A afeição de Gus Van Sant pela juventude é notória há muito. Seus filmes, na grande maioria das vezes, versam sobres as angústias que pairam sobre essa geração, constituindo-se como belíssimos retratos de dores e amores que podem rondar as vidas de quem ainda não chegou à idade adulta. E são poucos além dele que exibem grande capacidade de diálogo com os jovens. Exemplares desse talento não faltam em sua filmografia, como Drugstore cowboy (idem, 1989), Garotos de programa (My own private Idaho, 1991) e o recente Paranoid Park (idem, 2007). E há um novo belo filme a ser inserido nessa carreira de sucesso, que atende pelo convidativo nome de Inquietos (Restless, 2011). Com esse novo trabalho, o diretor retoma aquele que já demonstrou ser o foco de sua carreira, que havia deixado temporariamente de lado ao conceber Milk – A voz da igualdade (Milk, 2008).
Os protagonistas de Inquietos são Annabel (Mia Wasikowska) e Enoch (Henry Hooper), dois jovens cuja aproximação se dá por meio do inusitado. Ambos lidam com traços de comportamento depressivo e, no caso do rapaz, sua vida desgostosa é pincelada por entradas em velórios para os quais não foi convidado, de pessoas que sequer conhece. É numa dessas “invasões” que seu caminho se cruza com o da moça, e a empatia entre os dois, ainda que imediata, é negada veementemente pelo garoto, que prefere manter uma postura arredia diante da docilidade apresentada por ela. Pouco tempo depois, contudo, nasce uma bela amizade entre ambos, um curto caminho para o romance que os envolve em seguida. Baseando-se nesse argumento, Van Sant oferece ao seu público um filme agridoce, por conta dos laivos de tristeza que o circundam. É inegável que haja uma certa semelhança entre sua premissa e a de Ensina-me a viver (Harold and Maude, 1971), em que também há um protagonista obcecado pela ideia da morte. Entretanto, há diferenças entre as tramas, tanto de ordem objetiva quanto de ordem subjetiva, a começar pelo fato de Inquietos trazer dois jovens nos papéis principais, e pela condução inconfundível de seu realizador.
O filme é dotado de um alto grau de convencionalismo no desenvolvimento de seu enredo, e se vale de alguns lugares comuns caros aos filmes dramáticos que lidam com o florescimento de amores em circunstância adversas. Todavia, o uso de clichês não é condenável por si só. Quando bem administrados, podem render filmes maravilhosos, e Inquietos é um belo exemplar de como essa afirmação pode ser verdadeira. No caso do longa de Van Sant, o nó da narrativa, termo constante da obra de William Labov, é a doença de Annabel. A jovem está desenganada, e engana Enoch a princípio, omitindo o fato para o rapaz. Mas ela acaba confessando a verdade em pouco tempo, e o idílio juvenil vivido pelos dois acaba sendo um romance assinalado pela fugacidade e pela finitude, exalando urgência em sua necessidade de ser vivido.
Lew estreou como roteirista com Inquietos. Antes disso, ele já havia atuado em Um amor sublime (All God’s children can dance, 2008) e em The experiment (2010), ainda sem título em português. Seu trabalho na escrita do filme de Van Sant é louvável, e traz frescor a uma temática que poderia cair no sentimentalismo barato e no peso excessivo de uma abordagem plúmbea e pessimista. Inquietos consegue mesclar amor e dor na medida certa, e exibe uma deliciosa maturidade do diretor no tratamento de sua temática favorita. É interessante saber que a intenção original de Lew era escrever uma peça teatral, mas Bryce Dallas Howard o convenceu a conceber o texto para o cinema. Some-se ao belo roteiro a deslumbrante fotografia de Harris Savides, um habitual colaborador de Van Sant, que já clicou trabalhos como Encontrando Forrester (Finding Forrester, 2000) e o já citado Milk – A voz da igualdade. As lentes de Savides apontam para uma paleta de cores vivas, contrastando com o estado de morbidez que invade as vidas dos protagonistas. A inquietude que lhes é atribuída nos títulos original e em português, no entanto, não é vã. Annabel e Enoch vivem a urgência em todos os sentidos. Verdadeiramente, não há tempo a perder para os dois.
Em meio à relação de fim iminente dos protagonistas, está a amizade de Enoch com Hiroshi, um soldado que lutou na guerra que só existe em sua imaginação. A presença de Hiroshi, porém, é bem viva, e funciona perfeitamente para a trama, como uma lufada de realismo fantástico que tempera e pontua fatos no percurso do seu “inventor”. Aliás, é importante salientar o desempenho excelente de Henry Hooper. O californiano – filho de ninguém menos que Dennis Hopper – tem uma carreira ainda curta, mas já demonstra que tem uma estrada brilhante pela frente, encarnando a agonia juvenil e a incerteza sobre os próximos passos que terá de dar. Do início ao fim de Inquietos, ele passa da esquiva à devoção por Annabel, uma garota sempre adorável. Ela é interpretada com um brilho vívido por Mia Wasikowska, outro jovem talento que conjuga uma beleza ofuscante com segurança na atuação. Não há outro adjetivo que classifique melhor a interação entre os intérpretes em cena como simbiótica. Quando chega bem perto de seu final, Van Sant coroa Inquietos com uma aura de profundo pesar, deixando tudo mais realista, e decantando a sensação de que um sonho bom precisava se encerrar. Então, somos despertados do sono, ainda surpresos como o pássaro descoberto por Annabel, cantando, perplexos, a vida que ainda nos é dada de presente.
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