X-Men versão "anos 60". "We all live in a yellow submarine, yellow submarine, yellow submarine..." |
Quando lançado em 2005, “Batman Begins” enfrentava um ceticismo tão profundo por parte de público e crítica que sua bilheteria foi fortemente enfraquecida, embora, ainda assim, lucrativa. Afinal, em um gênero onde a ganância dos estúdios e os amadorismos dos diretores cometem constantes trapalhadas, principalmente em um filme que pretensamente dizia reescrever a história do super-herói mais querido da DC Comics, as expectativas não podiam ser muito altas. Mas a direção magistral de Christopher Nolan, até então famoso apenas em circuitos de cinema independente, ao menos conseguiu quebrar o gelo da crítica, e o cinema logo se beneficiaria com um dos mais vigorosos reboots dos filmes de super-heróis.
Bom, o que isso exatamente tem a ver com “X-Men: Primeira Classe”, um filme igualmente desacreditado, que quase cheirava à bomba? Bom, ambos deram novo gás a franquias combalidas (Batman morrera desde que Joel Schumacher inventou de brincar de diretor, e os X-Men perderam todo o brilho com a saída de Bryan Singer), foram conduzidos por diretores-prodígio e, acima de tudo, surpreenderam a crítica e garantiram seus lugares como os melhores filmes de seus anos. Sim, “X-Men: Primeira Classe” é um forte concorrente a “melhor filme do ano” no gênero da ação. Quando se tratam de filmes de super-heróis, seu título é praticamente garantido. “Primeira Classe” é para os X-Men o que “Begins” foi para Batman: uma visão mais realista, profunda e reflexiva sobre o nascimento dos super-heróis.
Charles e Erik disputando seu clássico jogo de xadrez: a amizade dos dois é o ponto alto da trama. |
A trama, transcorrida no auge da Guerra Fria, acompanha a união improvável entre Erik Lensherr (Magneto) e Charles Xavier (Professor X), que estão buscando o mesmo alvo: Sebastian Shaw, um mutante que planeja exterminar a humanidade ao forçar as duas superpotências a uma guerra nuclear, deixando o mundo livre para a ascensão e o domínio dos mutantes. Xavier, pacifista, deseja apenas impedir as atrocidades de Shaw, enquanto Lensherr tem motivos mais sinistros: fora Shaw quem matou sua mãe em um campo nazista e o torturou até que ele desenvolvesse plenamente seus poderes magnéticos, motivando sua busca por vingança (“Digamos que eu seja Frankenstein, e estou em busca do meu criador”). Repleta de fios narrativos, a história concilia a relação entre os dois futuros arquiinimigos com o surgimento de muitos outros mutantes que viriam a povoar o mundo Marvel: Havoc, Darwin, Banshee, Tempest e, mais notadamente, Fera e Mística.
Diferentemente de “Begins”, que tinha um menor número de personagens-chave e, portanto, mais tempo para trabalhá-los psíquica e historicamente, “Primeira Classe” sofre com a imensa gama de mutantes, mocinhos ou vilões, quem tem em seu roteiro. Em uma contagem breve, temos oito X-Men e quatro vilões do Clube do Inferno, isso sem contar os aliados de cada um, o que soma, facilmente, duas dezenas de personagens principais e secundários. A necessidade de trabalhar suficientemente bem cada um destes personagens torna o filme muito corrido (difícil acreditar que ele dura mais de duas horas) e, mesmo assim, sobra um quê de superficialidade em muitos deles. Alguns podem ser vistos até como inúteis: há um vilão no Clube do Inferno, com a capacidade de manipular o vento, cujo nome nem sequer conhecemos! O personagem Darwin parece ter sido posto no filme apenas para cumprir com algum tipo de sistema de cotas: o único negro da trama, ele aparece do nada e é fácil e rapidamente eliminado pelos vilões. Sua presença é tão rápida e pálida que mais parece uma brincadeira de mal-gosto dos roteiristas.
