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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (2010)

2010 foi um ano particularmente sofrível para os grandes blockbusters hollywoodianos. Em um inexplicável acesso de avareza e nenhum zelo com a qualidade, os produtores das grandes empresas aprovaram uma bomba atrás da outra, verdadeiras pérolas da ruindade: a onda começou com a cara e bagunçada adaptação de “Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo”, atingindo o fundo do poço com a decadência absoluta de Shyamalan e seu mais do que horrível “O Último Mestre do Ar” e coroando o show de horrores com o mais novo desastre de Nicolas Cage, “A Aprendiz de Feiticeiro” (que, aliás, manchou irreparavelmente o nome do clássico homônimo). Mesmo o fenomenal “A Origem”, de Christopher Nolan, uma das pouquíssimas exceções neste mar de podridão, Hollywood cometeu escorregões irreparáveis no primeiro ano da nova década. Entretanto, logo no fim do ano, quando se achava que nenhuma outra bomba poderia cair dos céus, somos “presenteados” com este terceiro filme da série “As Crônicas de Nárnia”, que é, de longe, o pior filme da série e um dos piores do ano (Shyamalan continua sendo páreo duro).

O que se dizer de “O Peregrino da Alvorada”? Mais do que uma obra confusa, atrapalhada, de um roteiro  porcamente escrito e sem nexo qualquer, este novo projeto dos estúdios Twenty Century Fox (que ocupam a marginalidade no quesito de bons projetos do cinema desde os anos 2000) é um câncer para a obra de C. S. Lewis, autor dos livros nos quais a série se inspira, e para todo o gênero da fantasia épica. Depois que o gênio Peter Jackson elevou todos os padrões do gênero com a trilogia de “O Senhor dos Anéis”, nunca mais se viu um muito bom filme de fantasia. Mas isso não é justificativa para o que o diretor Michael Apdet e toda a sua trupe demoníaca fizeram com este capítulo de “As Crônicas de Nárnia”. Mais do que um insulto a todos os fãs de uma das melhores obras fantásticas já escritas (Lewis era amicíssimo de Tolkien, criador de “O Senhor dos Anéis”), este tremenda e inexplicável porcaria não é capaz de atrair a atenção nem de crianças ou pré-adolescentes (público-alvo do filme), além de bagunçar completamente toda a alma e a magia da obra e uni-las todas em um único bolo de mediocridade cinematográfica.


Lúcia Pevensie, a bordo do Peregrino. O filme pode ser horrível, mas até que o navio é bonitinho...

Para quem acha a opinião exagerada, basta eu apenas descrever a minha experiência de ver o filme no cinema: apesar do bom início, logo nos vinte minutos a coisa começa a desandar de vez. Toda a platéia começou a ficar perdida e, quando a história já estava irrevogavelmente destruída, o público simplesmente se esqueceu de que aquilo era um filme e iniciou a simplesmente ignorar o filme: casais começaram a tagarelar, um grupo de jovens começou a contar piadas e a rir descaradamente (às vezes, riam das incongruências absurdas do filme), pais saíam com seus filhos da sala e etc. Já eu não sabia como suportar o que restava do filme: dormi uma ou duas vezes, mas as cadeiras desconfortáveis não me permitiam um sono mais longo. Vi este exemplar até o último segundo, e posso afirmar que as duas horas do filme foram as horas mais inúteis de minha vida.

Como explicar este filme-monstro? Bem, em seu início, o filme transcorre com calma e até com qualidades artísticas: o efeito aplicado logo no início, ao mostrar uma visão aérea do King’s College, em Londres, é bonito e suave. Os personagens Edmundo e Lúcia, heróis principais desta aventura, são apresentados com competência junto com o novo personagem Eustáquio Mísero. Logo após, são transportados para o mundo mágico de Nárnia e vão parar no belo navio “Peregrino da Alvorada”, onde o rei Caspian (do filme anterior) os recebe. Até aí, tudo muito bem, tudo muito lindo. O problema começa justamente após essa cena. É inacreditável como tudo começa a desandar logo após...


Caspian e Edmundo: a única dificuldade está em decidir quem é mais irritante.


O grande problema deste filme é a sua execrável adaptação do romance homônimo: na dificuldade de traduzir a história do romance para uma linguagem cinematográfica, o roteirista Michael Petroni simplesmente bagunçou toda a história de modo a acrescentar uma história mais bem-definida, e falhou totalmente nesta tarefa. Aspectos do livro que eram apenas passageiros (a névoa maligna) se tornaram peças-chave neste filme enquanto o verdadeiro objetivo da história (encontrar o sete lordes narnianos) virou apenas um pretexto para se cumprir uma história central confusa, desorganizada e totalmente desconexa com o livro. Os eventos que transcorrem no filme são simplesmente arremessados ao público sem qualquer nexo ou preocupação com alguma lógica. O filme lembra um videogame, onde os personagens atravessam fases pré-definidas para avançar até um final climático, uma luta contra o “chefão”; e assim é “O Peregrino da Alvorada”: os heróis visitam ilha após ilha com o objetivo de reunir as “sete espadas dos lordes narnianos” para reuni-las na “mesa de Aslam” e poder finalmente destruir “O Mal”. Entendeu? Não? Não se preocupe: com o modo tosco que a história foi formulada, ninguém consegue entender.

