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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Glen ou Glenda (1953)

Ed Wood: tão ruim, mas tão ruim... que é cult!


Se você quiser saber sobre mim, veja Glen ou Glenda. Essa é a história de minha vida.” ED WOOD

Como decifrar a mente truncada de Edward D. Wood Júnior, um dos diretores mais lendários de Hollywood? Como entender o que se passava pelos neurônios dessa criatura quando ele realizava este Glen ou Glenda? Mais ainda: como entender o próprio Glen ou Glenda? Simples: não há o que ser entendido neste “filme”. Entre aspas, mesmo. Nada descreve melhor o surrealismo e a bizarrice tremenda desta obra do que a própria crítica de Rafaela Zampier, no site de cinema CinePlayers: “pedaços de celulose se juntam para montar uma espécie de filme.” Glen ou Glenda nada mais é do que uma seqüência disforme de cenas, cada uma mais amalucada do que a outra, que resultam em um filme mítico. Mítico justamente pela quantidade colossal de erros inimagináveis.

Ed Wood, unanimemente considerado o pior diretor da história da cinematografia, iniciou sua carreira cinematográfica “profissional” com este filme. O produtor George Weiss, buscando explorar o tema da troca de sexo após uma cirurgia realizada na época (que gerou tremenda polêmica), não sabia no que se metia quando botava seu projeto nas mãos de Wood. Glen ou Glenda, cujo título original da produtora era Eu Mudei de Sexo, acabou não se tornando uma história de troca de sexo, mas um semi-documentário sobre o travestismo. E também uma auto-biografia: Ed Wood tinha a mania de se vestir de mulher inclusive enquanto dirigia os seus filmes.

O resultado foi um filme de boa premissa, de temática até então revolucionária (quantos filmes sobre travestismo existem na década de 50 ou antes?) e, sem dúvida, repleto de boas intenções. Mas o resultado foi catastrófico. Na história, uma equipe policial descobre o corpo de um travesti que, oprimido pela sociedade, não viu alternativa na vida além do suicídio. Instigado, o capitão da polícia vai a um psicólogo (ou sabe-se lá o que faz esse personagem) para desvendar o que leva uma pessoa a se travestir. Aí começa a lendária história de Glen, contada pelo psicólogo: um homem que se travestia sempre que tinha a chance.


Bela Lugosi, que não tinha a mínima idéia do que fazia neste filme (nem nós...)
Quem aprecia Orson Welles viu algo de peculiar na sinopse acima. A investigação sobre o passado de uma pessoa e a descoberta de detalhes obscuros sobre ela ou sobre a sociedade é uma constante no seu supremo Cidadão Kane. E não é por menos que haja essa semelhança: Wood era um fanático por Welles, idolatrava todos os seus filmes e tentava desesperadamente seguir os seus passos. Assim, Ed Wood também se tornou diretor, ator, produtor e roteirista de suas obras, tudo ao mesmo tempo. Mas o resultado da coisa é antagônico: Welles é tido como o melhor diretor de todos os tempos e Wood, o pior. Ambos entraram para a fama, embora que de maneiras opostas. Mas vamos à questão: o que deu errado em Glen ou Glenda?

Tudo! Ed Wood impressiona a qualquer pela sua direção anormal e pela construção absurdamente amadora do filme! Nem mesmo falta de talento justifica tamanha aberração do cinema! Wood era louco: o filme se inicia com a imagem do Cientista que tece filosofias bizarras sobre a vida num tom e num ambiente que mais se assemelham a um filme de terror. Esse narrador onisciente, cuja função é totalmente desconhecida na obra, vai perseguir o espectador o tempo todo! Aí começa o show de bizarrices: do início ao fim o que se vê é um filme entrecortado por cenas deslocadas, reutilizadas das películas abandonadas pelos estúdios. Essas cenas, acompanhadas quase sempre por um segundo narrador (nem tente entender) tentam forçadamente dar sentido a história, quando acabam mesmo é em um humor involuntário. Às vezes, vem a confusão total, com na longa cena em que o Cientista acompanha um estupro de uma mulher por um diabo (na verdade um homem usando máscara de carnaval e chifres de plástico). O surrealismo corre solto em Glen ou Glenda.

