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sexta-feira, 25 de março de 2011

Rango (2011)

"Tá olhando o quê, hein?!"


Antes de iniciarmos esta análise, vamos admitir: “Rango” nunca foi a animação mais aguardada do ano – a Pixar, com seu Carros 2, causou muito mais frisson. Dificilmente será a melhor animação, também. Inegável, porém, é o fato de que este é um dos projetos mais excêntricos do cinema em 2011: desde a sua concepção artística até o personagem-título, “Rango” está repleto de esquisitices que lhe acrescentam charme e fazem valer o ingresso. Diversão descompromissada? Sem dúvida: não espere a ternura das produções da Pixar ou a profundidade quase metafísica dos filmes dos Estúdios Ghibli. “Rango” é uma grande brincadeira, quase uma sátira de si mesmo, e uma aventura suficientemente satisfatória para prender qualquer espectador na cadeira do cinema.

Rango é um camaleão domesticado que, no isolamento de seu cativeiro, tem como amigos apenas objetos inanimados. Pior: o pobre lagarto não tem qualquer histórico, personalidade ou mesmo um nome de verdade. Assim, quando um acidente de carro subitamente o liberta de sua prisão, o coitado vê-se à própria sorte no meio do deserto de Mojave. Sem identidade, passado ou objetivo, Rango vaga pelo deserto até encontrar a miserável cidade de Poeira, onde a misteriosa escassez de água está forçando os cidadãos a abandonarem suas terras. É uma cidade sem lei ou esperança, e Rango acaba se envolvendo em uma trama na qual ele é o herói. Ou não.

Os personagens do filme: show de bizarrices.

Essa é, mais ou menos, a sinopse do filme. Tradicional, não? Afinal, o gênero da animação já está tão saturado de idéias e conceitos (um personagem em busca da identidade, uma comunidade carente, um vilão desprezível e etc.) que fica muito difícil inovar em alguma coisa. O grande talento dos cineastas não está apenas em encontrar novas idéias; está também em reaproveitar as velhas e usá-las em uma trama envolvente e animadora. Essa é a essência de “Rango”: um monte de idéias batidas unidas em um roteiro interessante, garantindo entretenimento de sobra.

O diretor Gore Verbinski bem que já está acostumado com isso: famoso (e rico) pela franquia “Piratas do Caribe”, ele sabe muito bem o que é se aproveitar de clichês e uni-los em convincentes aventuras. “Rango” nada mais é, pensando melhor, do que um “Piratas do Caribe” versão faroeste, com Johnny Depp como sua estrela-mor. O ator, de longe o mais esquisitão e hilário de Hollywood, é a principal atração do filme, encarnando um personagem que foi, literalmente, feito para ele: Rango possui os mesmos trejeitos, as mesmas expressões e os mesmos tiques de Depp, tornando-se verdadeiramente carismático.

Não entendeu a imagem? Não se preocupe: eu também não.

Uma pena que os demais não tenham um pingo do carisma de Rango. Isso porque, apesar de contar com um elenco poderoso, o filme é muito pouco convencional em sua arte. As crianças que esperam encontrar animais fofinhos e caricatos vão ficar muito, muito decepcionadas. Ao invés destas figurinhas carimbadas, “Rango” é um prato cheio de anti-heróis: toupeiras ladras e feias como múmias, corujas indígenas de voz grossa e olhar penetrante, uma cobra pistoleira e psicopata, um urubu com uma flecha atravessada na cabeça... todos esses formam o grosso dos personagens em “Rango”, um mais desagradável (atrevo-me a dizer “assustador”) do que o outro. Por um lado, isso é ótimo para os adultos cansados das artes clichês nas animações. Por outro, o desenho dos personagens dificulta a sua identificação com o público: ao final do filme, o único personagem marcante é o próprio Rango (graça as Johnny Depp) e, em menor escala, as corujas-musicais que narram a épica aventura do lagartinho.

A condução do filme é repleta de agradáveis surpresas: impera o humor adulto (embora haja muitas seqüências constrangedoras, fruto de piadas mal-feitas) e as referências ao gênero western. Fãs do cinema encontrarão aqui muitas brincadeiras com Três Homens em Conflito, Era uma Vez no Oeste e até mesmo com Quentin Tarantino. Impagável está a paródia com a “Marcha das Valquírias” de Apocalypse Now, em uma das cenas mais excitantes do filme. Essas referências, todas muito bem feitas, dão um charme irresistível a esta animação tão pouco ortodoxa.

Essa é uma das personagens mais fofas do filme. Pois é...

Por outro lado, o roteiro está cheio de seqüências dispensáveis e até mesmo sem sentido algum: o “ritual da água” executado pelos habitantes de Poeira, o Espírito do Oeste e os cactus andarilhos são muitos dos fenômenos inexplicáveis nesta produção. Eles simplesmente não têm função alguma no desenvolvimento da história, deixam o público mais confuso e tiram muito da graça do filme. Parecem quase histórias desconexas que o revisor esqueceu de apagar no roteiro. Mas isso não importa muito: basta “desligar” seu cérebro para estas cenas gratuitas que, no resto, você terá um filme bem acima da média.

As cenas de ação de “Rango” são de tirar o chapéu. O diretor Verbinski, acostumado com as loucuras pirotécnicas de seu “Piratas do Caribe”, capricha em perseguições maravilhosamente executadas que tiram o fôlego de quem as vê. A já mencionada referência à Apocalypse Now é a melhor cena do filme, envolvendo uma perseguição de morcegos a uma carroça desgovernada (!). Tudo isso coroado com a trilha sonora pulsante de Hans Zimmer, um dos mais badalados compositores de Hollywood. Zimmer possui uma firmeza ímpar nas suas músicas carregadas de rock, adaptando clássicos do estilo de Ennio Morricone para uma versão mais pop. Uma de suas melhores criações está nos créditos, que mistura o tema de “Rango” com o clássico de Pulp Fiction, “Misirlou”. “Now we ride” também é outro tema que merece apreciação – pena que seja tão breve.

“Rango” não é um filme para crianças. Definitivamente não! Talvez nem seja um filme para certos adultos, pensando melhor. Ainda assim, é uma das animações mais incomuns que saíram para as telonas nos últimos anos, e vale muito à pena da ruma conferida nela. Nada mal para o filme de uma empresa iniciante no ramo, a Light & Magic (fundada por George Lucas e mais conhecida por ser a maior supervisora de efeitos especiais do mundo). Seja pelas suas cenas de ação, pela performance sempre cômica de Johnnu Depp ou pela trilha sonora apaixonante, “Rango” é um daqueles filmes ótimos para se passar o tempo. Esquecendo algumas de suas esquisitices desnecessárias, tem-se uma animação digna de ser assistida, emocionante, engraçada e com toques de nonsense.

Johnny Depp é a maior jóia do filme.
NOTA: 7,0

Um comentário:

  1. Nossa, parece até uma matéria paga para desmerecer o filme! Vi hoje pela TV, após 3 anos de lançamento, e na minha humilde opinião, antes de acabar o desenho, sentia o contrário: não repete os clichês dos desenhos longas anteriores com as mesmas fórmulas: personagens marcados para serem lembrados, histrionismo, história anódina. Histórias facilmente esquecíveis. Neste sim, vi até ecos filosóficos, sempre não se levando muito a sério. Olha, gostei desse filme, eu que não pretendia ver até o final! Original ( sim, porque diferentes todos são!)como poucos!

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