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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes (1999)



O quão engraçado é “South Park: Maior, Melhor & Sem Cortes”? Bom, digamos apenas que com dez minutos de filme eu estava rolando em minha cama com lágrimas nos olhos, espremendo um travesseiro contra a boca para que os vizinhos não ouvissem minhas gargalhadas ferais (era meia-noite). Por volta do quadragésimo minuto, quando o filme começaria a perder fôlego, eu estava rindo tão incontrolavelmente que sentia convulsões em meu pescoço até meu abdômen (primórdios de câimbra) e meu coração parecia inflado pela pressão sanguínea do meu corpo. Não se enganem: este filme é facilmente um dos mais engraçados de todos os tempos – por mais que eu pense, não consigo encontrar rival para ele em teor cômico nos últimos 30 anos. Ele é satanicamente hilário, tanto porque seu humor é proporcional ao nível de profanação que os roteiristas Terry Park Matt Stone e Pam Brady ousaram injetar na obra, atingindo patamares de uma ousadia quase sem noção.

Diz-se que os criadores da série, Terry e Matt, passaram boa parte da adolescência divididos entre o bullying e a obscuridade, inconformados com uma sociedade que eles viam, como Matt descreveria no documentário “Tiros em Columbine”, como “imensamente chata, onde nada acontecia ou mudava”. “South Park”, então, seria a obra com a qual esses rejeitados poderiam exorcizar seus demônios e se vingar de uma sociedade estúpida. Pessoalmente, não consigo imaginar vingança mais bem executada: “South Park”, o filme, carrega tal nível de raiva e profanação adolescentes que até mesmo ateus tremem diante das coisas que o filme faz com figuras como Jesus Cristo, religião ou qualquer conceito tido pela maioria como “sagrado” ou “inquestionável”. Eu tremi, e ri ao mesmo tempo. Ainda assim, por baixo de sua (extensa) camada de zombaria e escárnio, “South Park” carrega um teor crítico que intimida pela sua profundidade e alcance, conseguindo atacar virtualmente tudo que está errado (ou que o filme acusa como errado) na sociedade contemporânea. A genialidade pura desta produção é confirmada quando vemos a técnica irrepreensível, desde a animação calculadamente tosca (mas impressionante pelo grau de detalhamento), o inacreditável timing cômico e, claro, os números musicais, que estão entre os melhores da história do cinema.

Uma coisa é certíssima: esse filme não é universal. Não por problemas na qualidade, mas porque ele mesmo declara guerra a uma enorme parcela do público logo em seus primeiros minutos (aliás, não se pode esperar coisa boa de um filme que exibe no título, como troféu, as palavras “sem cortes”). Se você não tiver uma mente absolutamente aberta, sem apego considerável a nenhum conceito ou crença deste ou do “outro mundo”, este filme o ofenderá. Em dois minutos, temos um dos personagens principais brincando de chutar o próprio irmão (um bebê, claro) pela janela da casa. Noutro momento, somos embalados por uma canção inteiramente composta de palavrões (“Uncle Fucka”), sobre dois personagens se acusando de transar maniacamente com porcos e com os próprios tios. E os diálogos chegam a níveis que, entre os soluços e as lágrimas do riso, o pobre espectador leva a mão à boca, com peso na consciência e em choque, dizendo a si mesmo: “Meu deus, não acredito que eles fizeram isso!”. Foi a minha reação diante de um diálogo excruciantemente hilário sobre clitóris e Jesus Cristo.

Este filme aposta em um nível de nonsense que deixaria os Monty Phyton orgulhosos e faria de “O Simpsons – O Filme” (obra que considero muito competente) ou “Borat” (essa nem tanto) produtos para crianças pré-escolares. Iniciamos com os nossos personagens principais (o grupo de crianças mais depravadas que você irá conhecer) ansiosos para assistir a um filme com dois comediantes canadenses boca-suja. O filme é proibido para menores devido ao alto teor de “linguagem má”, mas nada impede que os guris se infiltrem na sala. Como é de se imaginar, eles saem da sessão com toda a experiência “boca sujística” que poderiam aprender, disseminando-a entre os colegas e causando furor na cidade. A situação piora quando uma das crianças tenta imitar uma cena da obra e acaba se queimando até a morte, para a revolta dos pais, que iniciam um movimento proibindo tudo que é canadense (“Blame Canada!”) e prendendo os dois comediantes. A situação leva a uma crise entre os EUA e seu grande vizinho do norte, culminando na pena capital aos comediantes e em uma guerra aberta entre as nações. Mas, ao que parece, tudo isso faz parte de uma grande profecia religiosa envolvendo o retorno de Satã, cujos planos conhecemos através do garoto que morreu carbonizado (ele foi para o inferno, óbvio). Ah, e Satã tem um caso amoroso com Saddam Hussein.

