“Millenium – Os Homens que Não Amavam Mulheres”, refilmagem americana da bem-sucedida versão sueca, se apresentou ao mundo de forma esplêndida: seu primeiro trailer, que você pode conferir aqui (http://www.youtube.com/watch?v=WVLvMg62RPA), era perturbador, violento e com um maravilhoso toque punk. Sempre fico receoso com trailers assim tão bons, pois os filmes geralmente não ficam à altura. Mais uma vez, meus receios não foram infundados: “Millenium” possui um dos melhores diretores do mundo, atores de talento inquestionável, um orçamento que habilita qualquer proeza técnica, mas jamais encontra seu tom e termina como uma obra nada mais do que boa.
Qual é a primeira coisa que eu aponto, sem hesitação, para explicar este fracasso parcial? O roteiro, claro. Ele desaponta em todos os níveis possíveis em uma obra deste calibre. Primeiro: a adaptação foi mal-feita. A obra original de Stieg Larsson era volumosa demais para caber – e fazer sentido – em um único filme; a própria adaptação sueca teve que sacrificar muitas partes do livro para obter uma trama “filmável” e, ainda assim, terminou com mais de duas horas e meia de duração e com uma narrativa defeituosa. “Millenium” possui igual tamanho, só que menos bom-senso na hora de transpor o livro: há inúmeras subtramas, inúmeros personagens, inúmeras situações paralelas... inúmeras coisas mesmo para 158 minutos de projeção.
Segundo, este é um filme
dolorosamente apressado. Há uma tentativa de se manter a história em um
constante clímax, e isso quase nunca deu certo em filme algum. Aqui, o público
se cansa logo após a primeira hora e se deixa levar, sem muito interesse, pelas
novas informações que lhe são arremessadas na cara. “Millenium” parece movido a crack;
seu tom frenético e hiperativo arranca o potencial de beleza de todas as cenas.
Temos um cenário lindamente depressivo, um arco dramático sombrio, uma história
complicada e personagens complexos – nada sendo aproveitado. O filme não
consegue parar em uma cena por mais de três minutos – não há um único momento
de silêncio, de exploração visual, tal como Fincher fez tão bem em “A Rede Social” (esse, sim, sabe dosar
bem os seus momentos de frenesi com os de quietude).
Terceiro – e este ponto é
uma combinação dos dois primeiros: três quartos dos personagens apresentados
são inúteis. Pior: apenas a personagem de Rooney Mara (fantástica!) é tratada
com interesse; mesmo Mikael Bomkvist, co-protagonista,interpretado por Daniel
Craig, parece monótono e preguiçosamente construído pelo roteiro. Todos os
outros personagens – independente de importância – são quase invisíveis. Ora,
como se constrói uma investigação policial se não há o mínimo de interesse
pelos investigados? E para que serviu, afinal, o confronto entre Lisbeth
Salander e o tutor tarado Nils Bjurman (a subtrama mais interessante e inútil
do filme)?
Quarto: são inúmeros os
furos e as incoerências da trama. Ouvimos repetitivamente, por exemplo, que a
família Vanger é “a coleção mais desprezível de seres humanos” possível;
entretanto, a maioria deste clã se comporta com educação admirável – e quase
todos, na verdade, são mesmo civilizados. As únicas exceções são os próprios vilões
e a matriarca (que, em suas atitudes rabugentas, é mais engraçada do que
detestável). Qual era o proposito das molduras enviadas pelo assassino ao patriarca dos Vanger? Pior: como é que apenas uma garota –
mesmo que imensamente prodigiosa – consegue, sozinha, hackear todas as contas
bancárias de um mafioso bilionário e transferi-las formalmente para si mesma? E
o pior: sem levantar suspeitas! Acreditem se quiser, mas esta subtrama (que,
por si só, já renderia outro filme) é apresentada e “resolvida” (por assim
dizer) em menos de cinco minutos.
Acalmando os nervos, agora.
O que se salva neste absoluto desperdício que é “Millenium”? Muitas coisas, na verdade. David Fincher, como sempre,
continua a ser o melhor do projeto; ele não tem muita culpa sobre o roteiro
incongruente (embora alguém como ele tenha o poder de alterá-lo quando bem
entendesse). Com todos os seus defeitos, “Milennium”
é um filme que funciona melhor em partes do que como um todo: se isolarmos as
cenas e as assistirmos individualmente, o resultado serão excelentes exercícios
de técnica cinematográfica. O visual do filme é lindo; as decisões artísticas
aqui superam e muito as do rival sueco. Fincher pode não possuir o talento
autoral de Aronofsky ou Tarantino, mas é dono de um tato inegável para o estilo
e a arte de suas obras.
Não quero falar muito das atuações, pois já é um aspecto exaustivamente comentado da obra. Como a maioria dos personagens é relegada ao segundo plano, classifico-as como “normais”. A única exceção e meu único elogio: sim, Rooney Mara é tudo aquilo que dizem. Quem a viu em “A Rede Social” mal consegue acreditar no que ela se transformou e no que é capaz de fazer como protagonista!
Eu não colocaria “Millenium” na lista de prioridades de
ninguém. É um filme bom – somente bom –, mas capaz de decepcionar todos aqueles que
se impressionaram com o fantástico trailer e com a reputação de Fincher. A Sony Entertainment, contudo, já
conformou a produção dos dois outros filmes da trilogia, e é esperada a direção
de Fincher no projeto. Só resta esperar pelo melhor.
NOTA: 6,5
Estou com altas expectativas para esse filme, mas agora fiquei com medo após o seu texto. No começo, só queria ver a performance elogiada de Rooney Mara como a protagonista, mas após um vídeo que saiu já fiquei mais animado...
ResponderExcluirOlha, Gabriel, não é nem de longe um filme ruim. Só não espere uma obra do quilate de "A Rede Social".
ResponderExcluirInfelizmente não li o livro, mas vi as duas versões! Não sou um fã incondicional do cinema se hollywood e há muito que deixou de produzir filmes excepcionais, no entanto neste caso, até me custa a disser, gostei mais da versão norte americana em relação a versão sueca! Acho que o filme está muito bom. Só não sei qual o mais real ao argumento original:, o livro? Alguém sabe???
ResponderExcluirDiogo, eu não li a obra, mas não sei se a subtrama do roubo não será explicada na sequência. Creio que sim, por isso gostei do que vi - sem contar que este longa é bem melhor que a adaptação sueca.
ResponderExcluirTambém acredito que algumas das subtramas não são plenamente desenvolvidas porque seu propósito é ilustrar as personalidades dos verdadeiros protagonistas, que são Blomkvist e, principalmente, Salander. Ou seja, uma forma de ilustrar os propósitos para o comportamento agressivo da Lisbeth e os interesses sexuais e amoroso que ela vai demonstrando no decorrer da trama (não entro em maiores detalhes pra não revelar spoilers rs).