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sábado, 15 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2012)


Quem acessou este texto já deve ter uma idéia bem firme do seu objeto de análise, então dispenso quaisquer introduções. Se antes a grande dúvida dos cinéfilos era saber o quão bom seria “O Hobbit”, agora, dadas as péssimas críticas que ele vem recebendo, a dúvida é se o filme é mesmo tão desapontador. Então: “O Hobbit” é desastre? Bom, eu não chamaria assim. É um filme bom, na verdade, e eu agüentei suas alardeadas três horas de duração (duas e cinqüenta, para ser exato, com estonteantes vinte minutos de créditos finais!) com tranqüilidade. Fiquei até com um gosto de “quero mais”, pois a última hora empolga (mas não muito). “O Hobbit” é um filme bom, razoável, mas essa é a questão, não é? Se fosse um produto independente, só mais uma tentativa de Hollywood em emplacar um sucesso “original”, ele mereceria certa aclamação. Infelizmente, não é. Estamos falando de um herdeiro de “O Senhor dos Anéis”, o mais ambicioso, épico, icônico e megalomaníaco exemplar cinematográfico de fantasia em... bem, acho que é seguro dizer “de todos os tempos”! Você conhece a história. Você conhece o franquia. E sabe que “O Hobbit” não pode ser um filme meramente “bom”. Ele não tem esse privilégio. Ou é um filme tão fenomenal quanto, ou é uma decepção absoluta. Sob este prisma, não tenho dúvida em afirmar que ele é este último.

Sim, “O Hobbit: Uma Aventura Inesperada” é um fracasso.

E o que mais dói é que todos os problemas da obra, ou a maioria, se concentram em basicamente um ponto: a edição. Sua duração (arredondemos para três horas) já é um convite ao desperdício, uma decisão desde o início malfadada. Tenho aqui, ao lado do teclado, a coletânea “de bolso” (balela: apenas um bolso para iPad pode comportá-la) de “O Senhor dos Anéis”: 1013 páginas de letras minúsculas, não incluindo as 120 páginas de apêndices e mapas. Também tenho a edição normal de “O Hobbit”: trezentas páginas com uma história leve e despretensiosa, editada com bom espaçamento e tamanho agradável de letra (excluo, novamente, apêndices e ilustrações). Ambas as obras ganharam uma trilogia de cinema, com três horas para cada filme. Faça a matemática: com “O Hobbit”, é como diluir uma xícara de café em dois litros de leite.

Acho que os “tolkianos” mais hardcore também concordarão comigo neste ponto: “O Hobbit” não só é menor como é imensamente mais simples que seu primo crescido. É uma história infantil, pelo amor de Ilúvatar! Uma ótima história infantil (Shakespeare para crianças), mas sem jamais justificar uma empreitada nessas dimensões. As três horas que Jackson dedica às primeiras cem páginas seriam mais do que suficientes para contar a história inteira, se o diretor não tivesse perdido (ou negligenciado) o divino dom da concisão. Sim, “Uma Jornada Desesperada”... digo, “Inesperada”... é fruto de um diretor que recebeu dinheiro demais e supervisão de menos, muita liberdade e pouca - se é que alguma - oposição. O passado está cheio de exemplos do quão desastroso isso pode ser. Cimino que o diga.

Jackson, o Deus, já mostrou em seu filme anterior (o incompreensível e desnecessário “Um Olhar do Paraíso”) que podia sangrar. Aqui, ele retorna ao patamar de “mortal”. Uma pena. Mesmo: devo lembrar que o diretor é um dos meus mais queridos e uma de minhas maiores inspirações de vida. Alguém que dirigiu produções com orçamento inexistente e se tornou um dos mais influentes senhores de Hollywood. O título “A WingNut production” que hoje sobe nos créditos iniciais de “Uma Jornada...”, esse gargalho de 230 milhões de dólares (quase o valor da trilogia “O Senhor dos Anéis”), é o mesmo que subia nos de “Bad Taste” - um filme ruim, mas cheio de energia. Mas a tentação do sucesso e do dinheiro, assim como a do Um Anel, corrompe e desfigura. Aqui, Jackson está mais para um Gollum solitário e deprimente do que o gênio que adaptou a mais inadaptável das obras.1

