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sábado, 18 de junho de 2011

Ensaio Sobre a Cegueira (2008)


Perguntas hão de ser feitas. Por que adaptar de um livro uma narrativa praticamente impossível de ser filmada? Por que um dos diretores mais promissores do mundo cinematográfico insistiu tanto para poder gravar um longa tão complexo e polêmico? Por que não optar por uma história mais simples, que conquistaria o mundo, inclusive a crítica? Tais perguntas, nem mesmo Fernando Meirelles deve saber a resposta, porém uma coisa pode ser afirmada com certeza, a escolha, a princípio equivocada, errônea e confusa, gerou no melhor filme do diretor brasileiro, que, apesar de esmagada pela crítica, a adaptação teve como resultado, o brilhantismo da catástrofe e da barbárie.

Meirelles já havia conquistado o mundo com seu primeiro trabalho polêmico, no tumultuado Cidade de Deus. Depois de garantir certa experiência no exterior dirigindo O Jardineiro Fiel, o diretor brasileiro volta a comandar um filme, desta vez um mais polêmico ainda, que daria tudo pra dar errado. É assim que surgiu a adaptação de Ensaio sobre a Cegueira. Escrito pelo vencedor do Prêmio Nobel e escritor portugês, José Saramago, o filme se baseia em uma narrativa situada em uma cidade sem nome, personagens sem nome e uma crítica clara sobre a espécia humana.

Como a própria atriz Julianne Moore," o livro do português é praticamente infilmável". Mérito à Meirelles e McKellar, que conseguiram transformar o impossível em possível. Essa transformação, logicamente, passaria por duras críticas vindas da crítica internacional. Exibido pela primeira vez, na noite de abertura do Festival de Cannes, Cegueira foi bastante judiado por especialistas do mundo inteiro. Vários surgiram com dúvidas e questionamentos à respeito do roteiro do filme, porém nunca deve-se esquecer que o mesmo foi adaptado de um livro, e livrar-se de detalhes importantíssimos em um romance, seria um total desrespeito à obra original. No caso, após vários anos de tentativas, Meirelles finalmente conseguiu a permissão de Saramago para filmar um de seus mais famosos livros. Este, que jamais havia permitido que uma de suas obras fosse adaptada ao cinema, chegou a se emocionar nas cenas que mulheres são submetidas à prostituição, em troca de comida, durante o exílio após a epidemia da cegueira branca. Com a aprovação do próprio autor, ficou claro que a mensagem que o livro passa foi alcançada pelo cineasta, algo que foi ligeiramente duvidado por inúmeros críticos.


E de maneira alguma o filme decepciona, inclusive algumas passagens da narração de Danny Gloover parecem não prejudicar o longa em absolutamente nada, até porque a narração aparece em menor quantidade do que na versão apresentada em Cannes. É verdade, é difícil aceitar e compreender uma história tão complexa e surreal como é Ensaio sobre a Cegueira, porém o modo como é filmado, a felomenal fotografia, as atuações certeiras e um diretor brilhante renderam ao espectador momentos de puro prazer e até mesmo sentimentos de agonia nas cenas mais fortes.

Apesar deste versão do filme estar realmente estupenda, fiquei curioso para conferir a versão cortada após o Festival de Cannes. As cenas da prostituição, algumas partes da narração; fizeram parte da idéia original de Meirelles e deviam ser conferidas por mais apreciadores do cinema.

É evidente que fica muito mais difícil para o público se aproximar de personagens sem nome, porém como não se apaixonar por Julianne Moore? A cada dia que passa parece que a atriz melhorou ainda mais. Sua atuação, olhar, gestos e feições, tudo nela fazem os olhos dos espectadores brilharem de orgulho. Desde a mais simples cena, até a mais emocionante e complicada. Mas quando interpretada por Moore, tais cenas são tiradas de letra. O mesmo pode-se dizer de todo o elenco, até mesmo o insosso Mark Ruffalo, conseguiu esboçar uma interpretação mais convicente desta vez. Já Gael Garcia Bernal deve ter enfrentado o papel mais difícil de sua carreira, um papel que parece ter surgido de livros como "A Revolução dos Bichos" ou algum outro sobre o socialismo. Ele acaba por se revelar um ator de múltiplas facetas, capaz de interpretar qualquer tipo de papel de maneira no mínimo convincente. Assim podemos nos referir à brasileira Alice Braga. Depois de ter feito muito sucesso em Eu Sou a Lenda, Meirelles finalmente lhe dá a chance de atuar em um papel que exige mais de sua incrível capacidade de atriz. Agora como uma prostituta que pouco mostra os olhos durante o filme, ela acaba virando a personagem mais distante do espectador, mas nem por isso é impossível adorá-la. Se não fosse a clássica experiência adotada por Moore de roubar todas as cenas nas quais aparece, Braga seria o maior destaque de Cegueira, superando atores já bastante conhecidos no mundo de Hollywood.


