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sexta-feira, 9 de março de 2012

Ran (1985)




Do mestre Akira Kurosawa, Ran é um filme baseado em uma peça de William Shakespeare, Rei Lear, e aqui Kurosawa tem uma visão mais pessimista e mais trágica que a peça teatral, criando um história alimentada por guerras, traições, ambições e vingança, fazendo jus a uma trama puramente shakesperiana ambientado na época em que ocorria uma guerra entre os clãs, que possuíam terras que dividiam todo o Japão, cuja era é conhecida como Sengoku (significa país em guerra) que é uma das mais sangrentas e é marcada pela disputa pelo poder territorial, liderados cada um por seu "daimyo"(senhor feudal), chamados especificamente pelo seus servos de "tono".

Hidetora Ichimonji é dono de um vasto reino, e quando tem um sonho após dormir, percebe que é hora de dividir o reino entre seu três filhos, Jiro apoia seu pai e fica com o poder e com a responsabilidade de governar no primeiro castelo, enquanto Taro e Saburo apoiariam o irmão mais velho ocupando os outros castelos, enquanto Hidetora permaneceria com o título de daimyo, livre da responsabilidade e não perdendo os privilégios de seu cargo, porém o filho mais rebelde porém mais leal, Saburo, contraria a ideia de seu pai e o chama de tolo, que termina com este sendo expulso do reino por seu pai pela "traição" junto com outro servo que implora ao seu senhor para não cometer este erro absurdo, argumentando que talvez ele esteja certo. O que se sucede é um ciclo de intrigas e traições que culminará em terríveis consequências.

Os filmes de Kurosawa sempre teve um estilo de atuação bastante exagerada, influenciada pelo teatro japonês, totalmente diferente das sutilezas e naturalidades dos filmes ocidentais (e atuais), tudo é bastante expressivo, tudo é bastante teatral, contribuindo para isso também a câmera que percorre sempre com poucos movimentos, com todos os atores em cena na tela, com poucos cortes, em que atores trabalham de forma magnífica com os objetos do cenário, sempre compostos de quartos e salas forradas de tatame e madeira, com portas corrediças de madeira e papel, onde ocorrem conspirações entre os que tem contato com o poder.

Aqui também fica bastante evidente uma abordagem filosófica (leia-se, mais profunda) sobre o ser humano, sobre o qual é sempre o foco nos filmes do diretor, como Viver, Kagemusha, Os Sete Samurais, Rashomon, entre outros da rica filmografia do cineasta, e aqui ele mostra as consequências da busca pelo poder, e a relação do homem com Deus, e é essa um dos assuntos mais interessantes abordado pelo diretor, aqui no filme a personagem Lady Sue, esposa de Taro, teve sua família massacrada por seu sogro Hidetora, assim sobrevivendo e casando-se com um de seus filhos, porém ela é uma moça que dedica sua vida ao budismo e perdoa seus sogro de suas atrocidades, algo que ele mesmo não compreende. Enquanto Lady Kaede (esposa de Jiro) teve a mesma história, porém guarda um ódio enorme pelo clã Ichimonji, e quer vingança, sendo todas as tragédias da família a seguir ocasionada pelo profundo rancor e maldade que ela guarda. Como em Rashomon, ele fala da fé do homem em Deus e em si mesmo; os personagens vivem questionando se Deus não os teria abandonado, pois os homens causaram tanta dor e sofrimento ao seu próximo que Ele mesmo teria perdido a fé e os abandonado. Apesar da religião no filme a ser focada é o budismo, a aproximação (ou a distância) do homem com Deus é discutida de forma universal, podendo interpretá-la também em contexto cristão, ou em outras religiões, jamais explorado de forma rasa devido a competência de seus realizadores.

Os personagens, mesmo com atuações bastante expressivas e nada ambíguas, não carecem de complexidade, descontruindo o personagem principal (Hidetora Ichimonji) e o bobo que o acompanha sempre com piadas e zombarias, em uma inversão de papéis, muito bem construído pelo roteiro de Akira Kurosawa, junto com Hideo Oguni (parceiro de longa data do cineasta) e Masato Ide (que trabalhara em Kagemusha e O Barba Ruiva com Kurosawa), culminando nas personagens mais interessantes do filme, destacando o jovem frágil Tsurumaru, irmão de Sue, que foi cegado por Hidetora, junto com os três irmãos, todos de personalidade distinta, e seus servos que cuja lealdade ao seus senhores lhes custam até a vida, se preciso. O roteiro aproveita dos aspectos culturais de seu país, para adaptar um texto de Shakespeare de forma brilhante, cujas histórias sempre haviam como obstáculo para seus protagonistas algo como tradições, honra, orgulho e preconceito, sempre colocando seus protagonistas em conflito com a intolerância daqueles em sua volta, exemplo perfeito disto é a história de amor de Romeu e Julieta.



Mas não tem como falar deste filme, sem falar de suas batalhas campais, filmadas com um primor magnífico, é incrível a grandiosidade de suas cenas, seja na destruição do castelo de Hidetora Ichimonji, que termina com ele louco, é de uma estética e dramaticidade maravilhosa, auxiliadas pela excelente fotografia, que é sempre o ponto forte dos filmes do cineasta, sempre com uma paleta de cores que remetem as obras de Van Gogh, como também a trilha-sonora densa e melancólica. É impressionante o número de figurantes que Kurosawa dirige com uma tamanha organização, fazendo inveja a muitos épicos hollywoodianos, além de haver toda uma tática de guerra tratada com bastate verossimilhança em cenas de batalha. Mas o que mais deixa mais boquiaberto aqueles que forem pesquisar sobre a obra, é que se construiu um castelo inteiro para as filmagens para depois destruí-la totalmente em cena, algo que deixaria qualquer produtor de Hollywood de cabelo em pé.

Um épico marcante em sua narrativa e primorosa em sua direção, Akira Kurosawa retrata toda a brutalidade de uma era sangrenta, e a do próprio ser humano, nos fazendo refletir sobre o nosso presente e futuro, e sobre a nossa descrença com o mundo, com um final bastante emblemático, sem dúvidas, um dos grandes filmes de um dos cineastas que marcou a história da sétima arte.

Nota: 10,0




Um comentário:

  1. Nunca assisti a esse filme, mas o texto me deu mais vontade ainda de ver. Já conferi algumas cenas individuais e o visual me chamou bastante a atenção.
    http://acervodocinema.blogspot.com
    http://memoriadsetimaarte.blogspot.com

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