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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Cisne Negro (2010)

Natalie Portman encarna toda a sua sensualidade no papel do Cisne Negro


Balé.
Não se engane. A beleza dos movimentos e a graça dos dançarinos são apenas uma fachada. A verdade por trás das lindas coreografias é muito menos glamourosa: trata-se da dança mais mortificante, exaustiva, dolorosa, excruciante e fisicamente deformadora que o homem já criou. A capacidade de sustentar todo o corpo na ponta dos pés ou de erguer o parceiro no ar com a graça de uma pétala a levitar, mesmo sofrendo com o peso deste, já são indícios de que esta não é uma das danças mais agradáveis. Coloque o show business nesta fórmula e você terá não só uma dança fisicamente exigente como também mentalmente perturbadora. A competição pelos papéis principais nas maiores encenações rende um ambiente de eterna falsidade e hipocrisia, típico de certas “amizades” femininas. E mesmo ultrapassando todas estas barreiras, derrotando todas as competentes rivais por meios lícitos e outros nem tanto, aquelas que chegam ao estrelato têm que aproveitar o máximo que podem no menor tempo possível. As estrelas do balé possuem vida curta, extinguem-se no ponto em que a idade já não as torna atraentes. Mas isso não importa muito: sempre haverá um milhão de almas mais jovens para substituírem o lugar das velhas divas.

É neste contexto que se encontra Nina, uma bailarina competente e perfeccionista cujo objetivo é o ambicionado papel-duplo da Rainha Cisne de “O Lago dos Cisnes”. Nina tem aparentemente tudo que é necessário para interpretar um dos lados do papel: o Cisne Branco, que representa a princesa pura, delicada, inocente. Em outras palavras (e o filme não tem muita piedade neste termo): virgem. Mas quando se trata de representar o lado sedutor e selvagem, o Cisne Negro, a pobre Nina descobre-se sem qualquer capacidade. Não que lhe falte a técnica. Falta-lhe a alma: Nina é uma garota tão frágil e reprimida que simplesmente desconhece os mais básicos truques da sedução. Eis que surge a sua rival Lily, uma dançarina que não têm grande técnica mas que, por outro lado, incorpora com alma e brutalidade os seus papéis. Inicia-se o jogo de conflitos entre a pequena Nina e a avassaladora Lily, até que a pressão pelo papel começa a causar alucinações na primeira. Nina inicia uma longa descida pelas escadas da loucura a ponto de não saber mais o que é a realidade e o que é a peça. Para ela, só existe um objetivo: a perfeição.

Nina (à direita) e sua "rival" Lily.

Cisne Negro era um projeto amaldiçoado. Antes de recair nas mãos do diretor Aronofsky, o seu roteiro ficou flutuando pelas portas das maiores produtoras de Hollywood por cerca de dez anos. Todos o ignoravam por ser muito pouco “comercial”. Quando a Twenty Century Fox aceitou a zebra, o projeto já nascera com o rótulo de “obra nanica”, e foi tratado como tal até muito depois de seu lançamento. Para a felicidade de seu diretor e roteiristas, contudo, a recepção do filme foi mais do que calorosa. De “obra-prima” a “filme do ano”, as denominações para este mais recente clássico do suspense são todas muito elogiosas. E a bilheteria vêm respondendo bem – muito bem – ao esforço titânico que foi em produzir este filme.

Mas como será que a crítica e o público conseguiram ver neste filme o que quase nenhum grande estúdio conseguiu? Ser diretor hoje em dia é algo brutal. Numa indústria em plena crise graças à internet, as grandes produtoras se atém à fórmulas batidas e remakes para sobreviver. As verdadeiras obras, essas ficam com o (cambaleante) cinema independente. Mas sou daqueles que acreditam que a justiça sempre prevalece nos corações de boa vontade, e o senhor Aronofsky é um desses corações. Dono de um currículo que inclui Pi, O Lutador e seu clássico supremo Réquiem para um Sonho, esse “pequeno grande” diretor era a escolha perfeita para um filme tão “abacaxi”. O segredo de Aronofsky para conseguir elevar a obra ao patamar de cinco indicações ao Oscar foi o de ter mantido controle criativo absoluto do início do filme aos seus créditos. Tudo que observamos é uma eterna brincadeira de um cineasta que parece se deliciar com cada mínimo movimento da câmera. Vemos vários estilos de filmagem unidos num sincretismo glorioso, dando a idéia de um diretor que tenta uma coisa por vez só “para ver no que vai dar”. O minimalismo e a sobriedade das cenas, a tensão contínua, o sexualismo brutal e o humor negro refinadíssimo são produtos da mão de ferro do diretor, que não vacila em um só segundo no seu jeito de criar. Aronofsky que um dos poucos diretores-sensação do cinema contemporâneo que estão conseguindo criar um estilo único, de modo a podermos criar adjetivos com seu nome para descrever os seus filmes. “Olhem, crianças: este é um típico filme aronofskiano”.

