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domingo, 16 de setembro de 2012

Robocop (1987)



Robocop”, na mesma linhagem de filmes como “O Exterminador do Futuro”, trás todos os elementos que tanto fascinaram o público dos anos 80 em relação a ficções científicas com orçamentos limitados: a construção de uma narrativa em um contexto futurístico com inúmeros reflexos na sociedade da época, o desenvolvimento de arquétipos (jamais estereótipos) com apelo universal, o charme de uma técnica que tem que se esforçar para superar os recursos limitados e certa despretensão quanto a si mesmo, deixando o tom da obra mais leve e palatável. “Robocop” é aquela mistura bem feita entre a sátira, o kitsch e o apelo emocional, marca registrada de blockbusters sem muito cérebro, mas cheios de coração.

A conexão do filme com seu público é quase instantânea, através de inúmeras jogadas certeiras do roteiro com elementos de imenso apelo para o ser humano (ou, pelo menos, para o público ocidental). Começamos com o ambiente, a Detroit distópica de um ''futuro proximo'', corroída pela violência e pela inoperância dos órgãos públicos. Isso funciona em um nível amplo, refletindo o eterno medo do ser humano com a falência do próprio ambiente (e, pior, causada pelo próprio homem), mas há poucas dúvidas de que a intenção principal era se valer de uma realidade bem palpável e específica no contexto americano: desde os anos 70, com a ascensão do capitalismo japonês e a falência do defasado sistema de bem estar social norte-americano, os EUA tiveram um prelúdio de como seria um mundo em decadência, com seus sistemas públicos ineficientes e sua economia letárgica. Neste contexto, Detroit era (e continua sendo) o símbolo da decadência, já que sua economia predominantemente automobilística fora solapada pela concorrência nipônica. Havia um medo (com alguns elevando-o a patamares apocalípticos) de que a civilização ianque estaria acabando, e Detroit era o carro-chefe deste medo. Nada mais atraente (e esperto) do que usar a cidade como palco de uma realidade onde todas as previsões catastróficas haviam, de fato, se concretizado.

Nesta sociedade vive Alex Murphy, nosso futuro robô policial, encarnando o típico “regular guy”, aquele rapaz maduro, pacífico, levemente idealista que só quer cuidar da própria vida e nada mais. 90% de toda a população mundial. Então temos o seu choque com a realidade, representada pelo contrabandista Clarence (arquétipo do vilão bruto e marginal), sua morte nas mãos do bandido (o sofrimento que todos nós temos com uma vida muitos vezes mais injusta do que podemos suportar), seu renascimento nas mãos de cientistas (a segunda chance que todos desejamos), sua cruzada incessante contra o crime na cidade (nosso desejo de justiça) e sua vingança não totalmente impessoal contra aqueles que o torturaram (nosso desejo de vingança). A cada segundo, em cada personagem, “Robocop” é um apelo aos mais básicos instintos humanos, o que torna sua atratividade inevitável. O fato de seu roteiro conciliar uma história imaginativa em uma estrutura tão simples só adiciona ao seu carisma.

Seus personagens, todos grandes arquétipos, jamais se tornam estereótipos. E, sim, há uma enorme diferença entre ambos: enquanto aqueles são personificações de valores humanos (lealdade, inocência, ambição, etc.), estes são exageros sobre os mesmos valores. Os primeiros são apenas personagens com personalidades concretas, o que não os impede de tomar decisões que conflitem com elas (especialmente em momentos de grande pressão psicológica ou física). Os segundos são verdadeiros autômatos que vivem em função de suas designadas características, incapazes de tomar qualquer atitude contrária a elas e, portanto, absolutamente previsíveis. É uma distinção simples, mas que sempre foi, infelizmente, muito ignorada por roteiristas incapazes de construir personagens sem transformá-los em criaturas quadradas e ocas. “Robocop” escapa lindamente desta armadilha, e o público termina com personagens excitantes (graças à imprevisibilidade de suas ações) e que ele pode identificar consigo mesmo ou com outros tipos que todo mundo conhece: a “mulher feminina”, mas que sabe se virar sozinha (Anne Lewis); o chato ambicioso, mas sem malícia (Bob Morton, criador do Robocop); o vilão calculista, corrupto e “maior do que a vida” (Dick Jones, Presidente Sênior da OCP); o chefe durão, mas carismático (sargento Warren Reed); a autoridade poderosa, mas justa e bem intencionada (o Presidente da OCP)... para todo tipo que você imaginar, há alguém em “Robocop”.

