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domingo, 15 de abril de 2012

Shame (2011)




Considero difícil imaginar um prazer físico maior que o sexo. Acredito que essa premissa possui muitos adeptos além de mim. Eis então a fundamentação para a minha surpresa com um estudo de personagem que desafia todo o conceito que se faz deste que é um dos prazeres mais primordiais do corpo e da alma.

O longa co-roteirizado e dirigido por Steve McQueen (Fome) conta a estória de Brandon, um homem bem-sucedido profissionalmente e bastante solitário em sua vida afetiva por ser viciado em sexo. “Shame” (Vergonha, em tradução literal) consegue a proeza de tornar o sexo ou a insinuação deste em algo constrangedor, frio, doentio e sujo a cada vez em que aparece em tela.

Brandon, o nosso protagonista, à primeira vista pode ser encarado como um solteirão tarado, daqueles que mexem com as mulheres de forma deselegante, como seu chefe tem costume de fazer. Não se engane. Brandon não é um simples admirador de corpos belos, ele não deseja pessoas, ele verdadeiramente necessita de carne humana de forma animalesca e as atrai para o seu covil, usando as pessoas de forma egoísta e despretenciosa.

Curiosamente, com o intuito de tornar ainda mais complexo o seu protagonista, o diretor McQueen propõe um Brandon elegante, educado, sutil e discreto, mas ainda assim perigosamente viciado.Acompanhar Brandon desperta a todo tempo o sentimento de compaixão e de tristeza no espectador, principalmente quando as cenas de conteúdo sexual aparecem ou são sugestionadas na tela. Desde o princípio, os enquadramentos já demonstram que expressões de sentimentos não são o forte de Brandon que tinha tudo para ser um homem "completo". Sua presença é contida, profissional e discreta, mas sua existência é vazia, seus sentimentos estão inertes. Brandon não é o centro nem da vida do próprio Brandon, mas sim alguém que vive em incessantebusca por uma dose de prazer desvinculado de emoções.O sexo é ao mesmo tempo passatempo, acalento, alívio e objetivo de sua vida.

Tudo parece muito triste até então. Pois é justamente nesse contexto aflitivo e decandente por natureza que surge a frágil e efusiva irmã de Brandon, Sissy (Mulligan), suplicando por ficar uma temporada em sua casa.Como se já não fosse chocante o suficiente o quadro que se apresentava até então, Sissy surge em cena para revelar não apenas mais uma face autodestrutiva em sua parasitose, mas, principalmente, para incitar Brandon a demonstrar suas emoções desordenadas ao espectador, incluindo até mesmo um leve rastro de eventual relação incestuosa entre os irmãos.

Sissy conhece Brandon em aspectos íntimos e sabe das conseqüências destrutivas que o turbulento contexto familiar do qual vieram puderam causar. Além disso, seu comportamento enquanto mulher a tornaria uma presa fácil para um Brandon que desesperado por sexo, seduz e envolve mulheres a todo tempo. O protagonista se enerva com sua irmã em vários momentos, tendo em vista que poderia curar-se do vicio caso as mulheres fossem menos oferecidas como sua própria irmã é. Parte de Brandon quer afastar a culpa e se refugia neste pensamento, atitude típica de um viciado.Shame precisa ser conferido.

Os planos de Queen são absolutamente eficazes em demonstrar o valor do sexo na vida de Brandon explicitado até então. Invasivos, os movimentos da câmera não cansam de expor e desnudar corpos em movimentos de natureza pornográfica que escondem uma tristeza silenciosa, aprisionadas numa mente sedente por sexo. As interpretações dos atores são fenomenais. Mulligan revela-se bastante dinâmica como atriz ao encarar um papel de catalisadora do drama de Brandon o que exige muito dela.

Contudo, é Fassbender quem confere uma atuação absolutamente impecável e natural, vivendo um homem introspectivo, metódico, monossilábico e averso a laços emocionais ao mesmo tempo em que revela um vicio intenso e sádico. Sua capacidade de transmitir emoções através apenas de olhares e de expressões faciais é peça-chave para a identificação do público com o sofrimento do personagem nas suas relações.

A partir da compreensão da doença de Brandon, o espectador sente a completa desilusão, tristeza e depressão sempre que Brandon busca prazer carnal de forma incontrolável e doentia na mesma medida que torce pela sua cura.O ambiente acinzentado e impessoal que permeia todo o longa junto com a trilha são outros pontos que se destacam no curso do filme. A escolha pela trilha instrumental pontua ainda melhor o drama de Brandon.

Sem julgamentos moralistas, apenas se preocupando em apresentar a situação complexa vivida pelo seu protagonista e expor a sua realidade cruel, assim como fez em "Fome", McQueen entrega um filme profundo, tocante, sem vergonha de aprofundar-se no sentimento do protagonista ao invés de dar azo às motivações e respostas para todo o horror de Brandon. Verdadeiro ao mostrar um vício que não se revela em sinais físicos como olhos avermelhados, magreza, veias dilaceradas por seringas, "Shame" demonstra o quão horrorizante e incômodo pode ser um vício enclausurado e discreto como o de Brandon é.

Nota:. 9.0

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