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sábado, 29 de setembro de 2012

Indie Game: O Filme (2012)



Ao subirem os créditos de “Indie Game: O Filme”, veio-me o pensamento de que eu realmente gostaria de vê-lo concorrendo ao Oscar de Melhor Documentário. Merecer ele, sem dúvida, merece, mas a realidade é sempre uma criatura incômoda: primeiro, e corrijam-me se eu estiver errado, o filme já iniciou distribuição digital, o que o torna inelegível à Academia. Segundo, e mais importante, eu acho muito improvável que uma obra com um objeto de estudo tão moderno fosse cativar os membros cada vez mais jurássicos da organização. Oscar ou não, “Indie Game” é mais profundo do que qualquer um poderia julgar; é um filme sobre a arte e a dedicação insana de seus artistas, contada de maneira tão inocente e surreal que acompanhamos a obra em uma espécie de transe.

O foco do documentário são três “times” de desenvolvedores independentes e suas (não poucas) agruras para que seus games vejam a luz do dia.  Digo “times” como algo relativo, pois o maior grupo tem apenas dois programadores, que tomam para si praticamente todas as tarefas da criação de suas obras, além do esforço extra de encontrar distribuidores. Um desses “times”, na verdade, já teve seu game lançado (“Braid”), e serve como a voz da experiência típica de quem já percorreu todos os caminhos do labirinto e teve a sorte de sair vivo.

A posição dos protagonistas em relação aos games é extrema. Talvez a frase de maior impacto do filme seja “Para mim, os games são a forma de arte definitiva”, proferida com uma convicção religiosa e defendida com tal ardor que o falante logo fica sem palavras. O filme nunca discute se (ou por que) os jogos devem ser considerados uma forma de arte; ele já parte da premissa de que eles SÃO. Para todos na obra, isso é claro como água. E, apesar do nome, essa é uma história não sobre os indie games, mas sobre os indie gamers, e até onde eles estão dispostos a ir por sua dedicação à arte.

O filme se divide em três fases: a vida e história de seus programadores, a produção dos seus games e o lançamento dos mesmos. Detalhes sobre a indústria e a natureza do gênero indie são inseridas aos poucos durante toda a projeção, de modo tão orgânico e eficaz que o espectador nunca se sentirá um peixe fora d’água em uma área ainda muito desconhecida pelo grande público. Apesar de seu tom etéreo e acolhedor (infantil até, no bom sentido), “Indie Game” é um dos documentários mais desagradáveis que já vi em um bom tempo: em questão de minutos, já estamos totalmente empáticos com seus personagens (o mais puro exemplo de “pessoas de bom coração”), então é uma agonia ver que, do início ao fim, seus problemas são tantos que parecem aguardar em fila.

Chega a ser irônico como eles, lidando com o que consideramos uma fonte de pura diversão, afundam em um inferno profissional: não só eles têm que se contorcer para manter seus distribuidores interessados (isso é fichinha,em comparação com o resto) como abdicam de qualquer possibilidade de vida social, trancando-se em seus quartos da manhã à madrugada, com os rostos colados nas telas de computador e os corpos se movendo á base de comida pré-pronta e injeções de nutrientes. Dá um nó no coração quando vemos suas rotinas excruciantemente monótonas, nada diferente de uma prisão, ou quando eles nos revelam que, durante boa parte do processo, a experiência não é das mais agradáveis. “Eu não sou depressivo, mas me sinto depressivo agora”, confessa um, quando problemas técnicos parecem impedir a conclusão de seu game a tempo. “Só nesse mês eu acho que tive... sei lá, uns três ou quatro ataques de nervos”, diz outro, com uma descontração amargurada que só os geeks conhecem (a descrição completa desses ataques é ainda mais deprimente). E os problemas não dão trégua em um único segundo, deixando o espectador com um nó na garganta que não era visto desde “A Paixão de Cristo”: no lançamento dos games, um começa a dar problemas (bugs) a toda hora no meio da apresentação (o equivalente cênico de um ator esquecendo suas falas na estréia da peça); no outro, um dos produtores descobre que o game não se encontra na prateleira de vendas digital, como prometido, o que dá espaço ao mais triste (heartbreaking) ataque de nervos visto no filme (sim, são muitos). “F#da-se tudo! Eu acho que vou ser um vendedor de carros”, diz ele, enfurnado em uma lanchonete, olhando para o primeiro de comida “normal” em muito tempo. “Não, eu não quero ser vendedor de carros. Eu acho que serei um mendigo...”.

