sem (latim sine) prep.1. Indicativo
de falta, carência.
Ausentar-se. Destituir-se. Abandonar.
Verbos que exprimem a complexa ação de deixar algo ou alguém. Complexa não no
sentido de sua mecânica, mas nas sensações e sentimentos que suscita antes e
depois que se concretiza. Abdicar de um objeto, um hábito ou uma pessoa, enquanto
demanda do sujeito coragem para se ver sem aquele bem, permite-lhe lançar sobre
este um olhar diferenciado, novo e, principalmente, vivo.
A mulher sem piano (La mujer sin piano, 2009, Javier
Rebollo) versa sobre Rosa, uma mulher comum, casada há anos com o mesmo marido,
que trabalha fazendo depilação a laser, com uma rotina que pouco se altera. Em
uma noite nada especial, depois que seu marido vai dormir, ela decide colocar
uma peruca negra e sair pela cidade à noite de malas prontas. Durante a
madrugada, passar por situações estanhas em hotéis, lanchonetes e casas
noturnas, conhecendo prostitutas, atendentes e um sujeito desaparecido que
deseja voltar para a Polônia, sua terra natal, com quem se relaciona de maneira
estranhamente familiar.
Com um roteiro que mescla um
cotidiano naturalmente sem atrativos e situações que flertam com o absurdo e o
patético na descrição e identificação do incongruente e do ilógico na vida
prosaica, Rebollo transforma com habilidade as situações em imagens com um
estilo visual simples e direto, economizando palavras e permitindo ao
espectador tornar-se presente na narrativa a fim de completar suas propositadas
lacunas. Quanto ao elenco, pode-se dizer que Carmem Machi conquista o
espectador aos poucos, dosando com qualidade os aspectos risíveis e
melancólicos de Rosa sem torna-la digna de pena. Ela consegue oferecer a Radek,
um rapaz aparentemente desconectado dos laços sociais, as sensações de se
sentir cuidado por alguém tão carente da necessidade de cuidar como Rosa tem se
sentido devido à distância que sente em relação ao marido e ao filho.
Com sutileza e certa dose de
ousadia na concepção de um humor calcado nas imagens, Rebollo consegue nos
permite compreender como a ausência (da audição, de um quadro no quarto, da
rotina e até de si mesma) oferece a Rosa a chance de dar-se conta d importância
de cada um destes elementos para a construção de sua “identidade vencida”, por
mais que tenha precisado assumir a máscara da “mulher de peruca negra” para
tal.
Nota: 9,0
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