Como o roteiro consegue equilibrar uma história progressivamente sem-noção sem jamais perder a coerência eu só posso creditar a pura genialidade, que fica ainda mais clara quando acompanhamos os números musicais. “South Park” é, para vergonha (ou orgulho, não sei) de seus irmãos de gênero, um musical, e um dos pouquíssimos onde quase todas as canções são, de fato, ÚTEIS para a história e, principalmente, memoráveis. É um filme que possui a esperada profusão de canções do gênero, mas que jamais se cansa ou perde o pique por causa delas. As canções são muito diferentes umas das outras e cada qual é dotada de personalidade e complexidade, com uma construção de letras inacreditável. Esse é um dos poucos musicais onde eu fico ansiosamente esperando pela próxima música, e ela jamais desaponta! E isso fica como aviso para que o filme seja assistido APENAS na versão original; é seguro que uma dublagem, seja qual for o idioma, matará tanto as letras quanto os diálogos – responsáveis por praticamente todo o humor da obra.

Quando partimos para as menores coisas, os pequemos detalhes, encontramos mais uma miríade de idéias e grandes sacadas. São pequenos “easter eggs” que detectamos através de uma maior atenção nas cenas, seja na inscrição da camisa de uma das centenas de figurantes ou nas coreografias anárquicas de cada número (em “M’kay”, temos duas crianças brincando na máquina de esculturas em argila, mas a posição da câmera e dos personagens é tal que uma dessas crianças parece ejacular sobre a outra, quando se trata da máquina expelindo argila). O que surpreende é como essas aventuras artísticas são feitas sobre uma animação rude, para dizer o mínimo. Quem conhece South Park (se não conhece, nos primeiros segundos do filme já terá a ideia) sabe que o estilo da animação é tosquíssimo, com os personagens parecendo recortes de papelão colorido se movimentando através de stop-motion (o próprio filme zomba disso em uma das cenas iniciais). Ainda assim, ele consegue produzir coreografias ricas e algumas cenas de genuína beleza visual (o desfecho ou a batalha entre norte-americanos e canadenses, para citar algumas). Uma vergonha para a maioria das animações atuais de CGI, com seus orçamentos anabolizados e suas divulgações dependendo de renomes ultrapassados (ouviu, Pixar?).

Mas “South Park” não é perfeito, embora tenha chegado tão perto! Dói-me no coração cortar alguns décimos do filme pelo perceptível desnível do roteiro após seu  trigésimo ou quadragésimo minuto (após Eric Cartman ter o chip “anti-palavrão” implantado na cabeça). Embora ainda muito competente, e com um desfecho tão perfeito quanto descabido, não há como comparar o terceiro ato com os dois primeiros, que começaram tão cheios de energia e capazes de quase me levar a um ataque cardíaco, tamanha a intensidade de meus risos. É inegável que o filme perde força e que algumas piadas rapidamente esgotam seu teor cômico (o Satã gay se torna enfadonho justamente pela repetição excessiva e demasiada importância que o roteiro lhe resolve conferir à narrativa). Isso não diminui de forma alguma o triunfo da obra, mas a impede de atingir o “10” perfeito que eu tão desesperadamente desejo dar aos filmes que me agradam com tamanha intensidade.

“South Park” é um dos filmes que fazem o cinema valer à pena, que injetam uma nova dose de ânimo em meio a uma profusão de obras descartáveis. Ele é um dos Grandes, um dos Titãs, embora sua narrativa seja a menos ortodoxa possível. Como peça de sátira, é uma das obras mais poderosas e desconfortáveis já produzidas. Como musical, é um dos filmes que te levará a adquirir o CD ou baixar suas canções e ficar ouvindo-as ad infinitum. Como comédia, ele é capaz de matar os de coração mais fraco, como quase fez comigo. Resumindo: não há qualquer motivo para alguém se recusar ou deixar de vê-lo, a não ser que tal pessoa não goste de uma boa gargalhada. Ou que tenha um mínimo de pudor, é claro.

NOTA: 9,5

3 comentários:

  1. Podem me esculachar......adorei, o filme.

    Nunca vi a série.

    O filme realmente é de matar de rir.

    Imperdível

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  2. amo esse filme *---* já vi milhões de vezes,ja gravei todas as falas tbm XD

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  3. Se não me engano já passou no SBT uma vez e dublado, mas as canções foram (mal) legendadas.

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