Se os dois primeiros filmes da série (produzidos pela Disney, que logo depois desistiu da série por queda de bilheteria) foram bons ou pelo menos dignos dos livros que os deu origem, este aqui é realmente o fim do poço: não traz nada da “magia” de Nárnia graças ao roteiro sem pé nem cabeça. Destrói momentos potencialmente bons (a ilha dos Tontópodes ou a de Ramandu) e torna mais enfadonhos os momentos que já eram chatos no livro. E uma coisa que eu me pergunto até agora: o que é a fumaça verde que persegue os personagens até o fim do filme? O que é “O Mal”? O que é a serpente-demônio que ataca os personagens sem mais nem menos? Afinal, qual foi o objetivo deste filme? O roteiro desta obra é mais raso que piscina infantil e poderia ser melhor escrito por um pré-adolescente de 10 anos. Problemas de seqüência marcam uma edição tosca e algumas lógicas simples de narração são jogadas na parede.


Eustáquio Mísero e o ratinho Ripchip: o único alívio neste mar de atuações medíocres.


Para uma produção de 140 milhões de dólares, era de se esperar que os efeitos especiais ajudassem em alguma coisa, não? De fato, os personagens virtuais Aslam e Ripchip (a melhor coisa que já nesse filme, diga-se de passagem) são extremamente bem feitos. Em contrapartida, outras cenas são de uma tosquice sem tamanho: as aparições da “névoa verde” (vulgo “O Mal” ou “Serpente-Maligna”) possuem efeitos tão ruins que lembram a produção de “Os Mutantes”, da Record. A edição é totalmente desordenada, não respeitando o público e misturando cenas sem lógica nenhuma. As cenas de ação (com perdão do termo) são literalmente brochantes, com cortes exagerados e lutas mal coreografadas (é possível ver que os socos são falsos).

Que se dizer, então, dos personagens? Este filme consegue a proeza de destruir tudo que os outros haviam conseguido no quesito de construção de personagens: o público simplesmente não consegue se simpatizar com figuras que supostamente já conhecia. Os reis Edmundo e Caspian são um verdadeiro tédio, insuportáveis e birrentos. Lúcia, que era o ponto alto dos dois filmes anteriores, é uma personagem morna que passa grande parte do filme se queixando de não ser “bela como a irmã”. As poucas salvações do filme estão no primo Eustáquio (que transita entre o “irritante” e o “levemente engraçado”) e o ratinho Ripchip (este é irrepreensível e talvez seja a única coisa que deu certo neste filme apocalíptico). Porém o mais imperdoável de toda a produção foi ter pego o personagem principal de toda a série (e também o mais querido), o leão-deus Aslam, e tê-lo reduzido a um papel sem sal, secundário, raso e desnecessário. Se nos dois primeiros filmes Aslam era cheio de vida e personalidade, aqui ele não passa de um leão gigante animado por computação que desfila pérolas filosóficas do nada (mais uma vez, graças ao roteiro pífio do filme).


O poderoso Aslam está tão apagado neste filme que dá até pena...


Um crítico (não me recordo bem quem) disse que “por muito menos, pessoas foram presas, torturadas, queimadas...”. Não era sobre este filme, mas se aplicaria perfeitamente a ele. O diretor Michael Apdet, responsável por esta atrocidade, deveria realmente ser preso, torturado e queimado. Com um histórico de produções meia-boca (entre elas um filme do 007), o senhor Apdet conseguiu reunir o que há de pior em Hollywood e destruir uma das séries mais queridas da literatura. Este “O Peregrino da Alvorada” é uma das produções mais execráveis de 2010, uma inominável porcaria e um insulto à inteligência dos espectadores. É um filme que faz “O Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo” parecer uma obra-prima. Pior: é uma obra que desonra totalmente o nome da série “As Crônicas de Nárnia” e merece não mais do que o esquecimento e o repúdio.

NOTA: 3,0



***Selo LIXO PURO*** 
O autor deste comentário considera este filme uma
abominação cinematográfica. Existem filmes que
são tão ruins que divertem. Este, contudo, só causa revolta.
Considere-se avisado.


Um comentário:

  1. Até gosto dos outros filmes, mas esse aqui não me interessou nadinha. Só em DVD mesmo...

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