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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Silêncio dos Inocentes (1991)


Já na cena inicial, somos apresentados a uma complexa Clarice Starling: bela e frágil em sua aparência física, logo a corrida que pratica, parte de sue treinamento no FBI, demonstra sua resistência e determinação. Também é curioso que, ao ser solicitada por seu superior, a jovem cruza os terrenos do serviço de inteligência americano repleto de aspirantes a agente, todos do sexo masculino, demonstrando sua vulnerabilidade num ambiente altamente machista. E é fascinante perceber que, durante a projeção, todos esses aspectos são desenvolvidos em prol da complexidade de sua personagem, além de auxiliar na ilustração da psicopatia do fascinante Hannibal, o Canibal.

Clarice Starling (Jodie Foster), agente estagiária do FBI, é convocada pelo chefe Jack Crawford (Scott Glenn) para entrevistar o doutor Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), psiquiatra condenado por nove assassinatos, a fim de traçar o perfil psicológio do serial killer Buffalo Bill (Ted Levine). A resumida trama, atraente em sua essência, é criação de Thomas Harris em um livro homônimo, mas a adaptação cinematográfica é louvável por um roteiro fiel transposto em tela por direção eficaz, narrativa perfeita em sua linearidade e grandes atuações.

O início do filme demonstra-se inequívoco em demonstrar toda a tensão que será vista durante o longa, e o clima criado em sua introdução deve-se à pontual fotografia de Tak Fujimoto (além do favorecimento proporcionado pela condição climática em sua locação, plena de neblina – a não ser que esta tenha sido produzida artificialmente, mais um ponto para a produção). A sutileza técnica do filme nessa e em outras ocasiões é mero recheio num enredo construído sobre um suspense evidente durante a metragem.


Logo que Clarice recebe a missão de entrevistar e descrever Lecter, é como se o cineasta chamasse a atenção do espectador pro que será visto em tela: a jovem adentra uma ala que assemelha-se a um calabouço, repleto de detentos insanos e violentos atrás das grades, até que alcança uma cela de vidro maciço. De pé, Hannibal a contempla com seu olhar penetrante num espaço irretocavelmente organizado e cercado por belos esboços, até que corteja a moça com educação digna de um verdadeiro gentleman. A primeira aparição de Hannibal ilustra dinamicamente a personalidade de um homem fino e brilhante a esconder um terrível psicopata.

A cena descrita acima demonstra a competência com que Jonathan Demme dirige seu filme. Após ser duramente descrita por Hannibal pela qualidade discrepante de seus sapatos e bolsa, o diretor faz uso de câmera subjetiva em foco no carro popular de Clarice para transmitir, pela primeira vez, parte da vida da protagonista. Em seguida, o cineasta faz uso de um dinâmico flashback que revela parte do passado de Starling, que é, como alertado por Crawford, o objetivo de Lecter ao manipular suas vítimas. Essa cena desenvolve-se em poucos segundos, evidenciando outra qualidade da direção: a economia com que Demme conduz a narrativa.

Além da parte técnica da produção, os atores estabelecem papel importante na coesão da história por sua competência em convencer-nos da complexidade de seus personagens. Ciente do universo machista que a rodeia, em muitos momentos Clarice Starling faz uso de seu charme para conseguir o que quer. Provavelmente esta característica do roteiro de Ted Tally já havia sido trabalhada no romance de Harris, mas a capacidade de transmitir vulnerabilidade e determinação pela jovem agente é total mérito de Jodie Foster.


Sua excelente atuação pode ser observada na cena em que, sob alvo de olhares opressores, dispensa um grupo de policiais para que seu chefe use o telefone e, posteriormente, possam analisar o cadáver de uma vítima. Enquanto os policiais reagem com certo nojo ao sentir o forte cheiro do corpo, a agente Starling permanece de costas. Apreensivos sobre sua reação, contemplamos a investigadora num desconforto contido, claramente emocionada, mas que não titubeia em descrever as lacerações sobre o corpo deformado de maneira fria. Nada disso soa superficial, reafirmando a performance premiada de Foster.

Como não poderia deixar de ser, a minuciosa atuação de Anthony Hopkins também foi reconhecida em premiações internacionais. Entre outras qualidades, a finesse de Hannibal, por exemplo, jamais é ofuscada pelo olhar insano com que o ator compõe o personagem. E Hopkins corresponde à árdua tarefa de compôr um personagem multidimensional em tempo de projeção relativamente curto.

Seria injusto ressaltar a composição de Hannibal sem destacar o apuro técnico da produção e do restante do elenco. O ódio que o assassino nutre por Frederick Chilton pode ser compreendido, também, pela vulgaridade do diretor do sanatório, comportamento condizente com o terno xadrez usado por este em dado momento. O trabalho da figurinista Collen Atwood também é destacado quando, ao final do longa (spoiler a seguir), o antagonista é visto com terno tropical claro, de qualidade duvidosa e um tanto largo em seu corpo, fazendo-nos imaginar a origem da vestimenta de Lecter (teria sido roubado de uma suposta vítima?), sem questionar sua elegência.

Durante a busca por Jame “Bufallo Bill” Gumb voltamos a testemunhar o excelente desempenho técnico de toda a equipe, da soberba montagem (por Craig McKay) desta seqüência ao primoroso design de produção de Kristi Zea (observe os detalhes na casa do serial killer, como as suásticas bordadas em seu edredon). Isso demonstra o brilhantismo de uma obra que não preocupou-se com elenco, direção e roteiro em detrimento do todo – por isso faço questão de destacar os nomes desses profissionais. E é isso que faz do multipremiado O Silêncio dos Inocentes merecer o reconhecimento de um jovem clássico do gênero.

Nota: 9.0



Um comentário:

  1. Anthony Hopkins assustador num grande filme de terror, que fez até a Academia de Hollywood se render a um gênero mal vista por ela.

    Abraço

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