Encontre seu filme!

terça-feira, 1 de março de 2011

Luzes da Cidade (1931)

If you smile
With your fear and sorrow
Smile and maybe tomorrow
You'll find that life is still worthwhile
If you just Smile...

A filmografia de Chaplin é bastante diversificada, para não dizer contraditória. Para muitos ele não passou de um diretor que se valeu do mesmo personagem e do mesmo gênero (comédia) para construir sua fama. Mas esse é um pensamento equivocado, já que Chaplin foi um dos cineastas mais versáteis em usar suas obras como formas diferentes de enxergar o mundo. No caso de Luzes da Cidade é possível conferir a visão mais romantizada e inocente do cineasta, livre da maioria dos duplos sentidos satíricos e ferozes que acompanham a maioria de seus outros trabalhos. Desta vez ele está mais leve do que de costume, mas igualmente melancólico e emotivo. É um filme de belezas tristes, humor inocente, momentos sinceros e verdades inegáveis que somente alguém com a alma de artista consegue enxergar. Uma obra-prima que remete ao que há de mais valioso num filme: seu coração.

Desta vez podemos conferir o clássico personagem Vagabundo se apaixonando por uma florista cega, que acredita que ele é um milionário galante. Para poder manter sua farsa de homem rico, Vagabundo usará a ajuda de um verdadeiro milionário que salvou do suicídio um tempo antes. A partir desse ponto se inicia então um verdadeiro conto romântico e inocente sobre pequenos detalhes da vida que todos nós despercebemos, desde a pureza dos apaixonados até as mentiras inconseqüentes que contamos àqueles que amamos. Tudo coroado pelo cenário divino de uma noite na cidade grande e tudo o que ela pode trazer de bom ou ruim.

A genialidade de Chaplin nesse filme está bem mais afiada do que de costume. Ele infantiliza elementos tão fortes, como o amor e a mentira, a fim de passar uma mensagem com o dobro de força que um filme mais sério poderia passar. Ele acaba criando um verdadeiro drama, mas nunca de uma forma pesada ou cansativa, mas sempre com surpreendente leveza e amabilidade. A forma como ele consegue realizar tantas proezas encima de uma premissa tão simples só pode ser considerada como genial, tanto cinematograficamente quanto artisticamente. É quase impossível ver outro trabalho que consiga ser tão profundo e comovente apenas usando elementos tão primários de uma ficção.
Como em todo trabalho do cineasta, há sempre um contexto histórico que o motivou a criar sua obra. Nunca Chaplin fez um filme só por fazer. Ele fazia com o intuito de expor ao mundo os sentimentos que o invadiam em determinado momento de sua vida, como se fosse um diário. Em Luzes da Cidade, por mais que possa parecer que o diretor estivesse passando por uma fase mais leve e sonhadora, tudo não passa de uma obra voltada para mostrar a melancolia que o corroia. O cinema mudo estava ficando extinto e não atraía mais público nem crítica, de forma que todo o charme costumeiro de suas obras estava seriamente ameaçado. Ele se recusava a evoluir com o cinema, com medo de que isso acabasse matando seu personagem mais amado e cultuado. Luzes da Cidade, um filme mudo lançado na época em que os falados ainda eram novidade e estavam super na moda, foi um pequeno protesto da parte de Chaplin para deixar claro que sua forma de ver o cinema ainda era a mesma e o quanto seu coração estava despedaçado em ter de aceitar que Carlitos já não era mais um personagem viável. Toda a atmosfera triste desse filme, mesmo que embalada por momentos singelos e otimistas, não passa de uma retratação desse sentimento que devorava o cineasta por dentro.

Ainda que rebelde com o cinema falado, Chaplin fazia questão de colocar som em suas obras, por mais contraditório que isso possa parecer. Luzes da Cidade, apesar de não possuir falas sonoras, é embalado por sons de fundo e por uma trilha sonora soberba (me arrisco a dizer que talvez seja a trilha mais bonita composta por ele em toda sua filmografia). A música "Smile", que tem um trecho seu supracitado, talvez seja uma das composições musicais mais belas já feitas não só para o cinema como para o mundo da música em geral. Possui um ritmo envolvente e triste, completado por sua letra melancolicamente otimista, naquela mistura tão oposta de tristeza e positividade que somente Chaplin conseguia realizar. Uma jóia para o cinema e para a música.
Sem dúvidas, Luzes da Cidade é um trabalho que transpira genialidade em todos os momentos. Talvez não seja tão satírico como os famosos "Tempos Modernos" (Modern Times, 1936) e "O Grande Ditador" (The Great Dictator, 1940), nem tão inocente e puro como "O Garoto" (The Kid, 1921) e "O Circo" (The Circus, 1928), mas com certeza é uma das obras mais verdadeiras de Chaplin. Uma comédia romântica eternizada na memória do cinema como sendo uma das mais pueris, leves e ao mesmo tempo impactantes e emocionantes. Obra-prima sem igual, feita por um cineasta que via, antes de mais nada, o coração de cada um dos seus filmes como sendo o fator mais importante.
 
Nota: 10.0
 
 
 

Um comentário:

  1. Belíssimo filme, extremamente sensível e com Chaplin no auge da forma.

    Abraço

    ResponderExcluir