O equilíbrio também é marca na construção do futuro caótico em que a história se desenrola. Um erro freqüente com ficções científicas é extrapolar a licença criativa do gênero e criar algo bizarro e sem o mínimo senso de realismo. Coisa comum de filmes assim é ver bugigangas complexas, exageradas e cujo funcionamento ou jamais é explicado ou é extremamente nebuloso. Isso não ocorre em nenhum momento na combalida Detroit do filme, que mantém o toque com a realidade mesmo nos seus momentos mais fictícios. Um exemplo é a consistência com que o maquinário do filme é tratado: a cena do ED-209 caindo pelas escadas por seus pés não se encaixarem nos degraus, além de engraçada, mostra a preocupação da equipe com o design e a funcionalidade de suas invenções. Nessa lógica, mesmo o Robocop ou os exagerados “rifles-canhão” do terceiro ato parecem verossímeis, perfeitamente capazes de serem construídos na vida real.

E a técnica merece mais aplausos pelos excelentes efeitos visuais, construção de cenários e maquiagem. Sendo uma produção com recursos restritos, há aqui o charme irresistível de uma equipe sempre tentando superar a carência de recursos com uso da criatividade, o que inevitavelmente leva à maestria do cinema. Graças à direção firme de Paul Verhoeven (um cineasta imensamente competente), “Robocop” triunfa sobre seu orçamento, constrói efeitos valendo-se do stop-motion e ergue sua Detroit futurística com maquetes e backgrounds projetados a mão. Isso me leva a concluir que, quando se trata de efeitos visuais, eu sou um inveterado old school: enquanto os efeitos de “Avatar” ou dos novos “Star Wars” me excitam tanto quanto um pedaço de madeira mofada debaixo da chuva, filmes como “Robocop”, “Blade Runner”, “Aliens” e tantos outros são capazes de me nocautear APENAS pelo visual, pois este não é apenas uma sucessão monótona de “zeros” e “uns” gerada por algum programa vitaminado de computador, mas algo real! O simples fato de que tudo que vemos no filme realmente EXISTIU, mesmo que em miniatura, é muito mais excitante e, principalmente, muito mais ligado à Arte do cinema do que as figuras cuspidas por um computador. Houve um esforço braçal não só em montar os cenários como também a dificuldade extra de manipular a câmera de modo a transformá-los em algo convincente. Isso, os modernos e econômicos que me perdoem, nenhum computador jamais será capaz de fazer.

E quanto à maquiagem, resumo sua extrema competência nas cenas em que Murphy finalmente tira o capacete de seu exoesqueleto e quando o capanga de Clarence é deformado por lixo tóxico e depois pulverizado em um atropelamento (o humor negro em seu ápice, aliás). A integração entre a armadura do Robocop e seu ator também é impressionante.

Outra característica muito fácil de extrapolar e de se arruinar, mas que ''Robocop'' domina com muita ginga: a descontração. O “não se levar a sério”, algo tão raro hoje em dia (quando os filme ora são extremamente sisudos, ora insultantes como uma comédia dos irmãos Wayans), é a cereja do bolo para o carisma desta produção, que balança entre o já mencionado humor negro e um nonsense esporádico que lembra “Brazil – O Filme”, de Terry Gilliam. O filme é pautado por algumas “notícias de última hora”, onde dois repórteres informam o espectador dos bizarros acontecimentos daquele mundo, com direito comerciais tão “normais” (o anúncio de um serviço para transplante de coração) quanto insanos (o do jogo “Nukem”, uma mistura hilária entre "Batalha Naval" e "Civilization"). Eles quase nunca servem à narrativa, mas são tão bem costurados a ela que jamais soam artificiais. Mais importante, eles inserem riqueza ao universo do filme, aprofundando a imersão do público na obra. A descontração também serve como sátira a uma quantidade surpreendente de aspectos, mas o filme é leve o suficiente para jamais se tornar doutrinário e deixar que o público encontre suas críticas sociais como que por diversão.

