O quão engraçado é “South Park: Maior, Melhor & Sem
Cortes”? Bom, digamos apenas que com dez minutos de filme eu estava rolando em
minha cama com lágrimas nos olhos, espremendo um travesseiro contra a boca para
que os vizinhos não ouvissem minhas gargalhadas ferais (era meia-noite). Por
volta do quadragésimo minuto, quando o filme começaria a perder fôlego, eu
estava rindo tão incontrolavelmente que sentia convulsões em meu pescoço até
meu abdômen (primórdios de câimbra) e meu coração parecia inflado pela pressão
sanguínea do meu corpo. Não se enganem: este filme é facilmente um dos mais
engraçados de todos os tempos – por mais que eu pense, não consigo encontrar
rival para ele em teor cômico nos últimos 30 anos. Ele é satanicamente hilário,
tanto porque seu humor é proporcional ao nível de profanação que os roteiristas
Terry Park Matt Stone e Pam Brady ousaram injetar na obra, atingindo patamares de
uma ousadia quase sem noção.
Diz-se que os criadores da série, Terry e Matt, passaram boa
parte da adolescência divididos entre o bullying
e a obscuridade, inconformados com uma sociedade que eles viam, como Matt
descreveria no documentário “Tiros em Columbine”, como “imensamente chata, onde
nada acontecia ou mudava”. “South Park”, então, seria a obra com a qual esses
rejeitados poderiam exorcizar seus demônios e se vingar de uma sociedade
estúpida. Pessoalmente, não consigo imaginar vingança mais bem executada:
“South Park”, o filme, carrega tal nível de raiva e profanação adolescentes que
até mesmo ateus tremem diante das coisas que o filme faz com figuras como Jesus
Cristo, religião ou qualquer conceito tido pela maioria como “sagrado” ou
“inquestionável”. Eu tremi, e ri ao mesmo tempo. Ainda assim, por baixo de sua
(extensa) camada de zombaria e escárnio, “South Park” carrega um teor crítico
que intimida pela sua profundidade e alcance, conseguindo atacar virtualmente
tudo que está errado (ou que o filme acusa como errado) na sociedade
contemporânea. A genialidade pura desta produção é confirmada quando vemos a
técnica irrepreensível, desde a animação calculadamente tosca (mas
impressionante pelo grau de detalhamento), o inacreditável timing cômico e, claro, os números musicais, que estão entre os
melhores da história do cinema.
Uma coisa é certíssima: esse filme não é universal. Não por
problemas na qualidade, mas porque ele mesmo declara guerra a uma enorme
parcela do público logo em seus primeiros minutos (aliás, não se pode esperar
coisa boa de um filme que exibe no título, como troféu, as palavras “sem
cortes”). Se você não tiver uma mente absolutamente aberta, sem apego
considerável a nenhum conceito ou crença deste ou do “outro mundo”, este filme
o ofenderá. Em dois minutos, temos um dos personagens principais brincando de
chutar o próprio irmão (um bebê, claro) pela janela da casa. Noutro momento,
somos embalados por uma canção inteiramente composta de palavrões (“Uncle Fucka”), sobre dois personagens se
acusando de transar maniacamente com porcos e com os próprios tios. E os diálogos
chegam a níveis que, entre os soluços e as lágrimas do riso, o pobre espectador
leva a mão à boca, com peso na consciência e em choque, dizendo a si mesmo:
“Meu deus, não acredito que eles fizeram isso!”. Foi a minha reação diante de
um diálogo excruciantemente hilário sobre clitóris e Jesus Cristo.
Este filme aposta em um nível de nonsense que deixaria os Monty Phyton orgulhosos e faria de “O Simpsons – O Filme” (obra que considero
muito competente) ou “Borat” (essa
nem tanto) produtos para crianças pré-escolares. Iniciamos com os nossos
personagens principais (o grupo de crianças mais depravadas que você irá
conhecer) ansiosos para assistir a um filme com dois comediantes canadenses
boca-suja. O filme é proibido para menores devido ao alto teor de “linguagem
má”, mas nada impede que os guris se infiltrem na sala. Como é de se imaginar,
eles saem da sessão com toda a experiência “boca sujística” que poderiam
aprender, disseminando-a entre os colegas e causando furor na cidade. A
situação piora quando uma das crianças tenta imitar uma cena da obra e acaba se
queimando até a morte, para a revolta dos pais, que iniciam um movimento
proibindo tudo que é canadense (“Blame Canada!”) e prendendo os dois comediantes. A situação leva a uma crise
entre os EUA e seu grande vizinho do norte, culminando na pena capital aos
comediantes e em uma guerra aberta entre as nações. Mas, ao que parece, tudo
isso faz parte de uma grande profecia religiosa envolvendo o retorno de Satã,
cujos planos conhecemos através do garoto que morreu carbonizado (ele foi para
o inferno, óbvio). Ah, e Satã tem um caso amoroso com Saddam Hussein.
