Todas as pessoas possuem dificuldades. A meu ver, uma das dificuldades mais fortes, e até absurdas, é a de ser vulnerável. A passividade para nós é extremamente complicada, repudiada até, e com certa razão. Ser vulnerável é abaixar nossos escudos, ficar desprotegidos e ir contra nossos instintos primitivos. Todavia, todos nós diariamente somos vulneráveis, mesmo sem perceber. Mesmo com o repúdio em relação aos vulneráveis, há um tipo deles que é bastante cultuado e visto sem olhos-tortos: os fãs. O que é ser fã? Ser fã é ser vulnerável. Ser fã é entregar-se completamente ao ser idolatrado, é fazer loucuras por ele, como pegar todas suas economias para comprar o seu novo cd, caminhar quilômetros para ter um vislumbre por três segundos da pessoa endeusada ou passar a noite em claro para assistir a um filme. O fã é o tipo de pessoa muito, mas muito curioso. Esse amor regado todos os dias por ele é uma algo bastante duradouro, sólido e inquebrável. Percebam que o objeto idolatrado pode fazer qualquer asneira, como andar com uma roupa feita inteiramente de carne, e o fã vai achar aquilo a coisa mais brilhante do mundo. Ele é cego? Tolo? Não, não mesmo. Ser fã é isso: é encontrar a perfeição em pequenas – e grandes – coisas que algo ou alguém faça. Resumindo: ser fã é ser completo, é amar por completo, é ser perfeito por completo.
Essa eloquente introdução serve como base para justificar o filme a seguir. Todas as pessoas – crianças e adolescentes, principalmente – que andavam sobre a terra durante a década de 90/00, vivenciaram uma onda avassaladora chamada “Harry Potter”. Harry Potter é o nome de um menino bruxo, que teve seus pais mortos por outro bruxo muito poderoso, que desejava mudar o mundo. Essa simplíssima premissa dominou a mente de milhões de pessoas, que ávidos por uma leitura mais que prazerosa, afogaram-se no mundo mágico de Harry Potter. Com uma simples pedra que filosofou a cabeça de muitos, o maior fenômeno da – com orgulho eu digo – minha geração tomou forma, e virou uma saga. Primeiramente, literária, depois, e mais apoteótica ainda, cinematográfica.
O desenvolvimento, para melhor, da saga cinematografia é cristalino. Olhem para trás e visualizem o pueril Harry Potter e a Pedra Filosofal, lá em 2001. Os cenários, os efeitos-visuais, os diálogos, o ritmo, os atores, tudo ficou mais maduro. Não, não é o crescimento dos atores a justificativa da melhora deles, tanto que há inúmeros atores mirins melhores que adultos. Eles realmente aprenderam a arte da dramaturgia; claro, ainda têm muito que aprender para chegar ao nível de, por exemplo, Alan Rickman, ator que está em seu melhor desempenho. Não pela repetição do papel – o ponto que deve tirar sua indicação ao Oscar – mas pelo aprofundamento do personagem. Enfim. Em Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 tudo está na melhor forma possível, e encaixotado numa explosão de magia 3D.
