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sexta-feira, 4 de março de 2011

O Corte (2005)


Bruno Davert, engenheiro francês da indústria de papéis, está a dois anos sem conseguir emprego e ao ver suas economias chegarem ao fim sente que seu status de profissional bem sucedido, pai exemplar e marido feliz estão ficando esquecidos num passado cada vez mais distante. Munido de um mirabolante plano sugerido a partir de um despretensioso comentário do filho adolescente, Davert resolve lidar com os seus potenciais concorrentes profissionais de uma forma inusitada, na esperança de que sua concorrência seja definitivamente eliminada e o emprego dos sonhos seja finalmente seu.

A principio, muito fácil seria encarar o fato concreto e acusar o protagonista Bruno de ser um assassino, como outro qualquer. Porém, o que se percebe na sua história é que não só de maldades se constrói o assassino. Matar os concorrentes é apenas um dos dilemas nos quais o personagem central está mergulhado. As motivações para os atos vão falando cada vez mais alto no decorrer do longa e claramente se configuram como condicionantes responsáveis por colocar o espectador lado-a-lado do seu amado/odiado assassino, ao passo que enxergamos que aquele homem tem muito mais haver conosco do que imaginávamos. E numa sociedade de massa como a que vivemos, as semelhanças não deixam de assustar o espectador.



Quando comparamos o caso do engenheiro com a afirmação do sociólogo polonês Bauman, “As pessoas não são excluídas porque são más, mas porque outros demonstram ser mais espertos na arte de passar por cima dos outros”, constatamos a aproximação do instinto humano de sobrevivência e o mundo do capitalismo que nos (des)unifica cada vez mais. Basta enxergar que por conta desse sistema produtivo, assim como os animais, nós estamos obrigados a excluir os seres menos aptos á sobrevivência. Porém, esse sistema capitalista ignora que, diferente dos animais, somos seres dotados de consciência e complexidade, que são socializados e deveríamos ter a voracidade e o egoísmo domados no decorrer da vida. O mundo corporativo se apresenta no filme como um cenário ideal para retomar instintos animalescos tão incentivados nas empresas, onde se vive “matando um leão por dia”. Levando essa necessidade de auto-afirmação ao extremo, ansiando por trazer de volta o antigo estilo de vida, Bruno leva ás vias de fato sua condição de animal feroz e se torna mau e inescrupuloso por acreditar fortemente que matar os concorrentes é o meio mais curto e viável de alcançar o sucesso profissional e a reestruturação da sua vida pessoal tão abalada pelos últimos fracassos.


O trabalho de Costa-Gravas é bastante eficiente. A temática social e politica que permeia seus filmes está pulsante como nunca na figura complexa de Bruno Davert. A atmosfera dramática e tensa cresce com o andamento do filme e é pontuada com ótimas divagações do personagem e das pessoas a sua volta, que compõem um elenco de apoio eficiente e bem concatenado á trama. Toda a angustia em ver seu filho em apuros com a policia por estar praticando roubos, em ver sua mulher cada vez mais distante e ocupada em jornadas extras de trabalho deixa Bruno numa situação dolorosa, sentindo-se constantemente motivado e obrigado a manter a boa aparência e a eliminar sumariamente o próximo grande potencial profissional da sua área.

A idéia de ser obrigado a trabalhar em serviços muito aquém das suas reais qualificações para conseguir manter a renda da casa e ver, ao mesmo tempo, engenheiros igualmente competentes recebendo reconhecimento profissional é outra parte do contexto que incita o espectador a se perguntar até onde ele próprio é capaz de ir para manter o 'status quo'.É a teoria de Darwin levada ao extremo no mundo pós-moderno.



O final não poderia ser mais impactante e coerente, lembrando inclusive o badaladissimo "Caché", de Haneke. A sensação de controle total da situação, da recompensa da sua empreitada numa situação como a do protagonista sempre será fugaz uma vez que novos algozes sempre se interpõem e se interporão em seu caminho. Assim como em toda cadeia alimentar que se preze, surge sempre o predador mais forte para disputar espaço.

O capitalismo como sistema produtivo está prestes a consumir homens, com a mesma voracidade que a necessidade de sobrevivência a qualquer preço o fez no tempo das cavernas e nas guerras, mas sem dúvida, com conseqüências muito mais dramáticas e requintes de crueldade que ingenuamente a sociedade dos homens acreditou ter deixado de lado quando enxergou-se civilizada. A intenção de Costa-Gavras ao construir um personagem tão dúbio, amável e condenável pode fazer você pensar que os "fins justificam os meios", mas pode também fazer você pensar exatamente o contrário. Menos julgamentos, mais discussões: é assim que se faz um bom Cinema.

Nota: 8.5

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