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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Nova York, eu te amo (2009)


Reunir diretores de estilos e nacionalidades distintos sempre é um negócio arriscado, tal qual dar um tiro no escuro. Mas o resultado também pode tender muito mais para a positividade, como atesta Nova York, eu te amo (New York, I love you, 2009), uma compilação de dezenas de pequenos filmes sobre uma das cidades mais esquadrinhadas, analisadas, amadas, homenageadas, romanceadas e desejadas de todo o mundo. Presente em vários títulos, ela é a alma, o corpo e o coração de lindas histórias, contadas por uma seleção caprichada de atores e cineastas. Entre os nomes envolvidos na produção, figuram nomes que não são novaiorquinos, nem mesmo estadunidenses. Podem-se citar, por exemplo, o alemão de raízes turcas Fatih Akin (Do outro lado), os indianos Mira Nair (Feira das vaidades) e Shekar Kapur (As quatro plumas) e a israelense Natalie Portman (Closer – Perto demais). O filme é uma espécie de primo de Paris, te amo (Paris, je t’aime, 2006), que reuniu 23 curtas de 5 minutos para render graças a Cidade Luz. Parece que houve uma certa inveja dos moradores dos EUA, que motivou uma espécie de resposta à altura ao longa francês. Melhor para os cinéfilos, que se esbaldam com um grande apanhado do que há de melhor na safra recente de realizadores. Cabe afirmar, entretanto, que o resultado final de Nova York, eu te amo fica um pouco aquém do de Paris, te amo, talvez muito mais por questões de ordem subjetiva.

Enumerar detalhes e características de cada diretor e de cada história não é o escopo dessa crítica, mas algumas delas merecem ser comentadas. A primeira de todas traz uma envolvente competição entre os personagens de Hayden Christensen e Andy Garcia por uma mulher. Tudo começa em um táxi, veículo que reflete a pressa e o frenesi de uma grande metrópole. Ben (Christensen) acaba dividindo o carro com um desconhecido em uma tarde chuvosa. Depois, a história se encaminha para um bar, que serve de cenário para um divertido jogo de gato e rato entre os personagens. O segmento é dirigido por Allen Hughes, que, em parceria com seu irmão, foi responsável anteriormente por Do inferno (From hell, 2001). Para um início de filme, a história é bem simpática, e revela uma faceta algo malandra de Nova York.

Ao longo de seus 110 minutos de projeção, o filme exibe uma galeria de tipos que, em sua maioria, são memoráveis, e abre espaço para alguma pirotecnias narrativas e cênicas, e deixando espaço para intérpretes tarimbados realçaram seu traquejo para encarar papéis diferentes. Um outro curta que certamente chama a atenção do espectador é o que brinca com as idas e vindas de um relacionamento amoroso, e é protagonizado por Christina Ricci e Orlando Bloom. Os dois demonstram um bom entrosamento em cena, embora contracenem por apenas 1 ou 2 minutos. Presentes no segmento de Shunji Iwai, eles são velhos conhecidos de chamadas telefônicas, que só se encontram pessoalmente depois de uma série de pequenos desencontros. O lado mais passional da cidade que se encaixa em vários adjetivos e epítetos se revela aqui com toda a força, e é capaz de encantar um público ávido de romantismo e certa dose de idealização.



Um outro curta bastante interessante é protagonizado por Anton Yelchin, ator novato que vem conquistando espaço em Hollywood, vide a sua presença no elenco de O exterminador do futuro 4 – A salvação (Terminator 4, 2009). Ele vive um jovem que se envolve com uma garota paralítica, de quem está tomando conta para ajudar o pai dela. A paixão dos dois inicialmente apresenta contornos juvenis e hesitantes, mas o que se vê no início não é exatamente o que se concretiza poucos minutos depois. Decerto, esse filmete dirigido por Brett Ratner (Dragão vermelho, A hora do rush) é um dos mais surpreendentes de Nova York, eu te amo, pois subverte as expectativas que lança em seu prólogo. A direção de atores desse segmento é bastante eficiente, e ressalta o apuro dos roteiristas envolvidos em criar histórias consistentes.

A irregularidade é um detalhe que sempre se assinala em filmes episódicos, e é um dos clichês entre os críticos. Esse elemento aparece em Nova York, eu te amo, mas em uma escala muito pequena, insuficiente para comprometer o filme em sua macroestrutura. Como um todo, ele oferece uma sessão de qualidade para os apreciadores de uma boa história, e evoca a natureza múltipla de produções da década retrasada, como os painéis de diferentes horizontes orquestrados por Robert Altman em Short cuts – Cenas da vida (Short cuts, 1993) e Paul Thomas Anderson em Magnólia (Magnolia, 1999). Diferentemente desses dois, contudo, as trajetórias dos personagens de Nova York, eu te amo jamais se entrecruzam, tornando os cotidianos dos homens e mulheres de cada segmento um tanto estanque, para o bem e para o mal. Ainda assim, a coleção de curtas é uma experiência altamente válida e digna de atenção.

Em seu percurso pelas várias tramas costuradas sob o título acima, o público entra em contato com um dos aspectos mais sobressalentes da contemporaneidade: a fragmentação. Ao optar pela estrutura de pequeninas narrativas, os idealizadores do projeto trafegam pela via da obliteração de uma completude que já foi concebida e reclamada com mais intensidade em tempos precedentes. Cada um dos curtas tem duração inferior a 10 minutos, o que impede um apreço mais intenso por qualquer uma das histórias. Esse talvez seja o maior inconveniente do longa, em alguns momentos. Quando o espectador começa a se envolver com uma história, ele é abruptamente retirado dela, para conhecer uma nova, envolver-se rapidamente com ela, e deixá-la também, e assim sucessivamente. Vale ressaltar também que a palavra “amor”, evidente no título, assume diferentes camuflagens e análises, que endossam a riqueza do filme e reafirmam a sua condição de painel da multipolaridade humana no trato com esse sentimento.

Outro aspecto que salta aos olhos é a capacidade de mimetismo da cidade para abrigar os mais variados estilos de habitantes, trazendo novamente à tona uma peculiaridade dos grandes centros urbanos. Nova York é a urbe pulsante, o coração do mundo, com suas contradições e encantos, com seu lado deplorável e também com sua face encantadora. Como personagem que é, a cidade recebeu um olhar multilateral, e abriga pessoas em busca de um refúgio urgente para a coisificação do ser humano, caso da prostituta vivida por Maggie Q, que entra em um inteligente jogo dialético com o cliente em potencial vivido por Ethan Hawke, desmontando algumas convicções que já duram há muito sobre o amor. E também gente para quem o desalento alcançou níveis máximos, e que parece reclamar a companhia de seus iguais em alguma instância, tal qual demonstra a mulher desiludida de Julie Christie em seu encontro fortuito com o funcionário de um hotel encarnado com docilidade desconcertante por Shia LaBeouf. Ao acender das luzes desse poderoso exemplar de miscelânea audiovisual, pulsa no coração um sentimento de amor pela Nova York de cada um, que se materializa para além de qualquer referência espacial exata.

Nota: 8.0

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