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 começa onde o anterior terminou. Voldemort conseguiu finalmente o poder da Varinha das Varinhas, e se torna uma ameaça ainda maior para o mundo bruxo e trouxa. Harry, Rony e Hermione, agora no Chalé das Conchas, tentam descobrir o que Voldemort quer com a Varinha de Sabugueiro, e o Sr. Olivaras, recém resgatado da masmorra da mansão Malfoy, ajuda nessa busca com informações antigas. O ritmo deste último exemplar (dói sempre que eu lembro isso) é muito mais ágil, quase claustrofóbico. Restaram apenas 11 capítulos para serem adaptados (a Parte 1 adaptou 24 capítulos, por isso o ritmo lento), e estes são absurdamente conturbados, cheios de ação, reviravoltas e muito desespero. E Yates, nosso querido diretor, ainda mexeu os pauzinhos e alterou algumas partes, que ficariam enfadonhas se tiradas fielmente do papel – como a épica (eu repito: ÉPICA) batalha de Hogwarts e o confronto entre Harry e Voldemort (essa parte, no livro, é super simples e rápida, quase sem emoção, enquanto Yates não se preocupou com a montanha de processos que levará por causar ataques cardíacos nos espectadores pelo alongamento da mesma, que ficou infinitamente melhor na tela que no livro, fato muito gratificante). Todos sabem que o filme fora converdito para o 3D, ou seja, essa ferramenta não é extremamente eficiente, mas funciona muito bem, principalmente porque Yates decidiu que, quando alguém era atingido por um brilhante Avada Kedavra, em vez de cair duro no chão, virava cinzas. Com isso, cinzas sobrevoaram sobre nossas cabeças, mostrando que o 3D é sim um atrativo a mais para pagar mais caro no ingresso. Aqueles que reclamaram veemente do lento desenrolar da primeira parte podem ficar tranquilos com esse. Num piscar de olhos, tudo já passou, já estamos nas costas do dragão, já estamos em Hogwarts, já estamos lutando, sangrando e morrendo. A curta duração ajuda nessa impressão, mas, como sempre, não vemos o tempo passar quando estamos nos divertindo. Isso até acaba comprometendo o andamento do filme, que às vezes parece estar correndo contra o tempo, como se a duração já fosse pré-definida e os atos deveriam forçadamente se encaixarem ali. Outro deslize foi na trilha-sonora, que não conseguiu abocanhar o apelo necessário para nos elevar ao extremo dos sentimentos, o que deveria ter sido obrigatório, porém, sentimentos é o que não faltou. Montanhas de cadáveres cobriam o chão de Hogwarts, rastros de sangue emolduravam o rosto de muitos, lágrimas espessas cortavam o arfar dos que perderam entes queridos e revelações sufocantes nos torturaram. Harry Potter foi isso: emoção destilada.
Dentre tudo já falado, há um fato que é inegável e insubstituível: o legado do menino bruxo. Quantas crianças tomaram gosto pela leitura viajando por entre as escadas errantes de Hogwarts (“Harry Potter e a Ordem da Fênix” tem mais de 700 páginas; quando uma criança leu um livro desse tamanho?)? Quantos meninos e meninas passaram a amar a mentira mais rápida que existe – 24 por segundo – nadando por entre os sereianos atrás de um prêmio? Quantas amizades se formaram por causa de singelos sete livros? Quantas pessoas não esperaram, e ainda esperam, uma coruja vir até sua janela com uma carta no bico que mudariam suas vidas, e que nunca virá? Quantas? Eu sou uma delas. Eu sempre serei uma delas. Esse momento que tive o prazer e a sorte de vivenciar ficará gravado na mente de milhões por muitos anos. Para meus filhos, eu contarei: “eu estava vivo quando o último ‘Harry Potter’ foi aos cinemas; eu vivenciei esse momento único”, e, com toda certeza existente nesse mundo, tanto o mundo trouxa como o bruxo, ele sentirá inveja. Não foi apenas a maior saga da história do cinema que acabou. A infância de várias pessoas foi-se junto; a minha foi uma das vítimas. Pessoas que acompanhavam cada nova foto, gritavam com cada novo cartaz, choravam com cada novo trailer, pulavam com cada novo prêmio. A quantidade de pessoas aos prantos no fim da sessão era assustadora, e eu era uma delas, claro. “Harry Potter” encheu de alegria a vida de muitos, causou alvoroço, mudou vidas, quebrou parâmetros e virou lenda. Não é o fim, não, não. É o início. Você é um bruxo, Harry, diziam lá atrás. Agora eu digo: você é uma lenda, Harry. Eu estava lá, vendo a lenda se concretizar, e que fique mais que claro: eu aproveitei cada segundo do dia que, tanto eu quanto Harry Potter, encontrou sua glória.
Nota 9.5
Triste ver tudo acabar, mas é lindo ver como tudo convergiu para As Relíquias da Morte, Parte 2 se tornar um épico da saga. Me lembro que, quando era mais jovem, falava que eu só poderia morrer depois que visse o último filme do Harry Potter. Isso ficou na minha cabeça após a sessão de 00:00 que vi, mas estava tão extasiado que minha maior preocupação não era uma morte mágica que poderia surgir, mas quando eu veria o filme novamente.
ResponderExcluirAbraços, e texto grandioso, hein? Parabéns!
Obrigado Gabriel. E eu pensei no mesmo que você, que só poderia morrer depois do último filme USDUAHSDUHA
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