Há eventuais falhas, claro: a carga dramática dada a Murphy pela sua família transforma-se em um arco narrativo não resolvido, pois pouco sabemos do paradeiro deles ou se o herói ainda está afetado pela sua ausência no desfecho da obra. Embora isso pudesse ser um ótimo pretexto para um “final em aberto” ou para exemplificar que nem tudo termina perfeitamente bem na vida, Murphy aceita tão bem o ocorrido a partir do terceiro ato que dá a impressão de que o filme está se acelerando apenas para não extrapolar a meta de 100 minutos de duração. Essa impressão é confirmada pelo desfecho absurdamente brusco; ainda que com certo charme “oitentista”, ele deixa muito a desejar. Erros técnicos despontam aqui e ali (bem, não se pode exigir perfeição com os malabarismos que a equipe era forçada a fazer), como a cena em que o terrorista cai de um andar da prefeitura e “quica” no colchão de ar fora de tela ou quando Robocop abate seu primeiro criminoso, mas o “esquece” dentro da loja que estava assaltando.

“Robocop” pode estar longe de ser um filme inteligente, mas seu triunfo é nunca ter almejado ser um. O que temos aqui é pura habilidade cinematográfica, quase que um exercício de estilo (por parte do diretor Verhoeven) e de narrativa (dos roteiristas Edward Neumeier e Michael Miner). Há descontração, há diversão e, para quem se interessar, críticas afiadas (ainda que já bem esgotadas) à cultura norte-americana. Com o jeito de quem não quer nada demais, “Robocop” conquista o mundo e um merecido lugar entre os melhores exemplares de seu gênero.

NOTA: 9,0

4 comentários:

  1. Filmaço de ação, clássico dos anos oitenta.

    Espero que José Padilha consiga fazer uma refilmagem a altura.

    Abraço

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  2. De longe, a melhor resenha que eu vi sobre esse filme!
    Concordo, em gênero e grau, sobre o excesso de computação gráfica nas produções de hoje em dia e, pior de tudo, usam mal ainda!
    Não deixo de me lembrar de um cena do 1º "Homem-aranha", do tio Sam Raimi, em que Peter Parker, descobrindo seus poderes, é filmado escalando uma parede com uma câmera frontal, o que dá na cara que na verdade ele estava no chão, mas filmaram ele de um ângulo como se estivesse na parede, esse tipo de recurso era batido demais para ter sido usado, mesmo no ano de 2002. Isso porque o filme teve um orçamento colossal. :P
    "Robocop" e "Fuga de Nova York" conseguem quase que passar como se fossem filmes atuais, se não fossem o uso de alguns figurinos da época, tamanha a competência e a dosagem certa dos efeitos especiais.

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  3. Essa resenha tá show. Tenho 35 anos e tive o privilegio de ver Robocop fresquinho, na sala do cimena levado por minha irmã mais velha. Qual o cara da minha que quando criança não queria que saisse uma arma da sua perna pradar uns tiros no ED209. Filme artesanal, pensado, calculado. Vou procurar para ver de novo!!!
    Abraços!!!!

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  4. Ok, eu AMO esse filme, mas COMO ASSIM UM FILME TÃO CHEIO DE METÁFORAS E CRÍTICAS SOCIAIS COMO ROBOCOP PODE SER UM FILME QUE ''não se leva a sério'' OU QUE ''pode estar longe de ser um filme inteligente''?!!!!!

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