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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A Indústria do Cinema


Por trás de toda arte há um empreendedor tentando descobrir como obter lucro. Haja cuidado, muito cuidado antes de se condenar este fato. A capitalização da arte – a formação de toda uma indústria ao seu redor – é um gerador de riqueza e um dos principais incentivos para o surgimento de novos artistas. Uma indústria forte fornece estrutura e oportunidades para novos talentos e, mesmo que um dos (inevitáveis) efeitos colaterais seja a promoção da “cultura de massas”, é difícil imaginar uma divulgação mais eficiente da arte do que a promovida pela organização capitalista.

A indústria do cinema surgiu junto com as primeiras câmeras dos irmãos Lumière, que dominariam a produção de câmeras na Europa (Thomas Edison monopolizou os EUA com seu próprio modelo de câmeras). De fato, antes de ser arte, o “cinema” – ainda sem esse nome – foi mais um modelo de entretenimento barato: empresários construíam grandes barracas onde eram exibidos vários curtas (nada mais do que gravações quaisquer do cotidiano urbano, raramente com mais de cinco minutos cada). Essas barracas – “nickelodeons”, como eram chamadas – só se tornariam salas profissionais quando alguns artistas/empresários descobriram que poderiam fazer algo mais duradouro e sério com as câmeras; eram homens cuja visão artística quase sempre vinha imbuída de um enorme talento para a atração de multidões: D. W. Griffith, Cecil B. DeMille, os irmãos Warner e o próprio Charles Chaplin.

Hoje, mais de 120 anos depois do “Trem dos Lumière” ter apavorado as platéias francesas, o que é a indústria do cinema? Por trás do glamour e da fantasia que transformaram o cinema na indústria artística mais influente do séc. XX, a vida é muito mais grosseira. Podemos reclamar que o cinema brasileiro é incipiente; tenhamos calma! O Brasil possui uma indústria de filmes muito mais poderosa do que boa parte do mundo; essa indústria, no contexto global, raramente é auto-suficiente. Existem apenas três núcleos onde o cinema possui uma indústria “consolidada”: o núcleo norte-americano, o europeu (com ressalvas) e o indiano (mais conhecido pela quantidade de filmes que produz, não pela qualidade). Em todo o resto do globo, a indústria dos filmes só funciona plenamente se acompanhada por pesados subsídios do governo; lucros são uma coisa rara e apenas os muito sortudos e perspicazes conseguem enriquecer nesta área.

A dinâmica do cinema faz com que ele seja um negócio de altíssimo risco. Apesar de produzir um filme não ser tão caro quanto comprar um avião ou erguer um hotel de luxo, o processo é extremamente elaborado: do planejamento até a distribuição de um filme “comerciável” são gastos até quatro anos. O marketing e a distribuição elevam o custo total em até duas vezes; o mercado consumidor nunca é garantido (nunca se sabe se o filme cairá “no gosto do povo” – por melhor que o filme seja, nada o impede de afundar nas bilheterias) e as salas de cinema exigem uma média de 45 a 50% da bilheteria arrecadada. Ou seja, para um filme obter lucro, ele precisa arrecadar, NO MÍNIMO, duas vezes o seu custo total. Estatisticamente, é muito mais fácil construir uma padaria e prosperar com ela do que ser bem sucedido no ramo do cinema.

Talento não é garantia de dinheiro. Mesmo os melhores cineastas podem viver uma vida de caos financeiro. Orson Welles, um gênio que figura em todas as listas de melhores cineastas da história, morreu na pobreza. Terry Gilliam, ex-Monty Python e autor de uma das mais perfeitas e insanas ficções distópicas da história (“Brazil”), luta desesperadamente para conseguir financiamento para cada filme que faz. Martin Scorsese quase faliu após seus primeiros filmes, caindo em depressão, alcoolismo e drogas antes de ser resgatado pelo amigo Robert DeNiro, com quem fez “Touro Indomável”.

Fora dos EUA, a produção de filmes é ainda mais amarga e incerta. O Brasil, neste quesito, é um país poderoso: há um número expressivo de produtoras capazes de gerar lucros. Entretanto, todas ainda dependem de algum financiamento externo para sobreviver – seja do governo ou de outras empresas privadas. Nossas produtoras não são auto-suficientes; de fato, no mundo todo, raríssimas são. A situação é ainda mais aguda quando se trata da distribuição. Se qualquer filme quiser ganhar o mundo e aparecer em salas de cinema estrangeiras, somente com a ajuda do monopólio estadunidense; a distribuição global é controlada por apenas seis estúdios, “The Big Six”: Warner, Columbia, Twentieth Century Fox, Disney, Universal e Paramount. Somente elas possuem o capital suficiente para bancar uma logística de tais proporções e o preço cobrado é, quase sempre, uma parcela dos lucros do filme, diminuindo a fatia da produtora.

