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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Capítulo 27 (2007)



No cinema, existem caracterizações de intérpretes levadas ao limite das possibilidades, para representar de um modo que a linha que separa a ficção da realidade se torne incrivelmente tênue, a ponto de confundir o espectador sobre quem realmente seria a pessoa por trás da maquiagem e do figurino fartos. Em certos casos, essa “encarnação” por parte do ator é estabelecida de modo excessivo, onde ele altera as proporções físicas de seu próprio corpo em nome dos traços e nuances que seu papel exige. Foi assim com Charlize Theron em Monster - Desejo Assassino (Monster, 2003) onde encarnou a serial killer Aileen Wournos e, para tanto, teve de engordar 15 kg, se valer de uma prótese dentária e maltratar os cabelos para vivê-la – desempenho que lhe conferiu o prêmio de Melhor Atriz no Oscar –; com Christian Bale e seu esquelético personagem em O Operário (The Machinist, 2004), um autossacrifício que viria a repetir mais adiante em O Vencedor (The Fighter, 2010); e agora com Jared Leto em sua impressionante metamorfose como o esquizofrênico Mark David Chapman, ou simplesmente o assassino de John Lennon.

Performances assim têm em comum a entrega absoluta de seus artistas, que deles exige um compromisso ilimitado, física e psicologicamente falando. No que cabe aos desempenhos de Theron e Leto, tudo ganha um agravante maior por se tratar da transposição de duas figuras reais para a tela, seus dramas e conflitos particulares e como esses, de algum modo, atingiram negativamente toda a nação americana. Por mais que a intrigante história de ambos homicidas seja suficientemente interessante, Monster - Desejo Assassino e Capítulo 27 (Chapter 27, 2007) possuem outro paralelo: as atuações de seus protagonistas hipnotizam mais que as tramas propriamente ditas. Seus esforços são responsáveis por construir bases de sustentação para o desenvolvimento narrativo, e, de algum modo, por mais repugnantes que sejam suas atitudes, criar algo estranhamente real, crível, ao trabalho.

Para contar a tragédia que chocou o mundo em 1980, J. P. Schaefer adota uma linha de tempo diferente da normalmente utilizada em projetos desse gênero. Como bem diz Chapman ao início do filme, não seria interessante falar sobre possíveis desgraças na infância/adolescência, e com isso explicar o início de sua obsessão para com Os Beatles ou mesmo com O Apanhador do Campo de Centeio – livro com o qual o filme dialoga constantemente, fazendo uma alusão em seu próprio título. São apenas três dias. Os dias que, eventualmente, abordariam sua estadia em Nova York, sua obstinação quase patológica em conseguir o autógrafo do ídolo, a interação com alguns outros fãs na porta do Dakota e, claro, a gélida noite de 8 dezembro. Os fatos são relatados com a perspectiva de Mark (assim como a própria obra literária que investe no ponto de vista do jovem Holden Caulfield), seu olhar sobre o que estava prestes a cometer e seus ditos demônios internos – alegação essa que viria a defender em seus julgamentos sobre o caso Lennon.

Conceitualmente, tudo é muito interessante, sendo que a efetividade das ideias de Schaefer, baseadas no livro Let Me Take You Down, de Jack Jones, deveriam ser bem mais evidentes no papel que em celuloide. Sua vontade de contar a história não elimina suas dificuldades em conduzi-la. As ideias funcionam melhor quando separadas, cada qual desempenhando sua função, uma vez que quando integradas ao filme em si, surgem esfaceladas, distribuídas ao léu, sem a profundidade que teoricamente deveriam apresentar. E isso tange inclusive as próprias cenas do longa, quando alguns bons momentos (como o que comentam sobre as filmagens de O Bebê de Rosemary [Rosemary’s Baby, 1968], que teria acontecido naquele mesmo edifício) surgem intercalados de outros já problemáticos (a sequência com a garota de programa, que mais parece um recurso para preencher a ausência de conflitos maiores em cena). Analisando que não é de propriedade de Capítulo 27 narrar algo por trás do homicídio, sejam os modos pelos quais Mark Chapman tentou copiar traços da vida do Beatle (casando-se, assim, com uma ascendente japonesa claramente por essa se assemelhar a Yoko Ono, mulher de Lennon) ou a inspiração que o livro de J. D. Salinger exerceu em sua vida pessoal, mais especificamente no misto de amor e ódio que passou a alimentar por John; sem esses tópicos não há, especialmente, algo de extremo interesse para nos dizer. Exceto o que muitos já conhecem.

Caminhando nessa linha entre a importância dos fatos e as falhas narrativas está Jared Leto, sempre no tom adequado à sua caracterização, desde a dificuldade em olhar diretamente para os olhos das pessoas, os gestos comedidos, mas sempre ameaçadoramente instáveis, passando pelo êxtase incontrolável sempre que surge a mais breve oportunidade do ídolo sair do prédio e autografar seu disco – além, é claro, da impressionante semelhança entre ator caracterizado e assassino. Não deixa de ser fundamental constatar essa que é, provavelmente, o melhor registro de sua carreira como intérprete cinematográfico, prova de que basta-lhe somente selecionar trabalhos mais condizentes com a possibilidade de explorar seu talento. São claros e comprometedores os problemas narrativos de Capítulo 27, bem como uma carga dramática um tanto quanto questionável, mas possui uma entrega absurda de um Jared Leto que, até agora, havia demorado a mostrar realmente a que veio. É o que podemos chamar, portanto, de um legítimo filme de ator.

Nota: 5.0



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