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segunda-feira, 7 de março de 2011

Ensaio Sobre a Cegueira (2008)


Um ensaio sobre a cegueira e sobre o olhar...

Em certo momento de Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008), um grupo de cegos se une na residência a fim de formar uma pequena comunidade onde todos compartilham uma intimidade singela, demonstrada na cena em que todos tomam banho juntos, sem pudores ou olhares maliciosos, simplesmente sentindo-se à vontade por estarem todos desvinculados da preocupação com a própria imagem, encontrando uma das vantagens da situação inóspita em que estão. Todos passamos por experiências que, de início, nos parecem inexplicáveis ou despropositadas, mas que, conhecidas as suas conseqüências, terminam sendo compreendidas como estritamente necessárias para aprendizados essenciais na nossa vida. No longa supracitado, Fernando Meirelles adapta o famoso livro de José Saramago para as telas, mas vai além do convencional ao construir uma experiência estética que altera nossa percepção a respeito do próprio olhar.

Iniciando sua história de maneira abrupta, o longa acompanha a disseminação de uma epidemia de cegueira branca em uma cidade desconhecida, cuja rotina não difere muito das grandes metrópoles que conhecemos. Com a gravidade da situação, é decretado estado de emergência e as pessoas infectadas começam a ser trancafiadas em locais isolados, recebendo poucos mantimentos e acumulando-se com a chegada de novos contaminados. Com o passar do tempo, todos começam a criar suas próprias políticas e o caos se instaura naquele protótipo de sociedade, em que todos, mesmo estando na mesma condição, desejam obter vantagem sobre o outro de alguma forma, exceto uma pessoa: ironicamente, a única pessoa que não foi infectada e enxerga normalmente.

Meirelles dirige essa empreitada com habilidade em todos os elementos da linguagem que tem nas mãos: com uma fotografia belíssima, compõe quadros vivos que exploram as nuances da imagem – planos gerais e closes, nitidez e desfoque, movimento e estase, beleza e feiúra. O espectador, no início do longa, sente-se privilegiado e até constrangido por poder enxergar aquilo que os personagens não conseguem; em seguida, quando a singeleza oferece lugar para a imundície e a barbárie, sente-se um desejo de também ter sua visão extirpada a fim de não compartilhar de uma paisagem tão podre de si mesmo; e, finalmente, quando o pequeno grupo que acompanhamos percebe que não precisavam enxergar para compartilhar daquela intimidade que construíram, sente a real necessidade de ter participado daquela experiência, aprendendo a dar valor ao que realmente importa.


Com um elenco soberbo, Meirelles consegue explorar diversas nuances da natureza humana que conhecemos, mas desejamos esquecer: uma Julianne Moore quase irreconhecível compõe um retrato corroído de uma esposa dedicada que se torna cuidadora de seu esposo, mesclando fragilidade e determinação na construção de sua identidade; Mark Ruffalo encontra as limitações que o homem enfrenta ao se deixar despir da vaidade ao ser cuidado pela esposa, pois termina construindo uma relação quase edipiana ao relacionar os cuidados da esposa com os da mãe; Alice Braga constrói candidamente uma ex-prostituta que aprende a reencontrar a beleza dentro de si mesma ao assumir um papel maternal quando passa a ser “mãe” de uma das crianças infectadas; Gael Garcia Bernal transborda asco e revolta ao trazer um personagem que instaura o caos ao explorar os “dominados” daquela sociedade de doentes, utilizando-se das habilidades de um cego de nascença que, aprendendo a viver numa sociedade de “enxergantes”, encontra nos doentes uma forma de ganhar vantagens por aqueles que ainda não se adaptaram à nova condição.

Contando com uma edição fluida e dissonante e uma trilha sonora com toques de ficção científica, Meirelles parece dilatar o tempo da projeção ao construir um mosaico vivo das imperfeições humanas a partir de uma situação extraordinária, em que a perda de controle não decorre das circunstâncias inusitadas em que todos estão, mas de sua incapacidade de se adaptar ao inesperado, ao imprevisível - do mundo ou de si mesmo. De alguma forma, criamos a idéia de que a rotina propõe a estase e o perpétuo, no entanto, a única coisa permanente na vida é a sua mutabilidade.

Nota: 10,0


5 comentários:

  1. Assisti ao filme já faz um tempinho e fiquei deslumbrada como você, Márcio, traduz os sentimentos e sensações que tive ao assitir a película. bjs

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  2. Um belissimo filme, de fato, mas enfadonho em algumas partes.

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  3. Ah, obrigado, Dora. Esse filme mexeu muito comigo mesmo. Adorei.

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  4. Sério, Rafa? Em alguns momentos, senti agonia, mas pelas situações do próprio filme...

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  5. Eu adoro esse filme. Graças a ele, conheci o trabalho da minha atriz favorita, a ótima Julianne Moore. Até arrisco dizer que graças a ele, comecei a ver tantos filmes quanto hoje. O livro de Saramago não fica atrás, achei que os dois trouxeram de maneira clara a visão de uma sociedade frágil, com limites para a sua vida, e com detalhes perfeitos, encantadores.
    Abraços.

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