Pior: mesmo com todo o alarde, com todas as milionárias estrelas de cinema, com todo o esplendor que não deixa esconder alguns toques de falsidade, o indústria de Hollywood – a mais bem sucedida do globo e a única verdadeiramente auto-sustentável – perde para muitas outras menos festejadas: a indústria de games, por exemplo, com menos de 60 anos de história, lucra de três a quatro vezes mais a cada ano. Produzir um game de altíssima qualidade é mais rápido, mais barato e menos arriscado do que fazer um filme no mesmo nível. O blockbuster “Homem-Aranha 3”, por exemplo, levou três anos para ser finalizado, custou um total de 260 milhões de dólares e faturou 890 milhões após dois meses de exibição. Já o game “GTA IV” custou 100 milhões de dólares (um dos jogos mais caros da história), levou o mesmo tempo para ser finalizado e, em apenas uma semana, faturou 500 milhões. Isso sem contar que os filmes estão mais expostos à pirataria do que os games (é mais fácil piratear um filme do que fazer um jogo pirata funcionar); de fato, Hollywood só permanece lucrativa graças ao aumento constante dos preços dos ingressos (recentemente ajudados pelo recurso 3D de alguns filmes) e, ainda assim, a tendência dos lucros é de queda livre.

O que eu quero dizer com isso? Eu não quero ser um arauto da desgraça nem fazer com que jovens talentos desistam do cinema. Mas quem avisa, amigo é; a verdade por trás do cinema é muito mais sofrida do que os canais e sites de fofoca mostram. Se você quer ser um cineasta de destaque, terá que ralar muito mais do que profissionais de outras áreas. Fazer um filme é uma experiência demorada, dolorosa, inevitavelmente estressante e sem garantias de sucesso de público – principalmente em um mercado não-Hollywoodiano. A grande felicidade de se fazer um filme só brota naqueles com dedicação absoluta à própria obra; aquele tipo de dedicação que compensa todas as adversidades. O cinema é tudo, menos um mundo florido; é um caminho incerto e, de todos os caminhos, talvez o menos seguro, recomendado apenas aos muito dispostos a segui-lo. Jovens cineastas, tenhamos todos isso em mente. Assim dito, sigamos em frente.

9 comentários:

  1. Também tenha muito cuidado ao dizer que a maneira capitalista de enxergar a arte é a única eficiente na sua divulgação. A União Soviética produziu um cinema de primeiríssima qualidade, gerando gênios como Eisenstein e Tarkovsky, fora de um esquema capitalista de produção e distribuição.

    Além disso, a música foi certamente tão ou mais influente que o cinema no Século XX, talvez até ditando mais comportamentos por meio de ícones como os Beatles ou Elvis do que o cinema, o qual, em uma análise mais apurada, mais refletiu as mudanças do que foi responsável por elas.

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  2. O sistema socialista é que definitivamente impedia qualquer auto-suficiência do cinema, não apenas em um nível financeiro mas também artístico. O Estado era o único financiador de filmes, que eram realizados mais "sobre encomenda" do que por vontade própria de seus cineastas. O surgimento de gênios ou de grandes obras era algo pontual, uma exceção à regra. A distribuição dos filmes era algo ainda mais precário, pois nem mesmo o governo soviético conseguia arranjar contratos com salas de outros países, e seus filmes ficavam restritos a circuitos fechados dentro dos países socialistas. Por ironia, as obras de Eisenstein ou Tarkovsky permaneceram no obscurantismo perante suas rivais ocidentais durante grande parte da existência da URSS, que lhes impunha muitas restrições de distribuição (o "Encouraçado Potemkin" chegou a ser banido pelo próprio Stálin durante um tempo). Artisticamente, os filmes eram todos limitados pela vontade do Estado, sem qualquer possibilidade de alçar vôos em assuntos e idéias que o desagradassem.

    "Além disso, a música foi certamente tão ou mais influente que o cinema no Século XX"

    É difícil comparar, mas a afirmativa é válida.

    "mais refletiu as mudanças do que foi responsável por elas." Isso é verdade para o cinema das épocas anteriores aos anos 70, quando ele ainda era mais uma forma de retratar a realidade do que de se aventurar na fantasia. Já depois desta década, com a explosão da ficção científica e o reinado de artistas como Martin Scorsese, Steven Spielberg, George Lucas e outros, o cinema passou a ser um influenciador direto das grandes massas.

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  3. O sistema capitalista também impede o desenvolvimento artístico, já que mais de 90% da produção é realizada segundo as necessidades do mercado, não de acordo com os desejos dos diretores. Basta lembrar que até os anos 60 a indústria seguia um código de produção que impedia a abordagem de temas mais polêmicos ou cenas mais ousadas. Ou seja, censura não é exclusividade do Estado socialista. Hollywood se valeu dela por muitos anos. Além disso, a distribuição de filmes mais artísticos é escassa até hoje. Muitos desses filmes só são acessíveis por meio do avanço tecnológico da internet. Só para ter uma ideia: aqui em Natal, "A Árvore da Vida", com Brad Pitt e tudo no elenco, não foi exibido nos cinemas.