É furada a explicação de que a trilogia é necessária por causa dos apêndices inseridos na narrativa, e por um motivo óbvio: poucos deles contribuem de fato à trama. O roteiro pode apenas inseri-los nos diálogos para incrementar a mitologia e o maior efeito será o de provocar orgasmos nos fãs mais assíduos.2 Enfim, nenhuma utilidade prática. Como Jackson continua um bom diretor e as cenas, individualmente, são bem escritas, o que resta em “Uma Jornada...” é mais inútil do que cansativo: os personagens cantando baladas da Terra-Média, narrações inteiras tiradas do livro, trolls tentando cozinhar, flashbacks forçados e infinitos establishing shots que funcionam como a mais cara propaganda turística do mundo.

Jackson preocupa-se tanto em entulhar o filme que despreza a elegância do produto final. O roteiro é burocrático e abusa do diálogo expositivo, parecendo trabalho de um amador! Lembram-se do momento mágico que foi a abertura de “A Sociedade do Anel”? A narração misteriosa e suave de Galadriel sobre uma montagem minimalista, cuja maior extravagância foi a batalha contra Sauron? Ainda a considero uma das aberturas mais poderosas do cinema, então vocês podem imaginar (e irão sentir!) a minha dor ao ver a forma horrível com que “Uma Jornada...” é iniciada: dez minutos com uma narração ininterrupta de Martin Freeman detalhando uma cena que, no fim das contas, nem era tão necessária assim. Em “O Senhor dos Anéis”, flashbacks e referências eram executados através de cortes rápidos ou somente por diálogos. Aqui, com todas as bênção de um orçamento tão generoso quanto o tesouro de Smaug, eles ganham cenas inteiras! A batalha dos anões contra as hordas de Azog, o Orc Branco (um vilão genérico) e o encontro de Radagast com o Necromante são ótimos materiais para extras de DVD, mas não para o lançamento comercial. Precisávamos mesmo de uma cena inteira sobre trolls discutindo culinária? Ou sobre Gigantes de Pedra que se digladiam sem motivo algum (Síndrome de Transformers)? Ou sobre anões lavando louças?

“O Hobbit” é um livro infantil (o que já faria dele um filme leve mesmo se Jackson o tivesse resumido a um único exemplar), mas “Uma Jornada...” beira o infantilóide - boboca mesmo. Há quem o compare com “A Ameaça Fantasma”, e por vezes o próprio diretor insiste na comparação: o mago Radagast é uma versão mais tolerável de Jar Jar Binks, e muito mais útil (ora, ele ao menos salva os protagonistas); o Rei dos Goblins é um monstro falante de voz afeminada e afeito a piadinhas cujo físico parece cópia de Rugor Nass, o rei dos Gugans. Ao retratar a transformação da Floresta Negra, Jackson apela e faz do filme uma programação “Discovery Kids”, mostrando animaizinhos fofinhos morrendo enquanto Radagast, ele mesmo um personagem cartunesco, tenta curá-los.

Só resta ao filme uma retórica desesperada. Tenta-se, sem sucesso, transformá-lo em algo mais épico que é, e isso rende um bocado de momentos “vergonha alheia”. Se em “A Sociedade do Anel”, a descoberta (pelo público) de Valfenda foi um evento mágico, aqui ele é cafona: Jackson passeia com sua câmera pelos mesmos cenários como se fosse a primeira vez, crente de que o público sofreu um ataque de amnésia, enquanto Howard Shore nos ataca com uma trilha que faria a de “O Cavalo de Guerra”, de John Williams, parecer sutil. É de uma breguice sem tamanho! O pior momento é quando, numa tentativa óbvia de recriar os grandes duelos de “O Retorno do Rei”, o anão Thorin se enfrenta com seu arquiinimigo Azog. Tudo em câmera lenta, claro, ao som de uma trilha repetida, enquanto os demais personagens observam em forçada estupefação. Lembrei-me instantaneamente dos velhinhos marinheiros de “Battleship”, assumindo o controle do navio-título e “salvando do dia”. Ainda estou corado de vergonha.

