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domingo, 27 de março de 2011

Viagem a Darjeeling (2007)

Na família, as relações fraternais constituem alguns dos laços mais fortes e complexos da vida humana, pois formam o primeiro protótipo de amizades que o ser humano encontra na vida, sejam relacionamentos competitivos, colaborativos, agressivos, passionais, podem chegar ao malfadado “amor por obrigação”.
No longa Viagem a Darjeeling (The Darjeeling Limited, 2007), o diretor Wes Anderson conduz um enredo simples, mas que conduz a situações bizarras: dois irmãos – Peter e Jack – são convidados pelo irmão mais velho, Francis Whitman, para fazer uma jornada espiritual pela Índia a fim de recuperar um sentimento de irmandade perdido em algum momento da história da sua família. Nessa caminhada, passam por situações que envolvem sexo, morte e o reencontro com a mão desaparecida depois da morte do patriarca, exibindo uma família destruída pelas próprias imperfeições daqueles que a formam. 

Anderson constrói com habilidade seu road movie permeado por personagens diametralmente opostos: Francis representa com sutileza o irmão mais velho que herda mãe a superproteção e o controle sobre o destino e até a alimentação; Peter tenta, a todo custo, se desvencilhar deste controle a fim de se posicionar, mas, paradoxalmente, esconde-se atrás de toda sorte de objetos pertencentes a outras pessoas como se tivesse medo de sua própria identidade; Jack, por sua vez, perpetua sua carência e solidão em relacionamento frustrados e efêmeros que não conseguem fazê-lo se sentir completo.

Viciados em remédios pela tentativa tresloucada de se curarem de suas mazelas psicológicas, Peter foge da paternidade iminente pelo medo da responsabilidade e do sentimento de impotência de não ter conseguido salvar seu pai do acidente que o vitimou anos atrás; Francis encarna esse papel de maneira quase autoritária e personificando essa “imitação” de pai até nas ataduras de acidentado, que carrega durante boa parte do longa; e Jack, que ao mesmo tempo em que se envolve sexualmente com uma das atendentes do trem em que realizaqm sua viagem, deseja ardentemente reencontrar o amor de sua vida e vigia constantemente seus recados. Com personagens dessa estirpe, seria fácil cair no melodrama forçado ou na comédia de situações estereotipada e superficial, mas Anderson investe em uma linguagem cinematográfica que oferece seus personagens ao público de maneira lúdica e cativante: com simbolismos que causam no espectador uma conexão emocional e uma reflexão sobre tudo que eles vivenciaram, assim como em suas próprias vidas.
Através de uma Índia multicolorida em sua fotografia e atemporal em sua trilha sonora, seus personagens monocromáticos e infantillizados caminham nessa jornada de autoconhecimento para se reestruturar: enquanto Francis desiste de manter o controle sobre as circunstâncias pela imposição, ele recupera a confiança de Peter, que, diante da pressão da paternidade iminente, consegue se descobrir mais forte do que imagina para criar outro ser humano, e Jack, que se refaz do seu masoquismo amoroso depois de descobrir que, para mar outra pessoa, ele precisa amar a si mesmo. Utilizando as costumeiras rimas visuais e slow motions, Anderson compõe enquadramentos e movimentos de câmera dinâmicos e criativos que, em nenhum momento, criam a ilusão de realidade para o espectador, mas de modo algum negam a verossimilhança de seus sentimentos.

Se, antes, aqueles três irmãos permaneciam estagnados, sofrendo por um passado que não mais existia, em um dado momento, eles descobrem, diante da sofrida e inusitada centelha da morte, o quão valiosos podem ser os laços que nos unem como seres humanos, ainda mais que aqueles estão além da carne e da alma, mas fazem parte do nosso sangue, do nosso antes e depois.

Nota: 9,0


Um comentário:

  1. O filme é verdadeiramente muito bom, e o elenco se encaixa em uma bela simbiose.
    A crítica também está ótima, Márcio.

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