    Vale dizer ainda que tranqueiras sempre serão a regra em qualquer expressão artística. Para cada 100 filmes produzidos, surge 1 que é mesmo bom. E de cada 1000 filmes surgirá um realmente memorável, que será de fato marcante. Genialidade sempre será a exceção e não a regra em qualquer lugar do mundo.

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  4. Em relação ao último parágrafo, a verdade é que, hoje, a direção cinematográfica está degradada. Qualquer retardado com uma câmera na mão pode dirigir um filme e a cada dia vemos mais resultados insatisfatórios disso...
    E o texto está bom, deu umas generalizadas, mas num todo tá bem sim. Precisava de fontes, não dá pra confiar muito...

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  5. "O sistema capitalista também impede o desenvolvimento artístico, já que mais de 90% da produção é realizada segundo as necessidades do mercado, não de acordo com os desejos dos diretores."

    Esse é o principal problema do sistema, que eu mesmo citei em: "mesmo que um dos (inevitáveis) efeitos colaterais seja a promoção da 'cultura de massas'" De qualquer maneira, não há comparação com o modelo socialista, onde a liberdade criativa JAMAIS iria a lugar algum além do estabelecido pelo Estado.

    "...censura não é exclusividade do Estado socialista. Hollywood se valeu dela por muitos anos." Mas só no Estado socialista ela é uma regra. A censura de Hollywood é um fenômeno inevitável do mundo empresarial, onde novos talentos são recusados por serem potencialmente arriscados para os negócios ou para as convicções da sociedade no momento.

    Mas o que importa é que este tipo de censura é inevitável na sociedade humana. Mesmo com essa censura não-institucionalizada (ao contrário do mundo socialista), sempre houve um momento em que o novo triunfa; a história de Hollywood é a de revoluções cinematográficas, que quebraram padrões antigos e estabeleceram outros novos (apenas para serem quebrados mais adiante).

    "Além disso, a distribuição de filmes mais artísticos é escassa até hoje." Inevitável; lei de mercado. De qualquer forma, é muito melhor do que depender das mãos de um único produtor (onde a produção, a disponibilidade e a variedade de filmes seria inegavelmente menor); e a tão temida escassez de filmes, desculpe-me dizer, não é tão violenta quanto você diz. Não sei como andam as coisas em Natal, mas aqui em minha Aracaju (com apenas uma rede de cinemas e dois shoppings) "A Árvore da Vida" e todos os principais filmes-arte do ano foram exibidos (até mesmo "Melancolia"!)

    "Muitos desses filmes só são acessíveis por meio do avanço tecnológico da internet."

    E isso é mais uma vantagem do sistema capitalista sobre o socialista, que possibilitou a invenção de um modelo único de comunicação que é a internet. Mesmo que um filme não chegue aos cinemas, ele estará só a alguns cliques de distância!

    "Genialidade sempre será a exceção e não a regra em qualquer lugar do mundo." Sim. Mas somente o sistema capitalista, de todos os outros já tentados, é o que possibilita uma maior afluência de grandes mentes e a divulgação de seus trabalhos.

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  6. Ou seja, Diogo, você concordou com a maioria das minhas afirmações. Não estou querendo fazer aqui apologia de regimes totalitários de Estado. Estou apenas alertando que vivemos um totalitarismo do mercado que merece, sim, ser criticado e muito. E não simplesmente nos conformarmos com ele como você sugeriu no seu texto. Essa questão também de comparar o capitalismo com "outros sistemas já tentados" e nos conformarmos com isso é bem limitada, na minha opinião. Inevitavelmente a História nos levará a outros sistemas e cabe a nós, agentes dela, tentarmos fazer com que no futuro surja algo melhor.

    Aqui em Natal passou "Melancolia", mas não passou mesmo "A Árvore da Vida", mesmo com duas redes de cinema na cidade. Abraço e até a próxima.

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  7. "Qualquer retardado com uma câmera na mão pode dirigir um filme e a cada dia vemos mais resultados insatisfatórios disso..."

    Mas pelo mesmo motivo, Bruno, é que estamos vendo tantos diretores novos em ascensão. A democratização do cinema - algo inteiramente bom - só amplia os horizontes de um fenômeno já existente: com poucos filmes, temos alguns ruins e raríssimo bons. Com muitos filmes, temos a maior parte ruim e poucos bons. Proporcionalmente, sempre prevalecerá a m#rda. O bom é que essa proliferação dos meios audiovisuais possibilita que autores ruins melhores seus trabalhos com uma prática constante que, em outros tempos, não seria possível.

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  8. *"o que, em outros tempos, não seria possível".

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