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domingo, 27 de março de 2011

Não me Abandone Jamais (2010)


Por que ao viver o presente, as pessoas insistem em olhar o passado? O que há no pretérito de tão incômodo, que a cada passo andado para frente, as pessoas costumam dar uma olhada para trás? Estes questionamentos estão presentes no dia-a-dia de todos nós, que nos movemos para frente, analisando e comparando sempre com os feitos e derrotas que já construímos ao longo do nosso percurso de vida. Em Não Me Abandone Jamais aborda a realidade com os pés fincados na fantasia, para demonstrar nossa fragilidade ao depararmos com as implacáveis forças do tempo. A trama conduz a melancólica trajetória de três crianças, que estão inevitavelmente interconectadas por um irreversível destino em comum.

Não me Abandone Jamais utiliza essa improvável interação entre romance dramático e a ficção científica a seu perfeito benefício, armando uma trama, principalmente, em prol de seu público, tocando profundamente em sua emoção e em seus estímulos sensoriais. O filme ainda providencia uma belíssima e consistente mensagem reflexiva após o desfecho de sua projeção, fazendo com que seu espectador retorne a mesma questão que, eventualmente, move os cursos da trama: o que somos nós em meio ao poder que o destino exercer sobre nossa existência?

A trama é baseada no romance “Never Let Me Go”, escrito pelo autor japonês Kazuo Ishiguro, e narra o percurso de vida de três garotos: Kathy, Tommy e Ruth, que durante sua infância tornam-se muito próximos um do outro, em decorrência de estudarem em um mesmo colégio internato durante as décadas 70 e 80. Cada qual possui uma personalidade distinta um do outro, Kathy é uma garota doce e meiga; Tommy é um menino recluso e instintivo; e Ruth, por sua vez, é uma garota mais arrogante e insegura. Nesta aproximação entre eles, eis que surge um relacionamento entre Tommy e Ruth, que se dá por iniciativa da garota, mesmo sabendo que sua amiga o ama desde muito. Mas o destino agirá sobre a vida e a estória de cada um deles, ao descobrirem que todos naquele instituto foram “criados” para um sistema de doação de órgãos, e sua expectativa de vida é de até trinta anos, ou quando não resistirem mais as inevitáveis doações.

Há então uma inexplicável passividade em relação ao destino por parte dos personagens, estes, sendo na verdade, clonagens feitas apenas com o propósito de doar seus órgãos, até que não resistam mais as sessões de operação. Quando adultos, Ruth e Tommy são submetidos ao início destas cirurgias de extração, enquanto Kathy torna-se uma “cuidadora” - o que retarda seu processo de doação -, ou seja, uma pessoa responsável em auxiliar os doadores, para assim, amenizar a condição inevitável a qual eles se encontram.


A narrativa da trama é recitada de forma poética, em total integração com a forma que Mark Romanek conduz as páginas do livro para sua adaptação cinematográfica. Não Me Abandone Jamais exala a dor e a tristeza por todos os seus poros, tanto pela melancólica trama que desenvolve os fatos, quanto pela reflexiva mensagem central, que se propaga em nossa mente durante, e até mesmo após a projeção. Precisava-se de talento para não converter uma estória tão bela e impactante em um mero exemplar de cinema melodramático. Romanek obteve tato o suficiente para enaltecer o brio e o esmero que a matéria prima que tinha em mãos possuía, e assim, construir uma digníssima adaptação para o cinema.

É duro observar a reação de todas aquelas crianças ao saber dos eventos que o destino as aguarda. O que você sentiria ao saber que foi feito para morrer? Estes são os debates constantes que o filme descarrega nas costas do espectador. Um realismo que ainda que fantasioso e virtual, penetra profundamente nossos instintos mais primários como seres humanos. Trata-se de algo muito maior que um “filme romântico”, é sim um exemplar da crueldade que a pré-destinação exerce ao ser imposta de maneira crua e cortante na vida de cada um dos seres - neste caso, ao saberem que não terão futuro -, crueldade essa que acompanha o filme durante todo o tempo de sua projeção.

Para sustentar essa proposta de dor e sofrimento, foi escalado um jovem e competente elenco, que pontua as inúmeras virtudes desta obra e conferem uma maior profundidade aos respectivos papéis que aqui desempenham. Carey Mulligan reflete uma performance louvável a sua protagonista Kathy, ao saber interpretar cada um dos aspectos internos da jovem, desde sua dor duplicada – por saber que sua morte está próxima, e que seu amado está nos braços de sua amiga. Keira Knightley entrega-se a seu papel como Ruth, em uma bela atuação que transpira a tristeza necessária para completar os sentimentos da jovem, desde sua insegurança ao seu instinto de superioridade, apresentado através de sua nítida soberba. E por último, Andrew Garfield, onde ele demonstra ser um grande ator, ao apresentar a força precisa e um magnetismo ímpar a seu papel, como um personagem triste e introspectivo; eventualmente, fechando este maravilhoso triângulo de atuações.

Não Me Abandone Jamais carrega uma essência triste e pesada sobre a implacável potência do tempo, onde se há uma determinação cronometrada para aqueles jovens condenados buscarem tentar ajustar os sentidos de suas vidas. Este então é o motivo pelo qual Kathy costuma olhar para o passado, pois é esta a maneira que ela encontrou para poder construir, a partir de seus erros e pendências, alicerces que sustentaram seu futuro, pois mesmo que tenha nascido com prazo de validade, ela pôde desfrutar os anos de sua vida com o amor e os sentimentos necessários para preenchê-la eternamente.

"Talvez nenhum de nós realmente entenda
o que passamos... ou sinta que tivemos tempo o bastante." (Kathy H., Never Let Me Go)

Nota: 8.0


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