Assistir a esse terceiro e inexplicável “Madagascar” foi uma
experiência repugnante, na minha análise mais sutil. Foi um atentado contra três níveis de minha dignidade: a pessoal, a de consumidor e a de
cinéfilo. Durante toda a sessão, eu não via um filme; eu via um grupo de produtores
gananciosos sacudindo sacos de dinheiro na minha frente e rindo enquanto
cuspiam na minha cara: “Você esperava o
quê, otário?! Ora, f#da-se! Nós já temos o seu dinheiro, pouco nos importa o
que você fará durante a sessão! Idiota!”. “Madagascar 3” falha tanto como
filme quanto como produto comercial. Que indigno fim para aquela que prometia ser,
no mínimo, uma franquia divertida.
Não que eu não tivesse visto o golpe se aproximando: antes
desta atrocidade, a DreamWorks, o estúdio de animação mais irregular do mundo,
nos havia brindado com o inexplicavelmente inútil, mas ocasionalmente
divertido, “Madagascar 2”. Mesmo o primeiro filme, de longe o mais coeso e
divertido dos três, tinha seus momentos vergonha-alheia e suas passagens de
humor forçado (quase todos com o insuportável Rei Julian). “Madagascar 3”,
entretanto, marca a transição completa de “produção descompromissada” a “exploração
comercial”, sendo sua única razão de existência atrair o dinheiro do público
infantil e dar o fora antes que os pais percebam quão imensa é a porcaria com
que eles estão alimentando suas crianças.
Isso, é claro, se comprarmos a ideia de que crianças são
seres acéfalos que se hipnotizam por cores brilhantes, animais fofinhos e
canções de Katy Perry.
A primeira coisa curiosa que chama a atenção é o título.
Sim, começar falando do título neste filme é como reclamar primeiro das dores
de cabeça ocasionadas por um tumor cancerígeno no cérebro, e não do tumor em
si. Ainda assim... por que “Madagascar”? Desde o segundo filme, o último lugar
do mundo que a trupe de animais-protagonistas visita é a bendita ilha! Ainda
que no segundo filme isso fosse mais ou menos engolível (não é difícil imaginar
que, na cabeça de um produtor norte-americano, Madagascar e a África
continental são tudo a mesma coisa), aqui é totalmente ridículo dar um título a
cuja única referência é feita em uma cenazinha final! O filme se passa em Mônaco, Itália, Inglaterra e Estados Unidos: tudo a
ver com aquela ilha ao sudeste africano!
Tratada a dor de cabeça, vamos ao câncer em si: “Madagascar
3” se inicia descartando, de modo nada sutil, toda a continuidade da série – o que
reforça um caráter episódico típico dos mais baratos shows televisivos.
Começamos onde o filme anterior (supostamente) parou: com a trupe de amigos na
África e os pinguins mafiosos viajando até a Europa em seu avião de bambu
movido a macacos (fuck logic!).
Entretanto, neste filme, o leão Alex está desesperado para sair do continente e
voltar à Nova Iorque, contando os dias para os pinguins voltarem e tirarem-nos
dali. Todos os animais também estão insatisfeitos e resolvem ir até Monte
Carlo, onde os pinguins se encontram, e pedir que eles os levem a Nova Iorque.
Ignoremos o fato de os animais conseguirem sair do sul da África até a Europa
em uma única transição de cenas, mas não conseguirem de maneira alguma sair da
Europa até os EUA. Isso é o de menos. Afinal, onde estão os pais de Alex, sobre
os quais o filme anterior fez tanto drama?! Porque os animais, que no segundo
filme decidiram ficar na África por livre e espontânea vontade, aparecem logo a
seguir desesperados e sedentos pela América, como se a África tivesse sido a
pior coisa que já aconteceu a eles?! E onde raios foi parar aquela relação
tosca entre Melman e Glória, que aqui se resume apenas a uns “meu benzinho” e a
uma situaçãozinha ridícula de Melman aprendendo a dançar?! “Madagascar 3”
empenha-se de maneira religiosa a destruir o frágil canon da série em prol de situações que maximizem seus lucros com o
público infantil: ora, temos que botar um circo no meio, é claro! Crianças
adoram circos!!
Mas o filme tem consciência de suas próprias trapaças e, por
isso mesmo, tenta justificá-las ao se fazer de “diversão descompromissada”.
Essas justificativas aparecem nas situações onde os personagens, sempre de
maneira forçada, apontam as falhas do próprio roteiro (ou apenas as falhas que
os produtores têm vontade de admitir), sendo a melhor delas a do pinguim
explicando porque ter gasto o dinheiro com um circo se a mesma quantia poderia
ter-lhes comprado quantos aviões quisessem! Mas essas são apenas tentativas mal
disfarçadas, pois o filme embarca em outro comercialismo que anula qualquer
pretexto “besteirol” da obra: a “mania de profundidade”. Chamo disso a mania
dos filmes (animações em particular) em adotar temas sentimentais e moralistas
para ensinar algo às crianças – por mais clichê que seja. No fundo, são apenas
tentativas falhas de se imitar a Pixar em seus tempos de glória, de dar uma
dimensão mais “séria” às obras. É claro, isso falha quase sempre.