Para adicionar insulto à injúria, mesmo o resplandecer técnico que fez o nome de Jackson e de sua trupe está apagado, na melhor das hipóteses, ou profanado, na pior. Em “O Senhor dos Anéis”, Jackson equilibrava efeitos de primeira com um orçamento controlado, o que dava lugar para muita improvisação. Havia muito CGI, mas também muita maquete, muito trabalho feito à mão, “na tora”. Era o cinema corajoso e experimental, permeado pela maravilhosa cultura do “se vire”. Em “Uma Jornada...”, Jackson piora o que havia começado em “King Kong” e converte o filme inteiro em um programa de computador, no ponto em que eu me peguei pensando se não seria muito mais fácil, barato e conveniente transformá-lo logo em uma animação! A plástica intensiva de CGI a qual “O Senhor dos Anéis” é submetido deixa irreconhecíveis alguns elementos icônicos: por exemplo, quem são os orcs deste filme?! A maquiagem estupenda da trilogia anterior dá lugar a corpos inteiramente digitalizados, transformando-os em klingons! O Orc Branco parece um cruzamento entre o Engenheiro de “Prometheus” e Voldemort!

No quadro geral, embora haja virtudes a serem louvadas (a atuação de Martin Freeman, que mistura Steve Buscemi e Woody Allen em seus trejeitos), “Uma Aventura...” é um enredo estendido ao ponto de ruptura. Quase nenhuma situação, por mirabolante que seja, contribui para a trama central (a Comitiva tentando reconquistar Erebor): a visita a Valfenda, o confronto com os goblins e com os orcs, tudo deixa um gosto amargo de tempo perdido e explica a incapacidade da obra em emplacar uma única cena memorável (o encontro entre Bilbo e Gollum não se sobressai por méritos próprios, mas pela inevitável carga emocional deste último personagem, o mais icônico de toda a mitologia “Tolkiana”3). “Uma Jornada Inesperada” é melhor resumido em uma simples pergunta, e a que todos se farão quando surgirem as palavras “Directed by Peter Jackson”: isso foi mesmo necessário?

A resposta é óbvia.

NOTA: 6,0

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Notas Finais: o 3D e o 48fps

Não bastasse o inchaço do roteiro, “Uma Jornada...” é uma overdose de tecnologia. Peter Jackson é como uma criança a quem permitiram comer todos os doces de uma loja: ele se esbalda! Fui forçado a assistir ao filme em 3D, pois os cinemas de minha cidade não receberam cópia “normal”. Que posso dizer? Quanto mais vejo esta tecnologia, mas a odeio. Costumo tirar os óculos durante a sessão tanto para aplacar a irritação dos olhos quanto para calcular a luminosidade perdida. Não bastasse ser inútil (costumo dizer que o único momento impressionante com 3D são as logomarcas das produtoras), a tecnologia suga ao menos 50% da luminosidade e encarece o valor do ingresso na mesma porcentagem. Para um avarento inveterado como eu, pagar mais por um truque barato e infantil que só empobrece a experiência e dá coceira nos olhos é enlouquecedor!

Sobre o modelo 48fps não posso discorrer muito. Não há salas adaptadas em minha cidade e o máximo sobre o que posso opinar é com base neste trailer divulgado na internet: http://www.48fpsmovies.com/The_Hobbit_An_Unexpected_Journey_Trailer.mp4. Sim, o formato parece estranho e desagradável. Parece que entramos no set e estamos lado a lado com os atores. Infelizmente, isso está longe de ser bom: o 48fps mata a suspensão da descrença e, por mais que queiramos, não conseguimos acreditar no que vemos. Não sei se, após uma hora ou duas, nosso olho se acostuma ao formato - pelo que dizem, parece que não.

Tudo indica que o 48fps fracassará. Todas as inovações do cinema, a despeito de algumas vozes contrárias, foram recebidas com excitação e não demoraram em se tornar regra. Foi assim com o som, com as cores e com o IMAX. O 48fps segue caminho inverso: a maioria esmagadora desaprovou (quando não detestou) o resultado e apenas alguns escolares do cinema o defendem. Não se surpreenda, portanto, se a nova trilogia de Jackson for seu único exemplar.


