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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Torrentes de Paixão (1953)

foto de Torrentes de Paixão

“ - Why should the Falls drag me down here at 5’o clock in the morning? To show me how big they are and how small I am? To remind me they can get along without any help? All right, so they've proved it. But why not? They’ve had 10 000 years to get independent. What’s so wonderful about that? I suppose I could too, only it might take a little more time.”

Assim começa uma das melhores obras cinematográficas que já vi, um drama apaixonante, um suspense magistral que supera todos os filmes de Alfred Hitchcock que vi até agora.

A este pequeno momento de reflexão segue-se o acto inicial de um filme com gosto de anos 50. Sabe muito bem rever os tempos em que as viagens de carro se faziam com uma pequena montagem, em que quase todos os actores falavam com um tom parecido e em que as pessoas dos filmes se tornavam amigas de uma família qualquer em pouco tempo. Os minutos iniciais do filme são, portanto, agradáveis, e conseguem ainda começar logo com pequenos indícios do que se virá a passar.

As cenas vão passando, algumas delas mostrando as imponentes Niagara Falls, que são bem representadas pela admirável fotografia que o filme tem. Também nos dão a ouvir algumas músicas da trilha sonora, que também é maravilhosa e encaixa perfeitamente nas cenas em que se manifesta. Está tudo em perfeita harmonia como o ritmo o filme, que não é acelerado nem arrastado; tudo acontece quando devia acontecer. Ainda em relação às músicas, há uma cena marcante, em que Rose canta “Kiss” de uma forma solene, deixando-nos enfeitiçados tanto pela música como pela forma como ela canta. A cena é abruptamente interrompida por causa de George, o que trará então um novo rumo ao filme.

No dia seguinte, as pessoas seguem as suas vidas como se nada fosse, até que Rose começa a perguntar pelo marido. O suspense começa aí, aparecendo de uma forma pouco notória, mas que vai crescendo devagar dentro de nós até se manifestar de forma sufocante nas cenas de claro suspense, que virão mais tarde. O tempo vai passando, George não aparece e o mistério adensa-se. A investigação entretem-nos. De repente, ouvimos tocar o sino. Mas não é uma melodia qualquer; é uma música muito especial que nos perseguiu até aí durante o filme, e que nos continuará a perseguir (e a Rose também). O mistério parece ter terminado. Mas…nada faria prever o que acontece na cena em que Rose vai à morgue reconhecer o corpo. Uma cena fantástica, entre outras razões, pela forma como nos escondem a identidade do corpo. Ficamos baralhados. Porque terá Rose desmaiado? Ela queria ver-se livre dele! O que aconteceu? E que significa aquela música que passou antes de Rose perder os sentidos?

Enquanto Rose não recupera a consciência, os Cutlers continuam a sua vida. Mas mal eles sabem que a de Polly poderá estar ameaçada…. Polly vai descansar. Nada de anormal. Mas de repente…quem é aquele homem? Porque se dirige para a cabana de Ray e de Polly? Ei…aqueles não são os sapatos que a câmara insistia em focar? Será Patrick?…O.O! É George! Porém, nessa cena, mal temos tempo para digerir o nosso espanto, porque aí ocorre uma das mais assustadoras cenas de suspense do filme: George pretende ir matar Rose, quando na verdade é Polly que está na cama! Ficamos apavorados. Sorte que acontece o que acontece.

foto de Torrentes de Paixão

Aproveitando o momento, gostaria de falar sobre as cenas de suspense em geral do filme. São todas bastante assustadoras, deixam-nos completamente ansiosos. Aí reside a maior força do filme, algo que o eleva a patamares bem elevados. Em algumas cenas, uma música de fundo trágica ou sinistra ajuda a criar um ambiente ainda mais assustador. Em outras, nem é preciso música; o suspense é tanto que enlouqueceríamos se ouvíssemos uma música arrepiante. O filme assim o faz: há certas cenas de suspense que não só não têm música como não têm gritos vindos de quem está em perigo. Isso deixa-nos ficar concentrados no nosso próprio medo, a “saboreá-lo”, em vez de perder tempo a pensar coisas como “Ih, que grito irritante!”. Enfim, estas cenas são simplesmente fantásticas.

Voltando…o problema é que, a partir desta cena, temos uma preocupação extra: será que, agora, George vai tentar matar Polly? Não seria justo, mas é possível, visto que ela sabe que ele está vivo. Afinal, se ele fugiu, deve continuar a querer que pensem que está morto. E Polly foi, até agora, uma personagem simpática, e não queremos que lhe aconteça nada de mal por causa de ela ter estado no lugar certo à hora errada. De qualquer maneira, o filme avança, e Ray pensa que tudo aquilo não passou de um pesadelo. Assim, a vida continua, e Ray e Polly vão visitar as Niagara Falls mais de perto. Dentro dos limites de segurança, claro. Mas estes serão (quase) ultrapassados quando George aparece e Polly tenta fugir. Mais uma cena cheia de tensão. Afinal, num sítio como aquele, há alguma coisa mais fácil do que matar alguém? E, com efeito, Polly quase se deu mal ao tentar fugir. Agora está exposta como um animal ferido! Será que George a vai matar! Não…que horror! Mas, para nossa surpresa, George não desce ao nível da sua mulher e dá valor à vida da nossa amiga. Ainda bem! Polly não o prejudica, mas também não o ajuda. George não parece querer fazer-lhe mal. Mas quererá? Só o tempo dirá…

