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sábado, 18 de junho de 2011

OSCAR 2012 - Meia-Noite em Paris (2011)

Gil Pender (Owen Wilson) e Adriana (Marion Cotillard): uma química mais quente que motor de foguete em combustão!


Dos muitos adjetivos usados para descrever Woody Allen – neurótico, engraçado, pessimista, fatalista – um dos que mais se encaixam em sua carreira não poderia ser outro: prolífico. Com uns sabe-lá-deus quantos filmes no currículo, que cresce a uma taxa de um ou dois filmes por ano, Woody Allen é um diretor que, sozinho, foi responsável por mais filmes do que muitos estúdios. É claro que um ritmo de produção tão frenético foi acompanhado de uma inevitável irregularidade na qualidade de suas produções. Se, por um lado, temos obras-primas poderosas como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” e pequenas jóias como “Match Point”, temos também produções muito frustrantes como “Scoop” e “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos”. De qualquer forma, nos últimos anos, o público sentia certa falta da genialidade rebelde e pulsante que tornou o diretor uma estrela global nos anos 70. Uma ótima notícia a todos: “Meia-Noite em Paris” é tudo que desejávamos e muito mais. Talvez uma de suas obras mais poderosas, singelas e tocantes. Brilhantemente escrito e dirigido, repleto de um humor doce e de uma tenra inocência, este filme marca mais um dos pontos mais altos na carreira de seu famigerado cineasta.

Difícil não se encantar com a obra logo de início, quando nos são apresentadas várias cenas de Paris ao decorrer do dia, ao som de uma canção tipicamente francesa. O público é lentamente transportado para o clima da cidade mais charmosa do mundo e é conectado às idéias de Gil Pender (Owen Wilson), um bem-sucedido mas profissionalmente frustrado roteirista de Hollywood, cujo maior sonho é abandonar a superficialidade de sua vida e mergulhar no mundo bucólico, romântico e inspirado de Paris. Em noivado com Inez, representada pela estonteante Rachel McAdams, Gil vê todas as suas aspirações serem tragadas pela objetividade e materialismo da noiva. Buscando um refúgio em longas caminhadas noturnas pela Cidade das Luzes, Gil descobre que, toda meia-noite, Paris volta ao passado e ele pode viver a época que mais sonhava em conhecer na cidade: a década de 20.

Gil e os amigos de sua noiva, Inez: superficialidade tão brutal que nos faz repensar o modo de vida capitalista.

Essa premissa genial do roteiro é típica da mente rebelde e faceira de Woody Allen. Mas todo o resto é igualmente poderoso e criativo, e Allen explora seus personagens de modo a render situações ao mesmo tempo hilárias e tocantes. Tudo – e aqui eu sou bem literal – funciona magnificamente neste roteiro inspiradíssimo. O retrato da vida de Gil com sua noiva e a família dela é cômico e angustiante: sentimos pena de um homem tão honestamente delicado e idealista se envolvendo com um pessoal tão, na melhor das descrições, supérfluo. O círculo de amigos de Inez é outra jóia do humor, com o pedante sabe-tudo Paul gerando constantes risadas da platéia devido à sua personalidade absurdamente afetada (pseudo-intelectual, como diria um aborrecido Gil).

Mas não tem jeito: a riqueza-mor do roteiro e de seus personagens jaz na Paris à meia-noite, quando o protagonista é levado ao passado e vivencia aventuras inesquecíveis ao lado de seus ídolos artistas: Scott Fitzgerald, T. S. Eliot, Salvador Dáli (cuja obsessão por rinocerontes foi motivo de profundas gargalhadas da platéia), Pablo Picasso e tantos outros. O encontro de Pender com seus ídolos, bem como o seu mais do que natural estarrecimento, é impagável! Woody Allen, um artista sincero, despeja referências infindáveis ao “ressuscitar” os grandes mestres da pintura, literatura e cinema da década de 20. Não se preocupe: dificilmente haverá alguém que entenda todas elas – ou mesmo que reconheça todos os artistas – mas a graça de toda a história é o suficiente para despertar no público a certeza de que o filme que está assistindo é uma experiência verdadeiramente enriquecedora.

Isso mesmo: Carla Bruni! Oo-lá-lá!

Allen aproveita seu tino humorístico também para cutucar muitas das imbecilidades típicas da sociedade norte-americana (que é incorporada, aliás, em Inez e companhia). Críticas ao partido republicano, ao recente frenesi direitista vivido pela política do país, ao consumismo e à guerra do Iraque acrescentam uma bem-vinda acidez em um roteiro quase todo doce e suave. Isso mesmo: a história desenvolvida em “Meia-Noite em Paris” é de uma inocência que eu julgava perdida no cinema contemporâneo! Allen, diferente dos pessimismos que vez por outra afloram em suas obras, faz uma apologia à simplicidade da vida e usa Paris como uma metáfora dessa simplicidade. Aliás, os franceses devem estar com uma dívida eterna com o diretor, que fez um dos mais belos retratos de Paris no cinema em décadas. A genialidade da história é tamanha que até mesmo a “volta ao passado” usada no filme, e que parece um aspecto positivo durante boa parte da obra, se transforma em uma crítica à insatisfação das pessoas com suas próprias gerações. Minha única ressalva quanto a isso é que Allen usa uma mensagem de moral meio óbvia no final, o que era desnecessário e maculou, mesmo que minimamente, a perfeição do roteiro.

Que dizer, então, da maravilhosa performance que o elenco mostrou no filme? Até mesmo Owen Wilson, um ator tipicamente meia-boca, eleva-se á grandeza com as situações brilhantes e os diálogos engenhosos do filme! Ele interpreta Gil Pender com absoluto domínio e convencimento, encarnando a personalidade inocente, meio-abobalhada, mas encantadora, de seu personagem. Marion Cotillard, de longe uma das melhores atrizes em atividade “presenteadas” ao mundo pelo continente europeu, vive aqui o seu papel mais apaixonante, sensual e arrasador de sua carreira: Adriana, a amante de Picasso e colírio-dos-olhos de Pender. Que dizer então de Inez e seus parentes e amigos, que vivem em um mundo afetado pela superficialidade? McAdams incorpora uma Inez absolutamente sexy, mas ainda assim tão irritante!

Inez é tão sensual... e tão chata!

Os aspectos técnicos são um delírio! Paris nunca esteve tão bela, graças à fotografia magistral! As cenas iniciais da cidade já são uma amostra do nirvana visual que Darius Khondji, o diretor de fotografia, compôs para sua obra! Os figurinos e a ambientação da Paris nos anos 20 são convincentes, embora eu não tenha sentido a mesma perfeição que a da fotografia. A trilha sonora, valendo-se de valsas francesas soberbas, não é menos do que encantadora: um destaque ao uso de clássicos de Cole Porter, um dos figurões a aparecerem no filme.

Estou perplexo que um filme hoje em dia possa resgatar os valores mais nobres e singelos do ser humano, encarnando-os em uma viagem paradisíaca pela cidade mais romântica do planeta. “Meia-Noite em Paris” não é somente mais um ponto alto na carreira de Woody Allen; é um dos melhores filmes de sua carreira (e olhe o padrão é um dos mais altos possíveis). Uma dica valiosa: é um filme perfeito, com todo o seu romantismo transbordante, é perfeito para levar a namorada! Garantia de uma sessão inesquecível!

O oscarizado Adrien Brody como Salvador Dalí: "Eu penso em... rinocerontes!"

NOTA: 9,0

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O autor deste comentário considera este filme uma
verdadeira obra-prima.

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