão no público (ainda que não se trate de um filme direcionado a todos, obviamente).
Capítulo. 03 - Desespero (Femicídio)
Nesta parte da obra é onde todos os limites são destruídos por Von Trier, e ele apresenta prismas angustiantes do sofrimento em que aquele casal se encontra. Aqui ele explícita o motivo pelo qual denominam sua obra de um “filme de terror”, ao apresentar ao público cenas chocantes onde mostra, entre elas, uma relação sexual doentia e os atos macabros e perversos que aqui se apresentam. Com este filme, Von Trier não deixa incólume nenhum de seus protagonistas, e muito menos seu próprio público, onde este espetáculo de horror sofrido pelos personagens, atinge também aqueles que o observam.
Em Anticristo observa-se claramente o ataque objetivo aos alicerces do cristianismo, desde seu momento inicial ao seu divergente desfecho, onde a trajetória do casal rima-se com a dos seres bíblicos Adão e Eva. Tudo aqui funciona como uma metáfora as crenças religiosas, desde a proibição do sexo sem a reprodução (que logo no inicio do filme foi punido com a morte do filho do casal) até a própria ambientação da estória, que acontece na floresta do Éden, o mesmo nome do jardim onde vivia o casal Adão e Eva, até eles cometerem o pecado.
Capítulo. 04 - Os Três Mendigos
No capítulo final, Von Trier vai fechando as frestas de sua trama de maneira abismal, onde, o que de início era uma jornada lírica sobre a agonia e a tristeza de um casal, agora se torna uma peça de horror e violência. Essa era a intenção de Trier: chocar seu público. Devo dizer, que esta missão ele conseguiu como poucos o fariam. Entretanto os momentos finais de Anticristo revelam um grau de agonia quase insuportável, onde a teor de violência continua em carga de voltagem extrema. Ao mesmo tempo que modelou um estudo sobre o conflito entre o homem versus a natureza, Von Trier exagera em seus contornos e extrapola limites, fazendo com que, em certos momentos, o impacto e os debates que sua trama resulta sejam obscurecidos pelo horror (nos sentidos mais amplos desta palavra) empregado de forma demasiada e exagerada até.
Epílogo
O desfecho definitivo de todos os eventos de Anticristo talvez seja um dos elementos mais controversos de toda a estória. O seu final desagradará aos espectadores que pouco absorveram de toda aquela análise humana e religiosa. Seja para o bem ou para o mal, o fim de Anticristo é tão metafórico e alegórico quanto todo o desenvolvimento da obra em si, polarizará opiniões, mas com certeza, mesmo que seja totalmente interpretativo, ele carrega a essência que Von Trier quis apresentar em seu filme mais pessoal.
Conclusão
Lars Von Trier continha um poderoso material em mãos, o maior problema de Anticristo, porém foi em seu processo de lapidação, onde o cineasta extrapolou as barreiras e criou um filme, ainda que belo em sua estrutura plástica e consistente em sua análise, negativamente incômodo. Certamente, não se trata de um filme ruim (pelo contrário, é uma experiência ímpar a qualquer amante do cinema), mas ao olhar para trás e ver a soma de méritos que esta obra alcançou, vemos que o resultado sempre esteve muito aquém da capacidade de seu cineasta.
E a nitidez disso é talvez o mais frustrante de tudo.
Nota: 5.0
Parabéns Júnior! Você captou todos os elementos que constróem Anticristo e fez uma avaliação. Escreve muito bem.
ResponderExcluirPs: Acho-o um bom filme.
ResponderExcluirPara ser completamente honesto...não gostei!
ResponderExcluirAchei que o realizador se preocupou mais em ser polémico do que criar uma obra de arte...
É um filme que não me disse absolutamente nada...
Saímos do cinema e esquecemos...
Gosto de filmes diferentes que fazem pensar, mas este trabalho de Von Trier foi criado apenas para chocar.
ResponderExcluirMesmo talentoso, Von Trier sempre foi "marketeiro", desde os tempos do Movimento Dogma e aqui usa do exagero para criar polêmica.
Abraço
É um filme extremamente incômodo, só isso pra descrevê-lo. Lars Von Trier ultrapassou as barreiras e criou um filme repleto de tensão e repulsa, com a cena mais desagradável da minha vida, o que não tira o caráter fascinante do filme. Preciso rever, só que vou adiar essa experiência o máximo possível.
ResponderExcluirAbraços.
Até hoje não sei o que pensar de "Anticristo". E, sinceramente, não tenho a mínima vontade de rever para tirar uma conclusão definitiva =P
ResponderExcluirMuito obrigado aos elogios do Pudim de Cinema! Aliás, excelente Blog, devo dizer. Sou um grande admirador do trabalho que vocês realizam naquele espaço. Agradeço novamente.
ResponderExcluirQuanto ao filme, para mim foi extremamente difícil estabelecer uma posição definitiva para esse filme, tanto que, até minha nota 5.0 fica na metade do caminho. Como citei na crítica, é um filme visualmente belo, mas como humano, me foi extremamente incômoda a exposição de tanta violência exacerbada. E, é uma experiência única sim, mas não satisfatória - na verdade, é algo que não repetirei tão cedo.
Acho não só o filme, como Von Trier genial. Ser diferente e único é complexo. E a homenagem a Tarkovsky é bem feita, visto que o filme tem muito de Tarkovsky mesmo. A mente de Von Trier é um grande labirinto, e só existem dois motivos para não se gostar de uma filme desses: 1- Se perdeu neste labirinto, 2 - Até conseguiu sair, mas não sabe como e se incomodou com isto. As vezes aceitar que algo é maior que nossa própria compreensão faz bem.
ResponderExcluirhttp://icenema12.blogspot.com