George vai a um sítio relacionado com música. O que irá fazer? Algum tempo depois, ouvimos o sino tocar de novo. Oh, é aquela melodia! Aquele som que agora nos soa assustador, e que tortura Rose a ponto de ela fugir. Aquela melodia já passou a marcar-nos, também. De qualquer maneira, o tempo vai passando. Rose mostra uma ânsia compreensível. Vai tentando escapar. De repente, sem que nada o fizesse esperar, encontra George. Começamos mesmo a ver o que se vai passar a seguir. Mas quem diria que se passaria de uma maneira tão formidável…. Rose entra para dentro do edifício e a música começa a fazer o seu trabalho. Tudo acontece a um ritmo cada vez mais rápido e o suspense começa a sufocar-nos. Sobem-se escadas, chama-se a polícia…magnífico! Mas nada sobe para sempre, não é, Rose? Está encurralada. George avança para ela, ansioso do que vai fazer. Uma ou duas frases e…e…a música pára. Vemos sinos. O silêncio aterroriza-nos. Depois, voltamos a vê-los. A situação culminou. Não há nada a fazer. Acabou-se.

“ - They can’t play it for you now, Rose!”

Alheios a tudo isto, Ray e Polly continuam a sua vida. No entanto, George anda à espreita, à procura de qualquer coisa, seja ela qual for, que o leve para bem longe. Depois de ter uma grande ideia para atrair o homem do barco para longe dele, apodera-se do barco. Até aí, tudo bem. Mas…Polly não se cansa de estar no sítio certo à hora errada! George não têm opção a não ser sequestrá-la. O barco arranca e, com o passar do tempo, as coisas começam a complicar-se. George passa a ser perseguido e começam a aproximar-se das Niagara Falls. Polly está em perigo, o que aumenta o nosso medo cada vez mais. Depois de tudo o que aconteceu, não queremos ver Polly morta. A água complica as coisas e o barco aproxima-se cada vez mais do seu destino fatal. Não pode ser assim! Polly não pode partir! A culpa nem foi dela! George tem de fazer o barco encalhar. TEM! Por favor, alguém salve Polly! Tanto faz quem seja! Pode até ser um extraterrestre, já nem nos importamos com a veracidade do filme, só queremos que Polly sobreviva!

É então que George mostra um lado bem humano e tenta salvar Polly antes de si. Mas qual é a ideia? Agarrar-se às plantas? Mas aquilo não vai aguentar o peso de um adulto! De todas as cenas de suspense do filme, essa é a melhor e a mais assustadora. Polly está bem, mas pode cair a qualquer momento. Se se apoiar nas plantas, elas podem partir e ela cai. E todos nós sabemos que, se ela cair, está tudo acabado. Não tem hipóteses contra a água, e está mesmo perto da queda de água. A ajuda não chegará jamais a tempo. Que situação pavorosa! Polly tenta salvar-se, de uma maneira que mais facilmente a matará. Quando uma parte da planta se parte, damos um salto e o coração sai pelo peito fora. Está perdida! Não! Aguentou-se! Mas continua a ser perigoso! Vá lá, Polly! Salva-te! Não caias!...Isso! Conseguiste! Graças a Deus! Polly está salva! Nunca mais peço nada na vida! E lá vai George…irónico fim para um homem para quem tudo se passou à volta das Niagara Falls. Adeus!

foto de Torrentes de Paixão

“ - Let’s visit Niagara Falls!
- I’m sorry I ever mentioned that!”

Gostaria ainda de falar sobre os actores. Marilyn Monroe, sempre o destaque, faz neste filme um papel bem diferente do habitual. Aqui, em vez de ser a totó do costume, representa uma mulher infiel, bem cínica e mostra que pode ser uma mulher muito fria quando lhe dão oportunidade. Conhecemos uma faceta diferente de Marilyn Monroe, que também é magnífica. Joseph Cotten também está bem, em especial nas cenas de raiva. Consegue ser muito intimidante. Jean Peters, que ficou com uma personagem que parece ter sido moldada como o contrário da personagem de Rose, interpreta-a de uma maneira realista que gera simpatia. Os secundários bem dispostos, como o Sr. Qua e o Sr. Kettering, estão como deviam estar: divertidos. Enfim, em geral, o elenco está bem.

Muito obrigado, Sir Henry Hathaway. Com este grandioso filme, deixou uma grande obra no seu legado, e este cinéfilo não deixará a memória desse filme morrer enquanto for vivo. Ah, e graças a Deus que escolheu Marilyn Monroe para o papel de Rose, pois só o nome da (sensual) actriz já chega para chamar muita gente para ver o filme. Se tudo correr bem, ele viverá!

Fim da sessão.

Ray: You kinda like that film, don’t you, Paulo?
Paulo: There isn’t any other film!


Nota 9.5


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