A história central desta “coisa” que muitos chamam de filme é o que menos importa! O que importa são as bizarrices pseudo-científicas que surgem ao longo da película, como “Pessoas que usam chapéus acabam carecas e as tentativas desesperadas do diretor de dar um tom filosófico e reflexivo à sua cria. O tempo todo ele tenta convencer o mundo sobre a naturalidade do travestismo. Uma atitude louvável, corajosa, mas tão mal-feita que faz rir. Entre as pérolas mais famosas:
- “Se Deus quisesse que o homem voasse, o teria criado com asas nas costas”;
- “Se Deus quisesse que o homem andasse de carro, o teria criado com rodas ao invés de pés e braços” (!!!);
- “Todos os dias, milhares de Glens enfrentam o mesmo problema”...


Sem comentários...

O baixo custo do filme (US$60.000) explica os cenários e o figurino “modestos”. O seriado “Chávez”, na verdade, possui cenários melhores do que os deste filme! Com paredes de papelão e materiais de gravação esquecidos no meio das cenas, esses cenários só superam outra grande obra de Wood, Plano 9 do Espaço Sideral (esse sim, definitivamente o pior filme da história do cinema). A maquiagem em alguns personagens é de cair o queixo de tão sem-noção! O diabo (nem pergunte como ele aparece neste filme) não passa de um homem mascarado. Um outro personagem parece mais um palhaço do que um travesti!

Quanto às atuações, surpreende o fato de que elas sejam tão “na média”. Analisando-as puramente, vê-se que não são tão sofríveis quanto se poderia imaginar. Mas o que os atores tem de normal o roteiro vem e destrói tudo, pondo-os em situações involuntariamente hilárias. Bela Lugósi, o único figurão no filme, interpreta o Cientista em uma atuação antológica (de tão estranha que é). Lugósi, que formaria com Wood uma espécie de dupla dinâmica deste filme em diante, nem sequer sabia do que se tratava o filme, o que explica o seu personagem tão deslocado da obra.


Não se engane: a cena de troca de sexo no filme é pura enganação...

Todo resto é uma confusão sem fim. Cenas cortadas sem motivo algum (em uma delas um jornal aparece magicamente na mão de Glen – interpretado, adivinhem, pelo próprio Wood), uma trilha sonora que não faz idéia de como foi parar em tamanha bomba e uma iluminação que só pode ter sido proporcionada por uma lâmpada incandescente! Além do mais, há uma segunda historieta, “Alan ou Ann”. Sim, uma outra história de uma pessoa totalmente diferente no meio deste pandemônio! A verdade é que esta esquete só foi criada para satisfazer a vontade do produtor de colocar uma cirurgia de troca de sexo no filme (a cena é, na verdade, uma das várias seqüências avulsas usadas pelo diretor, não passando de uma cirurgia convencional).

Mas, enfim, o que salva Glen ou Glenda do fundo do poço? Ora, o filme é terrível pelos seus erros crassos, mas pelos mesmos erros é que ele se torna interessante! Só o fato de observar como uma pessoa pode dirigir tamanha atrocidade é suficientemente interessante para tornar Glen ou Glenda uma obra curiosa, assim como tantas outras obras de Wood. Além do mais, o filme é hilário! Não intencionalmente, claro, mas hilário assim mesmo! Acaba se tornando um programa obrigatório para qualquer fã do cinema, podendo ser encontrado na íntegra no YouTube. Glen ou Glenda é um estudo sobre a insanidade de um homem; um homem cuja paixão doentia pelo cinema o cegava para o fato de que estava cometendo uma barbaridade com a câmera!

Nada pode resumir melhor o espírito deste filme do que a indecifrável fala de Lugosi, que filosofa em sotaque húngaro: “Cuidado! Cuidado com o dragão verde que dorme à sua porta. Ele devora garotinhos... rabos de cachorrinhos... grandes lesmas gordas! Cuidado! Fique atento! Cuidado!.


A cena mais antológica do filme. Interprete a palavra "antológica" do jeito que quiser...


NOTA: 3,0
ASSISTA AO FILME EM: http://www.youtube.com/watch?v=wuYp0m7BFfc

3 comentários:

  1. A blogosfera nos reserva agradáveis surpresas. Conhecemos pessoas através de seus textos, entramos em contato para trocar ideias sobre interesses em comum, e um vínculo intelectual nasce.

    Dessa observação sobe troca de conhecimento temático entre blogs, o FILOCINÉTICA e o CINEBULIÇÃO, nos unimos para criar um reconhecimento aos críticos e divulgadores da cultura cinematográfica. Nossa proposta, é premiar com o SELO INGMAR BERGMAN, bimestralmente, três blogs selecionados, que em nossa opinião e na opinião de nossos convidados para essa análise, trazem uma significativa contribuição para a crítica, reflexão ou divulgação da Sétima Arte.

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