Quando se fala em Charlie Kaufman logo se pensa em histórias mirabolantes, pouco compromissadas com a lógica e a verossimilhança. Seus desvarios sempre são dignos de reações diversificadas: uns amam, outros não entendem, alguns detestam, outros simplesmente ainda não conhecem tão bem. Nenhuma das opiniões acima, porém, pode ser obstáculo para que se assista a Adaptação (Adaptation, 2002), um grande filme roteirizado por esse que é um dos melhores profissionais de sua área em atividade. Uma viagem insana está garantida aos seus espectadores, a começar pelo seu protagonista, vivido por um inspirado Nicolas Cage, num de seus melhores papéis em anos.
Ele é Charlie Kaufman, ninguém menos que o próprio roteirista do filme, o que até pode ser interpretado como um eficiente exercício de egolatria. É típico de alguém tão idiossincrático como ele, mas não vem exatamente ao caso. A missão de Charlie é adaptar um livro sobre orquídeas, da escritora Susan Orlean, magistralmente defendida por Meryl Streep. Mas isso não é nada simples, já que ele tem que lidar com uma série de frustrações que o acompanham há tempos. Uma delas é seu irmão gêmeo Donald, que morre de inveja dele e quer ocupar a função que ele vem tentando desempenhar a duras penas. Charlie também está enfrentando problemas de ordem sexual, o que significa dizer que ele está lidando com sua impotência. Vale ressaltar que não é o principal tentar descobrir se há algm teor autobiográfico na descrição desse protagonista. Até porque Kaufman cria uma grande brincadeira com a metalinguagem.
E essa brincadeira se dá através de um jogo complexo e intrincado que ele propõe ao espectador, que vai ficando cada vez mais interessante exatamente à medida em que sua profundidade vai aumentando. Traduzir tudo o que surge no filme é estragar muitas supresas que estão reservadas para quem assistir a ele, já que há espaço para vários acontecimentos. Há até mesmo um filme dentro do filme. A bem da verdade, o discurso metalinguístico funciona como um mannacial eterno para a escassez de ideias. Parte-se da questão da ausência do que dizer, para começar a dizer algo. É um recusro presente na literatura, e que o cinema incorporou muito bem. Grandes diretores, numa espécie de desrto criativo, recorreram a esse expediente muito eficaz. Federico Fellini, ao dirigir o legendário 8 1/2 (idem, 1963) enveredou por esse caminho, e o filme é hoje um dos melhores de sua carreira. Woody Allen, mais de uma vez, seguiu trilha semelhante, como quando dirigiu A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985), e mais tarde, ao entregar "Dirigindo no Escuro". O resultado de ambos foi excelente. E há apenas dois anos, por ocasião do aniversário de 60 anos do festival de Cannes, um time de diretores magníficos foi responsável pelo engenhoso Cada Um Com Seu Cinema (Chacun Son Cinéma, 2007), um poema coletivo de apreço à sétima arte.
Voltando a Adaptação, a maneira com que o filme é conduzido é sua grande qualidade. Essa também é a segunda parceria entre Kaufman e o diretor Spike Jonze, depois do não menos inusitado Quero ser John Malkovich (Being John Malkovich, 1999). A sintonia entre os dois já parece consolidada, pois se percebe que Jonze está plenamente inserido nos devaneios perpretados pelo roteirista. A junção entre eles representa o tráfego pelos delírios da mente humana e por um cinema que não está ancorado numa realidade convencional, mas numa quase verdade muito mais inventiva e atraente. Kaufman é o narrador de histórias maravilhosas, para as quais o público é convidado sem qualque cerimônia, e que dificilmente causa arrependimento a quem embarca nelas. O horizonte de expectativas de quem vê um filme escrito por ele deve ser o mais amplo possível, já que nada é tão óbvio quanto possa insinuar que seja.
Quanto ao livro a ser adaptado por Kaufman - o personagem de Cage -, ele se chama O Ladrão de Orquídeas, e o escritor tem a chance de se encontrar com sua autora. É a chance de os espectador ver uma Meryl Streep muito diferente daquela a que está acostmado, já que a atriz se despe de sua aura de sofisticada para encarnar uma personagem que se permite todo tipo de prática, como fumar maconha. Pelo papel, a Academia a indicou ao Oscar de atriz coadjuvante, mas ela perdeu. Seu companheiro de cena, Chris Cooper, em atuação igualmente inspirada, também foi indicado, e acabou levando a estatueta em sua categoria. Por tudo isso, Adaptação vale ser visto. É o tipo de filme que fala por si só, necessitando de pouquíssimas palavras para que seja legitimado.
Nota: 8,5
um dos melhores filmes do nicolas cage... preciso rever.
ResponderExcluirAssisti a Adaptação recentemente - antes tinha começado, mas não terminado. É incrível, haha. Charlie Kauffman é mesmo um maluco. Melhor de tudo é ver como ele vinha criando um filme do jeito que queria - apenas sobre flores sem, conflitos - ai, depois da palestra, o transforma em um típico Hollywoodiano, haha. Ironia pura.
ResponderExcluir=]