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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Fita Branca (2009)


Nos filmes de Michael Haneke, nota-se que o diretor não parece preocupado em responder a todas as questões que levanta. Como um investigador que está atrás de evidências para comprovar sua teoria, ele imerge em águas por vezes turvas, na tentativa de entender o mal do mundo. Mas seu entendimento não necessariamente coincide com o olhar do espectador. Em Caché, sua câmera observadora se voltou para o cotidiano de um casal parisiense que tinha a paz abalada pelo envio sistemático de estranhos vídeos que mostravam sua rotina. A partir desse argumento, Haneke falava sobre feridas que carregamos sem nem sempre nos darmos conta, além de demonstrar que a desconfiança pode acometer até as mais sólidas relações, quando menos se espera. Entretanto, sua perscrutação chegava a um suposto fim sem todas as perguntas respondidas.

Esse também é o caso de A Fita Branca, mais uma produção que não se importa em dar todas as resoluções de bandeja para o público. Sair com um ponto de interrogação ao final da exibição do filme é quase certo. Para contar uma história que se presta a tentar encontrar as raízes do "mal" na Alemanha, ele usa o preto e branco, resultando numa fotografia belíssima. A trama começa com a narração de um homem cuja voz denuncia sua velhice. Ele conta sobre estranhos acontecimentos que se deram em um vilarejo no começo do século XX, onde habitava. Cenas de que ouviu falar e que guardou na memória, mas das quais ele não tem absoluta certeza. É assim, já envolto em uma névoa de mistério, que o filme prossegue. O ritmo das cenas é lento, adequado à vida de uma comunidade rural de quase cem anos atrás. Tudo acontece vagarosamente, gerando uma prolixidade não em palavras, mas em duração. São mais de duas horas nas quais o público vê expostos pensamentos e atitudes com as quais nem sempre irá concordar.


O narrador dos acontecimentos era o maestro do coral de crianças da localidade e, aos poucos, vai dando sua visão do que se deu por ali. Uma visão que parece pouco tendenciosa, pelo menos à primeira vista. Ali, uma armadilha é colocada para derrubar o médico que vem montado em seu cavalo, um celeiro é incendiado sem explicação aparente e duas crianças passam por tortura depois de terem sido sequestradas. Cada fato parece ser independente um do outro, mas logo eles parecem formar uma unidade, que quem assiste o filme pode encontrar ou não.

A maneira quase cientificista com que Haneke apresenta sua história pode soar chocante em alguns momentos, mas isso não é novidade na carreira do diretor. Afinal, ele polemizou com seu A Professora de Piano, um de seus filmes mais controversos, e em vários outros, como Violência Gratuita, que ganhou recentemente um refilmagem no sentido mais literal da palavra. Trata-se de um diretor que não busca o meio-termo, o que faz dele mais que um mero contador de histórias. Seu cinema é feito de instigantes convites à reflexão, pautados pela ideia de que há muitas verdades, para a maioria dos fatos ou das suposições, sendo uma questão de ângulo acreditar em uma ou em outra.


A ausência de cores do filme não impede que se note a lividez das crianças, sempre muito resignadas em suas atitudes. Uma cena em especial evidencia essa visão conformista da vida que elas compartilham. A filha do barão local, ao ser perguntada pelo irmão mais novo se a pai deles morrerá, responde que sim, que um dia ele morrerá. O menino prossegue, e pergunta se isso acontecerá também à irmã, ao que ela responde também positivamente. Ele ainda insiste, e pergunta se todos um dia morrerão, e a confirmação da menina o deixa num misto de desolação e desesperança. Muito já se disse a respeito desse comportamento passivo desses personagens, inclusive que aquela seria a geração que apoiaria o nazismo décadas mais tarde, com a ascensão de Hitler ao poder. Mas essa é apenas uma questão, e há muitas outras interpretações possíveis para as atitudes daqueles meninos e meninas.

Haneke não se utiliza de grandes invenções narrativas, preferindo conduzir seu enredo com parcimônia, o que revela um filme muito mais simples do que se possa supor. O foco é na investigação do mal, que parece estar para nascer naquela região. O diretor leva sua câmera a um estágio de observação que se parece muito com a estética naturalista, que descreve a realidade sem fazer grandes julgamentos. Os fatos estão ali, para quem quiser ver e tirar suas próprias conclusões. O maestro, que toma para si a missão de descobrir o que está por trás daqueles acontecimentos sinistros. Ele está certo de que existe uma verdade aterradora escondida naquele vilarejo. Seus alunos, sempre contidos e de poucas falas, parecem carregar culpa pelos atos que cometem. É por causa de um desses atos que o barão decide castigar seus filhos, impondo-lhes o uso de uma fita branca, com o intuito de lhes evocar a necessidade de se preservar a pureza e a inocência. Daí o título da obra ser exatamente esse em bom alemão: Das Weisse Band (A Fita Branca).

No geral, esse é um filme destinado a pequenas plateias. O discurso de Haneke não é eloquente, a violência apresentada não resvala para a mera espetacularização e não há cenas que buscam a comoção do público a todo custo. O diretor é favorável a dizer muitas coisas com o mínimo possível. A longa duração de A Fita Branca contrasta com sua economia em diálogos e ações, que se traduzem num tipo específico de concisão, para além do que as imagens possam traduzir. Aliás, é nas imagens que reside a grande força do longa, que não demonstra uma intenção de causar impacto. Se acompanhado apenas sob um olhar contemplativo, também despertará muita inquietação e dúvida. Porque ninguém tem as respostas prontas para tudo o que há no mundo. Tudo tem uma esfera de insondável.

NOTA: 9,5



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