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sábado, 23 de julho de 2011

O Espírito da Colméia (1973)


É curioso analisar que O Espírito da Colméia (El Espíritu de la Colmena, 1973) encerra sua maestria não com um ponto final, mas com reticências, deixando claro para a platéia que a jornada de descobertas da pequena Anna não terminou, ainda há um universo infinito a ser explorado e sua trajetória de conhecimentos teve apenas sua primeira parte iniciada. Não que Víctor Erice omita um desfecho satisfatório, absolutamente, mas o caso é que aquele mundo particular da garota não permite intrusos, para tanto o diretor optou por executar apenas o passo inicial das descobertas que a criança fará nesta fase da vida, sendo assim, o espectador é sempre posto como uma terceira pessoa, um admirador que observa de longe, silencioso, encantado.

Anna é a representação de um estágio de nossa vida onde a curiosidade é o combustível para realizar cada nova descoberta; os olhos são nossa arma, assim como lupa nas mãos de um detetive, sempre observando de maneira investigativa tudo que existe ao redor. Para isso, a garotinha protagonista faz do mundo sua cobaia, seu espaço aberto a exames, sua tela em branco, onde pode pincelar suas dúvidas e questionamentos e lá mesmo buscar respostas para estes. O Espírito da Colméia carrega uma aura triste, ficando-se inteiramente na ótica melancólica de uma menininha, elemento que contorna toda a sua narrativa; a felicidade - ou algo próximo a isso - de cada qual dos personagens parece ser evocada apenas quando estão reclusos e trancados em seus mundos pessoais; um sempre distante da presença física do outro.

O pai, um velho apicultor, demonstra sempre estar em estado de seriedade, de pouca aproximação, mostra-se um sujeito distante e aparentemente infeliz; a mãe guarda consigo uma dor, um arrependimento, a ciência de jamais poder reencontrar seu amor novamente, dessa forma ela escreve cartas que, provavelmente, nunca irão alcançar as mãos de seu destinatário; então, como conforto, ela traz as boas lembranças dessa história de amor em seu coração, que a faz manter-se de pé para os dias tristes que sua vida proporciona. Então, só resta para aquelas duas meninas, Anna e Isabel, encontrarem um lugar onde possam compartilhar de tudo, fugir, nem que por um instante, do complicado e depressivo mundo dos adultos. Ao assistirem uma exibição do filme Frankenstein (idem, 1933), as dúvidas pairam sobre a cabeça imatura da pequena Anna. Uma cena em particular do filme lhe desperta extrema atenção, em que uma garotinha constrói uma relação de aproximação com o monstro-título, que a vê brincar despreocupadamente à beira de um lago, e posteriormente acaba sendo a matando. Para Anna aquilo lhe permitiu infinitas indagações: Por que o monstro matou a criança no filme? Afinal, o que a morte representa e qual seu significado real? Perguntas essas que impulsionarão sua curiosidade, assim como a trajetória da trama.


Víctor Erice fornece todo o filme, única e exclusivamente, para Anna (em uma digníssima interpretação da garotinha Anna Torrent), tecendo para ela todo um universo, deixando a cargo dos olhos daquela criança sua orientação, seu ponteiro Norte; então, com essa bússola eficaz, ela seguirá seu caminho em busca de respostas que preencham as lacunas de sua mente, sempre obstinada, corajosa, sem qualquer medo dos obstáculos. A fotografia em cor de mel torna a beleza dessa fábula ainda mais destacável, as lindas imagens além de promoverem uma riqueza visual fascinante, realçam ainda mais a importância do título do filme, bem como o ambiente em que tudo aquilo é situado. A colméia. O nome empregado ao abrigo construído pelas abelhas para viverem, onde criam e estocam o mel. Anna, assim como seus pais e irmã, tem sua própria colméia, seu abrigo particular, feito através de sua própria imaginação, onde não há espaço para ninguém, que não ela mesma.

O Espírito da Colméia é um filme de múltiplos significados, de metáforas e alegorias infinitas; Desse modo, Frankenstein, portanto, na mente da pequena Ana pode representar o significado do Papai Noel para tantas outras crianças; uma entidade mágica, desconhecida, que ao mesmo tempo em que desperta a curiosidade traz também a segurança, um alento de que existe outro mundo que não a realidade, que não o cotidiano; um refúgio encantado que se conecta ao mundo real para dar a certeza de que sempre que haverá um oásis em meio ao deserto de tristeza; existe uma passagem para esse lugar mágico e fascinante, resta saber onde ela se encontra. Anna investiga, especula, pergunta, examina, para saber se pode acreditar nesse lugar, para ter a ciência de que existe realmente um local que a capture daquele dia a dia melancólico e tristonho.

O filme chega ao fim e ficamos com a plena certeza de que a menininha amadureceu, e muito, com aquela jornada, alguns de seus questionamentos foram respondidos, outros ainda hão de ser, amanhã, depois, no futuro. O que importa é que o primeiro passo deste cumprido trajeto foi dado, e os subseqüentes seram imaginados por nós, os espectadores, uma vez que o cineasta não finaliza esse caminho justamente com este propósito, fazer com que o público desenhe os próximos movimentos da menina através do que sua própria mente lhe permitir, e assim utilizar a arma que Anna carregou consigo durante toda a projeção: sua imaginação. E com esse elemento ela cria seu próprio rumo, fazendo com que sua determinação e doçura dêem forma a todo o filme, e, dessa forma, só fiquemos admirados com cada passo estabelecido em sua, ainda longa, estrada de tijolos amarelos.

Nota: 8.5

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