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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Adeus, Lênin! (2003)


A maior virtude do filme é justamente aquilo que agrada a toda a família: um enorme coração.


É raro tratar temas como a 2a Guerra Mundial ou a Guerra Fria de forma não-trágica. Charles Chaplin sofreu enorme perseguição devido ao seu revolucionário "O Grande Ditador", por exemplo. Contra esse padrão, entretanto, temos essa verdadeira jóia alemã: "Adeus, Lênin!" consegue expressar o máximo do sub-gênero conhecido como tragicomédia. Abordando o socialismo de forma realista e séria, criticando o capitalismo com um irresistível sarcasmo e ainda por cima abordando a relação familiar com extrema competência, "Adeus, Lênin!" não é menos do que uma grande realização do cinema.

O filme começa com a séria narração de seu personagem principal, Alexander Kerner, contando de forma breve seu passado com sua irmã e sua mãe na Alemanha Socialista. Após ser abandonada pelo marido, que supostamente havia fugido para o lado ocidental, a mãe de Alex torna-se uma socialista ainda mais fervorosa, depositando toda a sua alma em prol dos "camaradas socialistas". Quando adolescente, Alex começa a envolver-se com idéias ocidentais. Quando sua mãe o flagra sendo preso após uma passeata contra a polícia, ela desmaia e entra em coma por oito meses. Durante todo esse tempo, o mundo muda: cai o Muro de Berlim e os valores capitalistas invadem a extinta Alemanha Oriental.


O atrapalhado Alexander Kerner, que terá à sua frente um mundo em total ebulição e uma mãe de quem cuidar.


Logo após tantas mudanças, a mãe de Alex desperta. Sob recomendações médicas para "evitar quaisquer aborrecimentos", sob a consequência de sofrer outro infarte, Alex convence toda a família a disfarçar a realidade e esconder da mãe tudo que havia acontecido com seu amado socialismo. Essa é a premissa do filme: o desenrolar do filme gira em torno do grande "teatro" que Alex monta para a sua mãe. De início, parece que tudo vai assumir um aspecto "nonsense", distanciando o filme de uma realidade plausível. Muito pelo contrário!

"Adeus, Lênin!" parte dessa premissa improvável para um roteiro absurdamente criativo e inovador: apesar da "mentira" de Alex começar a tomar proporções cada vez maiores, em momento algum o filme foge da realidade. Tudo o que é retratado na tela é bem convincente pois, apesar dessa grande farsa, Alex e os demais personagens estão sempre encarando a Nova Alemanha. É simplesmente genial ver como o personagem encontra soluções brilhantes para simular a Alemanha Socialista, chegando até ao ponto de imitar um programa televisivo da época! Tudo isso, entretando, continua conectado à realidade, o que acaba chamando a atenção do espectador.


A cena antológica do filme, capaz de provocar humor e angústia.


Por tratar de uma época tão conturbada como a Crise do Socialismo, o filme não poderia perder a oportunidade de analisar criticamente tanto o socialismo quanto o capitalismo que penetrava cada vez mais no país. Ambos são duramente criticados. O filme é bem sério ao analisar o socialismo, expondo de maneira quase que documental todos os seus defeitos e o mal que causou ao povo alemão. Contudo, o filme usa de um humor bem ácido ao retratar o capitalismo, sempre sob a narração taciturna de Alexander Kerner. Um dos exemplos mais memoráveis disso é a cena em que Alex fala: "Logo após cruzar a fronteira eu tive meu primeiro contato cultural com o Ocidente". No entando, o "encontro cultural" de Alex é uma loja de filmes pornô.

Esse é um dos aspectos mais fortes do filme: um humor ácido, cheio de tiradas sarcásticas e cenas memoráveis. Mas ele não domina tudo no filme, senão este seria uma "comédia pastelão". Não, toda a narrativa do filme é acompanhada tanto por esse humor quanto por um incrível realismo à medida que a "verdade" sempre ameaça se aproximar da mãe de Alex.

A outra face, e sem dúvida a principal, é o retrato familiar que gira em torno de Alex e sua mãe. Esse é na verdade, o drama do filme: a história toma impulso quando vemos a tentativa de reaproximação de Alex com seu pai, quando vemos os atritos entre o protagonista e sua irmã... enfim, quando acompanhamos a relação entre os personagens. É simplesmente fascinante ver como o filme equilibra essa relação ora no "teatro" de Alex ora quando todos vivem a "vida real" alemã. Mas o drama do filme culmina de forma esplêndida em sua conclusão: o desfecho da história é surpreendente e emocionante, quase que deixando o espectador boquiaberto por alguns segundos durante os créditos finais.

Apesar de decair visivelmente perto de seu terceiro ato,  já estamos imersos demais no filme para levar em conta esses pequenos detalhes.



Tecnicamente o filme também possui seus trunfos, destacando-se as atuações. Composto por atores pouco conhecidos fora da Alemanha, o filme apresenta um elenco extremamente competente. Destaca-se o próprio Alex, interpretado pelo jovem Daniel Brühl, que é excelente ao representar o ímpeto jovem e, ao mesmo tempo, a devoção comovente de Alex com sua mãe. Esta última é uma personagem fortemente interpretada por Katrin Saß. Entre os coadjuvantes, destaca-se o leal amigo de Alex e aspirante a diretor Denis Domaschke, representado carismático Florian Lukas.

A trilha sonora é excepcional. O filme inicia-se com um tema dramático, belíssimo de ser ouvido. Há também músicas que inspiram um clima "bonachão", extrovertido, usadas sempre nas cenas cômicas do filme. Fotografia e iluminação são bem rústicas, inspirando um clima que remete fielmente à época em que o filme se passa. A edição é habilidosa, mesmo não possuindo muitos trunfos.

Em síntese, "Adeus, Lênin!" é um excelente retrato da Crise do Socialismo, uma magnífica reflexão sobre os ditos "valores" do mundo Ocidental e, acima de tudo, um dos exemplos mais perfeitos do gênero tragicômico dos últimos anos, usando-se de um humor refinado e inteligente e, ao mesmo tempo, uma sensibilidade poética bem realista e tocante. Imperdível, portanto!


De socialistas fervorosos a funcionários do Burger King. Os fatos, em si, já formam uma tremenda ironia.


NOTA: 9,5


***Selo OBRA-PRIMA*** 
O autor deste comentário considera este filme uma
verdadeira obra-prima.


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