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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Um Corpo que Cai (1958)



Hitchcock é um autor que dispensa apresentações. Se você o desconhece, não deve viver no mesmo planeta que eu. Firmado como uma lenda do cinema e transformado em ícone deste, seus filmes são envoltos por uma aura de sacralidade semelhante à que os cristãos têm com a Bíblia ou os muçulmanos com o Corão. Decerto há, mundo afora, quem desaprove seus filmes ou se recuse a pô-los no mesmo patamar de louvação que os demais fazem, mas estas pessoas geralmente ficam quietas, de modo a evitarem a estigmatizarão de um mundo maciçamente hitchcockiano.

Não me levem a mal. Hitchcock entrou para a história como um diretor de talento e esmero fora do comum, e isso permanece indiscutível. Os seus filmes, entretanto, não parecem resistir ao tempo com a mesma força que seu autor: se o suspense e a história, naquela época, causavam um frisson maior até do que a projeção do trem dos Lumière, hoje elas soam pouco surpreendentes e clichês, e seus filmes sobrevivem mais pela relevância técnica do que pela originalidade dos roteiros. Poderia falar de “Psicose” - a obra suprema na filmografia de Hitchcock - mas tenho opiniões tão negativas sobre ela que, para evitar quaisquer polêmicas, prefiro deixar para uma outra ocasião. Se é para analisar alguma obra, que venha “Um Corpo que Cai”, um filme que eu não adorei, mas que também não detestei.


Esse é um filme que cresceu com o tempo: na época de seu lançamento, foi recebido com frieza pela crítica e com incredulidade pelo público. Uma decepção para os padrões de um cineasta famoso a ponto de ter o próprio nome maior do que o título do filme nos créditos iniciais. “Um Corpo que Cai”, contudo, encontrou no tempo a mesma recepção que “O Iluminado”, “Cidadão Kane” ou “A Montanha dos Sete Abutres”: elevou-se da obscuridade ao disputado título de “melhor filme da história”. Convenhamos, ele apresenta um roteiro que, para o seu tempo, era ousado e um conjunto de atores acima de qualquer crítica. Sem falar do “Selo Hitchcock”, o estilo inconfundível e único de seu diretor em conduzir suas obras.

Hitchcock é, sim, um dos melhores diretores da história. Ele não escrevia os roteiros - como muitos diretores autheurs após ele - e nem sempre escolhia as histórias mais inovadoras ou interessantes (esta aqui é um opinião pessoal), mas conseguia transformá-las em filmes artísticos repletos de um esmero estilístico enlouquecedor. Hitchcock governa seus filmes com mão de aço; cada cena é tratada ao pente fino, nenhum movimento está fora de sincronia, nenhuma posição que a câmera assume é ocasional ou sem propósito. Cada segundo de projeção exala a presença onipotente do mestre, e isso constrói uma tensão que vai além da própria história. Hitchcock controla a história - e também a platéia - como um ventríloquo comandando o boneco e, até onde me recordo, somente titãs como Kubrick, Welles e Bergman possuem igual talento.

Infelizmente, um filme não depende apenas da maestria de seu comandante. Ele quase sempre estará refém de sua base - a história - e o diretor poderá apenas aprimorá-la. Um roteiro ruim dificilmente fará um filme bom, a despeito do talento de seus diretores. Considero Hitchcock como um autor que escolhia histórias surpreendentes para seu tempo, mas medianas para os dias atuais. Seu talento as transforma em bons filmes, mas não vai além disso. Não consigo entender como alguém, hoje em dia, pode se surpreender com o previsível desfecho de “Psicose”, por exemplo.


“Um Corpo que Cai”, entretanto, talvez possua a mais interessante e original história escolhida pelo diretor. Ela flerta com o suspense policial - marca registrada de Kubrick - e também com o mistério sobrenatural. O primeiro ato assume contornos de um terror psicológico semelhante a “O Bebê de Rosemary”, levando-nos a questionar se a personagem de Kim Novak possui mesmo um contato com o sobrenatural ou se o ex-detetive Ferguson está apenas louco - uma alternativa muito plausível considerando-se o segundo ato da obra. Entretanto, à medida que começa a abandonar esta perspectiva mística e retornar ao conflito “crime-arrependimento”, o filme se torna algo mediano e pouco surpreendente. O maior defeito que encontrei em seu roteiro foi o de criar dois clímaxes: um no centro da história e outro no desfecho; o primeiro clímax retira muita carga dramática dos eventos que se seguem e esvazia o desfecho. Não seria muito mais impactante - tanto para a platéia da época quanto para a contemporânea - se a grande “revelação” feita no meio do filme fosse deixada para o final? Só então sentiríamos o impacto das ações dúbias de Judy Barton e da aparente insanidade de Ferguson; o terceiro ato seria muito mais realista e o desfecho, aí sim, poderia ser considerado como um dos mais poderosos da história do cinema.

Outra coisa me irrita nos filmes de Hitchcock - e em inúmeros filmes até os anos 60 - é o estilo irreal e afetado das atuações. Os americanos possuem uma expressão para esse mal: “over the top”. Se hoje os melhores atores são os que exprimem as reações com o máximo de realidade e sutileza, naquela época as caras e bocas eram um imperativo - herança das atuações teatrais. Os atores fazem questão de mostrar cada sentimento através de sobrancelhas erguidas, movimentos bruscos, olhares arregalados e expressões empoladas. Há quem goste, o que não é o meu caso: embora elas não sejam tão exageradas quanto em “Psicose”, as atuações aqui ainda rendem muitos momentos inconvincentes, senão ridículos.


Ainda assim, “Um Corpo que Cai” permanece como um filme altamente recomendado tanto pela sua relevância histórica quanto pela sua direção estupenda. A obra muito tem a ensinar sobre edição e fotografia, possuindo uma das mais sensacionais cenas já produzidas no gênero do suspense: o delírio de Ferguson, que se vê caindo da torre da igreja, faz um uso espetacular de efeitos e cortes - foi esta cena que inspirou a abertura da série cultMad Men”. Classifico “Um Corpo que Cai” como a categoria dos filmes que são bons, mas que poderiam ser muito melhores. Talvez seja uma história que não sobreviveu ao teste do tempo. Talvez seja apenas uma questão de gosto. Talvez, talvez. Vale a pena a conferida, de qualquer forma.

NOTA: 6,5

2 comentários:

  1. Eu dou nota máxima a este clássico absoluto do mestre. Um de seus melhores trabalhos. Tudo bem, é até injusto fazer um top de Hitch, mas se eu fizer, certeza que Vertigo estará no topo... nas alturas!

    Discordo completamente de sua avaliação do filme, mas respeito sua opinião.

    Kim Novak sofreu nas filmagens, coitada!

    Abs.

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  2. Eu considero um dos melhores filmes de Hitchcock.

    Além da ótima trama, os efeitos da vertigem do personagem de James Stewart são marcantes.

    Sem esquecer da bela Kim Novak.

    Abraço

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