“Vale à pena?”. É o que o espectador se perguntará em algum (ou em vários) ponto do filme. Creio que esse era um de seus objetivos: o mundo de “Indie Game” é feio, triste e sem perspectivas, e a única força que possibilita seus desenvolvedores a seguir em frente não seria outra senão a paixão pelo que fazem. Não sei se encontrarei pessoas mais obstinadas e incorrigíveis do que as desse filme. Se David Fincher disse que “algumas pessoas procuram a arte para ter grandes casas ou namorar modelos suecas1, os adoráveis nerds de “Indie Game” definitivamente NÃO são essas pessoas. É, portanto, um alívio ver que o documentário se encerra com o típico final feliz hollywoodiano, onde todos os obstáculos, por pior que tenham sido, são compensados. Mas fica a dúvida: seria o final feliz uma regra ou uma exceção?

“Indie Game” é narrado de um modo que deixa claro que temos verdadeiros profissionais em sua produção. Sua estrutura é poética (o filme se inicia com um pedaço do terceiro ato, voltando para o começo alguns segundos depois, e seus primeiros monólogos também são repetidos ao final); sua montagem e trilha sonora remetem um tom de nostalgia e inocência, com alguns momentos de controlado surrealismo. Acompanhamos o filme sempre em uma estado “leve”, como que sonhando, e isso ajuda a amortizar os vários momentos desagradáveis de nossos protagonistas. A fotografia é tão bela que chega a ser piada, do tipo que nos dá vontade de dizer “Ah, f#da-se!” toda vez que a produção embarca em imagens externas; digamos que esse é um filme para ser visto em nada menos que 1080p.

A maior proeza de “Indie Game” é emular a fragilidade de seus protagonistas. Fragilidade, aliás, está em todo lugar do filme, cujo mundo ameaça despedaçar-se a qualquer momento. Vemos como os games nada mais são do que a forma de seus desenvolvedores expurgarem demônios pessoais (a metáfora em “Super Meat Boy” é bem clara). O filme peca principalmente em seu primeiro ato, quando a tarefa de investigar seus personagens muitas vezes descamba para um sentimentalismo com tons de chantagem emocional, atrasando todo o desenvolvimento em prol de histórias pouquíssimo relevantes (todo o discurso da infância de um desenvolvedor com sua avó e seus “monstros imaginários” soa muito apelativo). Muitos também não concordarão com as posições extremadas dos protagonistas em relação aos jogos mainstream (um deles chega a considerá-los todos como “porcaria”) ou à forma de produção industrial (“Eu nunca trabalharia para a EA ou para a Epic!”), mas é o que lhes acrescenta humanidade.

Desde já um dos filmes indispensáveis de 2012 e, ironicamente, uma produção tão indie quanto seu tema, “Indie Game” se comunica de igual para igual com todo artista, não importa o gênero ou a arte. É tanto uma obra instrutiva quanto um desabafo. A maioria dos filmes hoje, quando adotam uma postura “auto-ajuda”, exclamam: “Vá em frente e siga seus sonhos.” Já este documentário é bem mais honesto: “Você quer seguir seus sonhos? Ok. Mas olhe aqui o que o aguarda...

NOTA: 8,5

1frase original era: “Algumas pessoas procuram o cinema para terem grandes casas. Outras, para namorarem modelos suecas. Francamente, se eu não fizesse o que faço, eu estaria morando debaixo de uma ponte.

3 comentários:

  1. Quero assistir. Adoro documentários indispensáveis. São raros, a meu ver.

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    1. Voce nao ira se arrepender. O filme esta a venda aqui, inclusive em portugues (http://buy.indiegamethemovie.com/). Mas, se voce quiser por meios mais... err, "obscuros", entao a Baia dos Piratas lhe da as boas vindas! ;)

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  2. Parece realmente interessante e original. Também acho que, pelas regras, não pode ser nomeado para Óscar...

    Cumprimentos.

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