Mary é baixinha e sente dificuldade enorme em pertencer a um grupo, como seria esperado para qualquer menina de sua idade. Ela tem uma mãe com quem não mantém qualquer diálogo saudável, o que agrava a sua desorientação perante a realidade. Depois de decidir escrever para um desconhecido, ela acaba tendo sua carta enviada para Max, um homem de 44 anos, que concentra uma série de características que só o tornam repelente para a sociedade em que vive: judeu, obeso, e com síndrome de Asperger, uma anomalia que o impede de se desenvolver mentalmente como um adulto normal, gerando-lhe um comportamento parecido com o de uma criança da idade de Mary. Os futuros amigos moram a quilômetros de distância um do outro, já que Mary vive na Austrália, mais precisamente em Melbourne, enquanto Max habita em Nova York.
Para quem imaginava uma animação nos moldes daquelas produzidas pela Disney/Pixar ou pela Dream Works, a surpresa já começa pelo início da sinopse, comentado acima. E Mary e Max - Uma Amizade Diferente, vai muito além disso. Na verdade, logo se percebe que o filme, apesar de um animação, não é exatamente recomendável para todos os públicos, já que oferece um tipo de reflexão de que, normalmente, filmes desse "nicho" não dão conta. Elliot subverte nossas expectativas ao colocar na tela uma Melbourne apática, bem como uma Noya York plúmbea, de céus opressores, análogos à percepção da realidade de Max. Vale o comentário de que a animação é inteiramente realizada com massa de modelar, por meio das quais os personagens e os cenários forma sendo construídos e, posteriormente, ganharam "vida" por computação gráfica. Independentemente desse fato, os protagonistas exalam uma humanidade que, certas vezes, não se verifica em atores de carne e osso.
Isso revela que a escolha de Adam Elliot pela animação em stop motion foi muito feliz, já que fica difícil imaginar um filme com atores reais, da forma que é conduzido. Na versão original, legendada em solo brasileiro, as vozes de Mary e Max pertencem, respectivamente, a Toni Collette e a Philip Seymour Hoffman, o que confere ainda mais charme aos personagens, para quem é fã do trabalhos desses intérpretes, além de conferir ainda mais humanidade aos protagonistas. Collette, por sinal, também é australiana. A amizade entre os dois vai se desenvolvendo gradativamente, mas sempre enfrentando agruras e alegrias que qualquer amizade enfrentaria, mas que, pelo fato de ser à distância, sao potencializadas para além do comum.
Com a resposta de Max à sua carta, em que vão perguntas variadas sobre a população dos EUA, sobre a qual sua mãe contou vários mitos, Mary se entusiasma e decide enviar uma nova missiva ao novo amigo. E, assim, anos a fio vão se transcorrendo, de maneira que eles vão ocupando suas rotinas com a troca de correspondências, em que discorrem acerca dos mais variados assuntos, sempre à procura de respostas para os enigmas que lhes vão interessando dia após dia. As dúvidas que surgem são um belo achado do roteiro, que valoriza sobretudo os diálogos nessa crônica cotidiana facilmente aprazível por espectadores ávidos de entrar em contato com uma boa história.
Não faltam nessas conversas aspectos interessantes e algo bizarros da natureza humana, como o cachorro-quente de chocolate idealizado por Mary, cuja receita ela envia para Max, que também se propõe a fazê-lo. Por conta de sua doença, Max tem a idade mental equiparada à idade biológica de Mary, e eles entram em una fina sintonia desde o início de seu contato por causa disso. Max expõe seus medos e seus traumas, e Mary, fazendo as vezes de mãe ou de irmã mais velha, vai aconselhando seu amigo a se abrir mais para as pessoas à sua volta. No ápice de suas crises de pânico, ele mal sabe como agir, pois, em suas próprias palavras, "os seres humanos são muito estranhos", e ele não consegue decifrar o que os outros querem dizer através da observação de seus olhares, que lhes são sempre enigmáticos e angustiantes por serem enigmáticos.
Quando é incentivado por Mary a procurar dar uma chance ao convívio com outras pessoas de sua cidade, Max decide experimentar, mas suas tentativas acabam sempre sendo frustradas, o que o leva a uma fuga dentro de seu apartamento, que é o cosmos onde ele se sente realmente à vontade. Na amizade que travam ao longo dos anos, Mary e Max têm um no outro uma janela para o mundo, um interlocutor constante para a expressão de suas inquietudes e interdições, sem que recebam de volta censura ou litígio. Como um animalzinho de estimação, que não cobra que as palavras de seu dono façam sentido, Mary e Max se mostram um para o outro com uma postura assumidamente fragmentária, sem a pretensão de que serão absolutamente capazes de juntar seus cacos.
Com o avanço do tempo, Mary se torna uma adolescente, e sua mudança natural de concepção sobre a vida a leva a arranjar um namorado, de quem ela fala sempre para Max, até o dia em que faz uma surpreendente constatação a respeito do rapaz. Na troca de correspondências entre os amigos, o roteirista insere pitadas de um humor amargo, causando a mistura de sensações de alegria e tristeza, de choro e riso, em que as ouve sendo lidas por eles. Elliott merece sem brindado por sua iniciativa de levar às telas uma animação tão diferente daquelas a que estamos habituados há tanto tempo. Faz bem à alma e o coração descansar os olhos da estroboscopia (que também tem seu valor, na hora certa), e mergulhar em uma narrativa sincera sobre a imprecisão da vida e da nossa impotência diante de certas descobertas da existência. Vale lembrar que, por seu teor de tristeza, reforçado pelo final que, certamente, soará impactante, Mary e Max - Uma Amizade Siferente não é um filme que se deva recomendar para crianças muito pequenas, que podem ser confrontadas com uma realidade assustadora. Os jovens e adultos, porém, podem se fartar com as inúmeras referências às desolações que assolam o seu mundo.
Nota: 10.0
Bota a nota, Patrick!
ResponderExcluirJá botei pra ele. E gostei da nota, o filme é mesmo uma obra-prima do gênero. Chorei.
ResponderExcluirÉ essa nota mesmo, Rafael!
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