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Anotações

1 Estou sendo hiperbólico;
2 Há cenas, como a reunião entre Gandalf e Saruman, retiradas dos apêndices, mas elas só divergem a atenção e diluem a já frágil trama central;
3 No âmbito do cinema.

6 comentários:

  1. Não acho que O Hobbit seja um fracasso - pelo contrário, gostei muito! Minha nota para o filme é 8! Análise muito pessimista. A cena dos trolls foi conveniente para explicar em detalhes por que na 1a parte da trilogia aparece um troll petrificado. O início não chega aos pés do início da Sociedade do Anel, que foi perfeito, mas mesmo assim, achei bem feito. Só fiquei frustrado no final, pq não sabia que o livro ia ser dividido.

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  2. Eu gostei muito desse filme e ainda estou ansioso para ver a continuação. Acho que seu problema foi o excesso de expectativa! rsrs
    Feliz Natal!

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    http://algunsfilmes.blogspot.com.br/

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  3. cara como sempre vc fez a critica prescisa e ótima , bom eu sempre tive um problema com senhor dos aneis no meu caso com fãs arrogantes (tão estupidos quanto os de crepusculo) que achavam superior a star wars, superior a alien , superior a stanley kubrick etc e etc fui hoje ver o hobbit e quero deixar meu sofrimento aqui , não sei se pela projeção da sala ( um problema que vc caro diogo enfrentou em valente o filme da disney)eu só vi um borão que se alterava entre cenas o 3D FOI confuso e desastroso , bem quanto meu problema pessoal com a série eu deixei de lado e me concentrei no filme , eu não estava aguentando a demora dos dialogos achei o filme parado , lento , moroso e quis ligar o celular (afinal a projeção estava escura e confusa) sem brincadeira gente um sujeito vestido de bilbo bolseiro veio até mim chingando de vários nomes obscenos pedindo pra mim desligar o celular imediatamente assim o fiz depois de uma discusão com o nerd idiota , eu achei a decepção do ano fique claro que eu esperava um filme bem menos arrastado e estatico do que o senhor dos aneis , hj foi a pior esperiencia que tive em um cinema desde de sombras da noite, transformes e rock of ages , o hobbit é esclusividade de fãs idiotas e sabem que a série deles não presta mesmo assim se julgam superior , o hobbit me fez pensar 2 vezes antes de ir no cinema

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    1. Excetuando-se suas ressalvas quanto a SdA, que eu adoro, concordo com tudo. O problema de imagem eu tambem experimentei, pois o filme fica anormalmente escuro com o 3D. Tirando e pondo os oculos, eu percebia a gritante diferenca e chorava pela imensa perda de brilho. E esse fas ("fan = short for fanatic") sao a pior coisa que pode existir nao soh em qualquer arte mas em qualquer meio de expressao. Eles sao uma vergonha humana. Criou-se a mentalidade de que soh obras ruins como Crepusculo podem ter fas insuportaveis, mas esse eh um fenomeno universal que mancha a reputacao mesmo das melhores obras. Triste, mas eh da natureza humana defender com unhas e dentes os mais estupidos dogmas e conviccoes, sejam eles religioes ou, pasme, obras de cinema.

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  4. Eu achei uma ofensa a memória de Tolkien,um mago puxado por coelhos? pelo amor de Deus!!!! Uma caricatura,sem falar na resolução da imagem,parceia de imagem de tv hd.Uma decapitação na entrada,uma completa bagunça com muita qualidade de efeitos? Nem tudo que parece bem feito é bom.Eu achei maravilhoso o Senhor dos Aneis,tenho a versão estendida acho fantástico.Foi com essa expectativa que fui ver essA AFRONTA.Fiquei ofendido,pois o livro não tem nada a ver com essa coisa,que me decepcionou demais,antes o Peter Jackson fosse o diretor de antes movido pelo coração e não pelo bolso,eu não sio de casa para ver qualquer continuação dessa coisa medonha,graças a Deus não levei meu filho,para mim não fizeram filme algum.Só considero o Senhor dos Anéis todos os três são maravilhas.Já isso nem quero lembrar!

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