Ensaio sobre a Cegueira já deu pontos demais à Fernando Meirelles que trabalhou fundo na preparação dos atores. De jeito nenhum. A área técnica merece um destaque mais do que especial. A fabulosa edição é do mesmo montador de Cidade de Deus e Tropa de Elite, Daniel Rezende, e é lógico que nada menos que a perfeição poderia ser esperado de um verdadeiro gênio da montagem. Sua especialidade em transformar cenas simples em lindas e deslumbrantes marcaram sua carreira desde a indicação ao Oscar em 2004 por Cidade de Deus. Desta vez, a superação foi divina, digna de aplausos insaciáveis. A fotografia, também trabalho do brasileiro César Charlote foi incrivelmente elogiada no mundo inteiro. Utilizando principalmente da cor branca, Charlote foi capaz de submeter o espectador à cegueira do filme durante uma boa parte da projeção. Tal peformance foi provada logo no final do filme, quando o primeiro homem a ficar cego recupera a visão, depois de ver um copo sendo derramado por leite, nos trazendo à memória as suas falas, no início do longa, onde ele compara a cegueira branca a um "mar de leite". Outra característica que demonstrou uma osadia sem tamanho, tanto por parte de Charlote, como por Meirelles e o roteirista McKellar foi deixar Julianne Moore procurando em uma dispensa completamente no escuro. Durante cerca de 30 segundos, nada se enchergava, somente era possível ouvir o som de coisas sendo remexidas. Essa é, na minha opinião, uma das melhores cenas do filme.

E falando em cenas, as fortes é que ficam na memória do espectador mesmo depois dos mesmos sairem da sessão. As cenas da barbárie do exílio, onde as pessoas andavam nuas pelos corredores, defecando no chão, apoiadas sempre pelo auxílio incessável da prestativa personagem de Moore, a própria cena da prostituição, a revolta de Moore, corpos sendo devorados por cães famintos. O caos se instalava na cidade mais movimentada do país, que parecia irreconhecível com suas ruas desertas, não fosse pelas imagens da ainda em contrução Ponte Estaiada, os prédios da Marginal Pinheiros e o Minhocão. São Paulo nunca foi tão bem aproveitada em um filme como aqui, nos levando a cabeça os filmes-catástofre em que a cidade de Nova York era destruída por ondas gigantes, furacões ou meteoros, no estilo mais cinematográfico hollywoodiano possível. Aqui, não são usados efeitos visuais para imprecinar o público, e sim um jogos de imagem que transformam uma visão ainda mais peculiar de um filme, cujos princípios trágicos são maravilhosamente caracterizados pela imundície, aproveitando para denunciar o ser humano como ele é, egoísta e ambicioso, tanto por parte da frieza demonstrada pelos habitantes que não foram contagiados pela epidemia de cegueira, que decidiram exilar os infectados pela doença em um único prédio, deixando viverem por si mesmos, ameçando-os de severas punições caso saíssem de suas acomodações, e tanto pelos próprios infectados, que decidiram de aproveitar da situação em que viviam para poder tomar as rédeas e tirar o maior proveito possível, incluive os únicos bens que os infelizes personagens ainda possuiam e a diginidade de mulheres, que era obrigadas a se submeterem à prostituição para poderem levar comida para seus aposentos. O caos que se instalava dentro de um único prédio era o que mais impressionava, nos levando à comoção em vários momentos. Um diretor capaz de fazer isso, como Meirelles fez, não se escontra por aí diariamente. É um diretor especial que merece uma atenção mais especial ainda e jamais ser menosprezado por mais que suas obras não agrade a uma porcentagem de pessoas.

Ensaio sobre a Cegueira é um dos melhores filmes do ano até o presente momento, e será muito difícil encontrar mais uma oportunidade de juntar um elenco tão bom, uma técnica espetacular, um roteirista capaz de inúmeras surpresas e um diretor tão genial como este. Além de ser uma prova mais do que clara de que nada, nenhum livro, nenhuma peça teatral, nenhum artigo ou história real, nada, absolutamente nada é infilmável, e ninguém menos do que o próprio Fernando Meirelles pode comprovar isto, com este filme que emociona a todos, choca e é capaz de nos surpreender cada vez mais, mesmo sem usar de tantos artifícios Hollywood sempre se aproveita e que a Academia de Artes e Ciências tanto gosta, os americanos tanto gostam e os críticos tanto admiram. Agora, o mundo teve a oportunidade de ver um novo modo de filmar sendo construído bem na nossa frente, e alguns simplismente ignoraram. Pior pra eles, e melhor para o cinema brasileiro, que pode aproveitar do resurgimento de tantos talentos para alcançar um auge que há tempos, tanto merece.

Nota: 8.5

2 comentários:

  1. O elenco realmente é magnífico, mas o que rouba a cena nesse filme é o roteiro e o desenvolvimento da história, ficou muito bom este filme, fui obrigado até a comprar o filme!!! Hehehe.

    Muito bom mesmo!!!

    http://lentecritica.blogspot.com/

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  2. Eu como um grande fã do gênero "drama"...
    Esse entra facil na minha lista dos 5 melhores....

    Me apaixonei pelo filme... Assisti no cinema...
    Fiquei emocionado, apavorado, aguniado... tive todos os sentidos possíveis...
    Um filme brilhante, elenco brilhante, roteiro brilhante, fotografia brilhante (ver o viaduto do chá vazio é coisa de outro mundo), e um livro mais do que brilhante...
    Mas o filme nao deixou nada para trás....
    PERFEITO

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