Uma mutante com asas de inseto e que cospe bolas de fogo. Uau, que legal (NOT!) |
Um outro deslize do roteiro (mas isso talvez nem seja culpa dos roteiristas, mas na história em que eles tiveram que se basear) é a estranheza de alguns poderes mutantes: ok, estamos todos acostumados com telepatas e manipuladores de magnetismo, mas uma garota com asas de inseto que cospe bolas de fogo? Se alguns poderes beiram a bizarrice, outros são dificilmente compreendidos: apesar de sua importância e da boa atuação, o vilão Sebastian Shaw possui um poder que não será compreendido por boa parte do público: absorver e “refletir” energia. Alguns lapsos de lógica prejudicam a construção de personagens como, por exemplo, Emma Frost: nas primeiras vezes que ela se transforma em diamante (outro poder bizarro), ela parece assumir força sobre-humana. Entretanto, na seqüência da mansão soviética, ela é facilmente capturada neste estado por Erik e Xavier, sem oferecer nenhuma resistência física.
Ainda assim, por mais corrida que pareça, a complexa trama de “Primeira Classe” é muito bem costurada, capitaneada pela dupla Magneto / Xavier: interpretados respectivamente por Michael Fassbender e James McAvoy, os personagens brilham na tela e acrescentam um toque de profundidade filosófica ao filme. A relação entre ambos, embora tenha que dividir espaço com os outros personagens, é muito bem trabalhada e as atuações estão a altura de seus personagens. O único “porém” é a aparência jovial e descolada de Erik Lensherr, que não combina com o vilão clássico e calculista que ele viria a se tornar. Um marco do filme é a ponta de Hugh Jackman como Wolverine, que resulta em uma das situações mais engraçadas da produção.
Magneto atinge o limite de seus poderes. Tremei, humanos! |
As atuações estão acima da média, exceto por um ou outro deslize (a cena em que Erik, ainda criança, grita após ver a mãe ser morta é ridícula). Outros defeitos persistem na parte técnica, principalmente nos efeitos especiais. De regulares a ruins, os efeitos do filme lembram os truques digitais usados em filmes da década de 90, ou mesmo no primeiro filme da cinessérie X-Men. Muitas vezes eles caem no limite do “tosco” e, não fosse a competência com a história é desenvolvida, causariam uma desagradável sensação de vergonha-alheia. Na outra ponta, contudo, está a fotografia, a ambientação e os figurinos, todos valorizando a época da Guerra Fria e situando definitivamente o mundo na Marvel no mundo real: o filme é tão bem feito nestes quesitos que vigora a sensação de realismo. À exceção de alguns poderes bizarros, os mutantes deste “Primeira Classe” parecem muito mais reais do que em qualquer outro filme da série. A trilha sonora é boa, mas não chega perto de ser algo excepcional. A única música memorável é a canção-tema de Magneto, exaustivamente repetida, e com certo exagero, durante o filme.
Por assumir uma responsabilidade titânica e coordenar uma trama com múltiplos personagens e inúmeras histórias paralelas, os louros de uma produção tão boa com certeza vão para o promissor Matthew Vaughn. Bem sucedido produtor de filmes independentes e diretor de pequenos hits como “Stardust” (meia-boca) e “Kick-Ass” (acima da média), Vaughn, mesmo não possuindo o mesmo tino criativo que seu contemporâneo Christopher Nolan, se sai brilhantemente neste seu primeiro blockbuster, dando a volta por cima dos defeitos do roteiro e acrescentando uma nova dimensão nos mutantes da Marvel. Apesar de cheia de imperfeições, se olharmos o total da obra, veremos um filme excelente, com os mesmos toques revolucionários e os desfechos trágicos da nova franquia de Batman.
O espectador sairá engrandecido da sala de projeção: sim, apesar de alguns defeitos na trama, “X-Men: Primeira Classe” é um recomeço magnífico à franquia da Twentieth Century-Fox. Resta saber se, da mesma forma que a seqüência de “Batman Begins” (“O Cavaleiros das Trevas”) superou exponencialmente o original, a seqüência deste “Primeira Classe” fará o mesmo.
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NOTA: 7,0
Sua visão e comparação entre a importância de Batman Begins e X-Men - A Primeira Classe é perfeita e importante.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Amei o filme.
Só achei que ficou faltando a cena depois dos créditos. Mas, isso é detalhe de um nerd. kkk