“Madagascar 3”, porém, é prodigioso neste defeito, pois ele
não tem apenas algumas quedas pseudo-sentimentais. Ele tem várias! Sério: o
filme cospe motes sentimentalóides na mesma velocidade que os abandona! Cada
personagem tem seu “conflito pessoal”: Alex e sua nostalgia irrefreável por
Nova Iorque (uma situação mencionada apenas duas vezes e abandonada
completamente no meio do filme), Melman e sua inabilidade na dança (ao todo,
esse conflito não dura quinze minutos), o tigre Vitaly e seu medo do fracasso
(algo tão pontual que só é salpicado aqui e ali), a relação entre Alex e a onça
Gia (algo do tipo Po & Tigresa, só que sem sutileza ou desenvolvimento ou
motivo ou carisma ou relevância), a lealdade ao circo (era para ser o tema central,
mas só é mencionada umas três ou quatro vezes), etc. Esse filme é uma
metralhadora de moralismos, inventando e descartando novas ideias e situações
mais rápido do que uma pessoa com síndrome de déficit de atenção!
E como alguém conseguiria defender esta produção diante de
uma cena como a apresentação do circo em Londres, em um show de cores e pirotecnia
ao som de Katy Perry?! Your honor, I rest
my case! Depois disso, não resta qualquer dúvida que esta produção é
exploração comercial em sua fase mais deprimente. Seus produtores, diretores,
atores, ninguém é um artista ou possui qualquer intenção de sê-lo; são apenas
garimpeiros correndo atrás de ouro ou vendedores de hipotecas subprime tentando passar o peixe podre
ao primeiro coitado que encontrarem! No terceiro ato, só faltava a Katy Perry
aparecer e urgir ao público que comprasse seu mais novo CD, enquanto dança com
os animais em um espetáculo de balões coloridos, confetes e irrelevância.
E o humor deste filme... oh, céus! Se pelos menos em “Madagascar
2’ eu conseguia contar nos dedos o números de piadas engraçadas, aqui eu não
precisei deles. O filme todo tem duas ou três piadas
dignas, quase todas envolvendo a (desnecessária) vilã DuBois e NENHUMA envolvendo os
pinguins (desde que a franquia decidiu pô-los em foco, toda a graça dos
personagens foi sugada, amassada, jogada em álcool-gel e incinerada). Das demais
piadas, 60% são simplesmente um tiro na água, 10% são localistas e datadas
(apenas um norte-americano, ou alguém que saiba muito sobre a cultura do país,
será capaz de entendê-las) e as outras 30%, quando as anteriores falham, são escatologias
e gags visuais escritas por uma criança. Isso mesmo: a DreamWorks reverte ao
seu estado primitivo e põe personagens vomitando ou dançando ou fazendo
macacadas, na tentativa de extrair ao menos um sorriso do público. De mim, nem
mesmo um sorriso de pena ela conseguiu.1
Supõe-se que sempre há alguma coisa a ser salva em um filme.
Ter sempre tem, sem dúvida, mas é incrível como aqui há tão pouco! Eu poderia
apelar para a parte técnica, mas absolutamente nada nela chama a atenção (a qualidade
da animação, aliás, está abaixo da média). O design dos novos personagens (que
se apoia em proporções exageradas e traços de rosto bem definidos) é dolorosamente
clichê e ultrapassado, parecendo um improviso tosco sobre a arte de Formiguinhaz. Mas os personagens em si
são... err, legaizinhos, eu acho. A DreamWorks merece certo crédito por saber
construir personagens um tanto convincentes, que pelo menos conseguem algum
grau de empatia com o público, por pior que seja o filme. Mas, pensando bem,
talvez seja pelo fato de já termos acompanhado o quarteto principal durante três
filmes que a afinidade resultante impulsiona nossa estima por eles. Os
personagens inéditos são, no máximo, simpáticos. Em média, irritantes (aquela
foca-palhaço... aff!).
“Madagascar 3” é aquele circo mambembe que chega de repente
em sua cidade, maltrata animais, possui equipamento do século passado e que cobra
o suficiente para conseguir um lucro rápido, desaparecendo sem deixar notícias.
E como o sucesso desta obra ainda está garantido, podem-se esperar mais
exibições no futuro. Um triste destino para uma franquia cuja única qualidade
agora é o fato de ter atingido o fundo do poço, não podendo ficar pior. Belo consolo...
NOTA: 3,0
1Alguém, aliás, poderia me explicar o que foi
aquela relação amorosa entre o Rei Julian e a ursa de circo?? Era para ser
engraçado ou o quê?!
Olá Diogo, estou aqui para avisar que o assistirfilmesdecinema.blogspot.com voltou. Como vc é nosso membro gostaríamos de vê-lo participando de nosso blog novamente. Abraços.
ResponderExcluirA.F.C.