Sim. O filme tem isso e muito mais...

Como todo filme triunfante, outro aspecto que logo salta aos olhos são as atuações. Dificilmente encontrei, durante todo o ano passado, atuações tão carregadas e selvagens como as desse filme. Natalie Portman, a inteligentíssima e talentosa ex-aluna de Harvard, é a atriz do ano. A atriz encarna com uma perfeição anormal o seu papel de Nina, a menina inocente e tensa do filme, o “Cisne Branco”, dando ao personagem uma doçura de derreter qualquer coração. Talvez por causa de seu rosto, um dos mais belos de Hollywood, e de seu jeitinho naturalmente dengoso (quem conhece a atriz a descreve como “um anjo” e “uma eterna garotinha”). Natalie está simplesmente apaixonante neste filme: desde o jeito como ela chora no ombro da mãe até as suas falas de menina (“Mommy” e “It seems so yummie...”), sua personagem Nina desperta ternura e pena no coração de qualquer ser humano de sangue quente. Já a atriz Mila Kunis, na pele da livre, leve e solta Lily, constrói uma antítese absoluta ao papel de Portman, o que não é razão para causar menos simpatia com o público. Nunca sabendo se ela é vilã ou heroína (ou se ela sequer existe), o expectador se deixa levar pelas traquinagens desta eterna adolescente, cujo propósito é ensinar a Nina o seu lado mais obsceno. E entre estes dois turbilhões está Vincent Cassel, como o canastrão diretor Thomas, que se finge de amigo mas que não passa de um inescrupuloso perfeccionista.

A construção do suspense (tão tenso que mais lembra um terror) é feita com técnicas simples, mas que nunca falham e nunca cansam. Cisne Negro é um filme tão avassalador que assisti-lo é como ter uma garra pesada apertando cada vez mais o seu coração. Estamos sempre ansiosos (e temerosos) para saber qual será a próxima loucura de Nina. Sentimos tanto amor por esta personagem que nos pomos na ponta da cadeira conforme o filme caminha para seu trágico fim. Poucas vezes tive o prazer de presenciar um suspense tão sufocante e caótico como este Cisne Negro, talvez o melhor filme de 2010 e o melhor suspense da década.

A fotografia sombria e as seqüências espetaculares da dança do balé são a argamassa na construção deste mundo infernal. Os roteiristas Mark Heyman, Andres Heinz e John McLaughlin não tiveram pudor nenhum em expor cenas de sexualidade brutal de modo a forçar em Nina a passagem de Cisne Branco para Cisne Negro. Temos um verdadeiro caldeirão de sexo que, se fosse um pouco mais quente, transformava o filme em uma produção pornô: temos Natalie Portman se masturbando (melhor, aprendendo a se masturbar), sexo lésbico, o diretor Thomas praticamente estuprando Nina enquanto tenta ensinar-lhe alguma sedução e por aí vai. Mas, ao invés de provocar prazer (digamos até “orgasmo”), estas cenas provocam ora risos embaraçados (num dos exemplos mais puros de humor negro de toda a década) ora uma tensão causticante. Sabemos sempre que alguma coisa está errada, só que nunca sabemos o quê.

Loucura e realidade se misturam. Simplesmente esqueça a lógica e mergulhe na insanidade da pobre menina.

É verdadeiramente uma pena que, de todas as virtudes técnicas e artísticas do filme, o uso do CGI seja tão precário. Embora seja usado em pouquíssimas cenas (o que não tornaria o orçamento restrito de 17 milhões de dólares um problema), o CGI é quase em sua totalidade inconvincente (e capaz de gerar desconfortáveis risinhos involuntários). Minha única ressalva ao problema é na cena final, quando Nina literalmente se transforma em Cisne Negro; a comunhão entre dança e efeitos foi simplesmente um delírio. Mas, no resto, o CGI desaponta; custava um pouco mais de acabamento?

Cisne Negro é um vislumbre de um diretor honesto e ousado. É um caos, uma explosão de medo e fúria, uma tragédia contada pelos passos sofridos e belíssimos do balé.  É um retrato cruel da demência de sua protagonista, que abandona toda a inocência (sua maior virtude) para poder interpretar um papel glamouroso. Referência ao estilo desumano da vida hollywoodiana? Sem dúvida. A pobre Nina é somente uma marionete do show business, desesperadamente procurando uma perfeição que jamais pode ser encontrada na sanidade. Somente na loucura.

Faço das últimas palavras de Nina a minha opinião sobre o filme: “Foi perfeito. Perfeito!

NOTA: 9,5



***Selo OBRA-PRIMA*** 
O autor deste comentário considera este filme uma
verdadeira obra-prima.



2 comentários:

  1. OBRA-PRIMA! O Melhor filme do ano, Arronofsky junta tudo de melhor, balé, um elenco sensacional, apoaido em um ótimo texto, trilha sonora arrebatadora e a sua direção IMPECAVEL, para formar isto, algo que pode ser chamado de INCRIVEL! Nota 10!

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