Como o roteiro consegue equilibrar uma história
progressivamente sem-noção sem jamais perder a coerência eu só posso creditar a
pura genialidade, que fica ainda mais clara quando acompanhamos os números
musicais. “South Park” é, para vergonha (ou orgulho, não sei) de seus irmãos de
gênero, um musical, e um dos pouquíssimos onde quase todas as canções são, de
fato, ÚTEIS para a história e, principalmente, memoráveis. É um filme que
possui a esperada profusão de canções do gênero, mas que jamais se cansa ou
perde o pique por causa delas. As canções são muito diferentes umas das outras
e cada qual é dotada de personalidade e complexidade, com uma construção de
letras inacreditável. Esse é um dos poucos musicais onde eu fico ansiosamente
esperando pela próxima música, e ela jamais desaponta! E isso fica como aviso
para que o filme seja assistido APENAS na versão original; é seguro que uma
dublagem, seja qual for o idioma, matará tanto as letras quanto os diálogos –
responsáveis por praticamente todo o humor da obra.
Quando partimos para as menores coisas, os pequemos
detalhes, encontramos mais uma miríade de idéias e grandes sacadas. São
pequenos “easter eggs” que detectamos
através de uma maior atenção nas cenas, seja na inscrição da camisa de uma das
centenas de figurantes ou nas coreografias anárquicas de cada número (em “M’kay”, temos duas crianças brincando na
máquina de esculturas em argila, mas a posição da câmera e dos personagens é
tal que uma dessas crianças parece ejacular sobre a outra, quando se trata da
máquina expelindo argila). O que surpreende é como essas aventuras artísticas
são feitas sobre uma animação rude, para dizer o mínimo. Quem conhece South
Park (se não conhece, nos primeiros segundos do filme já terá a ideia) sabe que
o estilo da animação é tosquíssimo, com os personagens parecendo recortes de
papelão colorido se movimentando através de stop-motion
(o próprio filme zomba disso em uma das cenas iniciais). Ainda assim, ele
consegue produzir coreografias ricas e algumas cenas de genuína beleza visual
(o desfecho ou a batalha entre norte-americanos e canadenses, para citar
algumas). Uma vergonha para a maioria das animações atuais de CGI, com seus
orçamentos anabolizados e suas divulgações dependendo de renomes ultrapassados
(ouviu, Pixar?).
Mas “South Park” não é perfeito, embora tenha chegado tão
perto! Dói-me no coração cortar alguns décimos do filme pelo perceptível
desnível do roteiro após seu
trigésimo ou quadragésimo minuto (após Eric
Cartman ter o chip “anti-palavrão” implantado na cabeça). Embora ainda muito
competente, e com um desfecho tão perfeito quanto descabido, não há como
comparar o terceiro ato com os dois primeiros, que começaram tão cheios de
energia e capazes de quase me levar a um ataque cardíaco, tamanha a intensidade
de meus risos. É inegável que o filme perde força e que algumas piadas
rapidamente esgotam seu teor cômico (o Satã
gay se torna enfadonho justamente pela repetição excessiva e demasiada
importância que o roteiro lhe resolve conferir à narrativa). Isso não diminui
de forma alguma o triunfo da obra, mas a impede de atingir o “10” perfeito que
eu tão desesperadamente desejo dar aos filmes que me agradam com tamanha
intensidade.
“South Park” é um dos filmes que fazem o cinema valer à
pena, que injetam uma nova dose de ânimo em meio a uma profusão de obras
descartáveis. Ele é um dos Grandes, um dos Titãs, embora sua narrativa seja a
menos ortodoxa possível. Como peça de sátira, é uma das obras mais poderosas e
desconfortáveis já produzidas. Como musical, é um dos filmes que te levará a
adquirir o CD ou baixar suas canções e ficar ouvindo-as ad infinitum. Como comédia, ele é capaz de matar os de coração mais
fraco, como quase fez comigo. Resumindo: não há qualquer motivo para alguém se
recusar ou deixar de vê-lo, a não ser que tal pessoa não goste de uma boa
gargalhada. Ou que tenha um mínimo de pudor, é claro.
NOTA: 9,5
Podem me esculachar......adorei, o filme.
ResponderExcluirNunca vi a série.
O filme realmente é de matar de rir.
Imperdível
amo esse filme *---* já vi milhões de vezes,ja gravei todas as falas tbm XD
ResponderExcluirSe não me engano já passou no SBT uma vez e dublado, mas as canções foram (mal) legendadas.
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