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quarta-feira, 2 de março de 2011

O Discurso do Rei (2010)

No meio de cenas sombrias e de uma história sofrida, vários momentos de singelo humor.


Existem vários tipos de filme: suspense, terror, ação, fantasia... Todo mundo conhece esses gêneros mais comuns. Entretanto, é muito habitual à crítica especializada (na qual, eu já vou avisando, eu não me incluo – sou ignorante demais para me incluir neste grupo seleto) dividir, quase que por diversão, as categoria em novos gêneros, os “subgêneros”. São eles os filmes “de zumbi”, filmes “apocalípticos”, filmes “distópicos” e etc, o que ajuda aos críticos a centrar melhor suas opiniões. Nestas subcategorias, há uma que é no mínimo curiosa: os filmes “de Oscar”. Por definição, estes filmes são aqueles que não são clássicos, não são soberbos e dificilmente sobreviverão ao teste do tempo, ou seja, serão esquecidos de vez em uns dez ou quinze anos. Contudo, são filmes “bonitinhos”, tecnicamente bem-feitos, geralmente com uma história de superação e com grande apelo ao público, o que os leva a quase sempre ganhar o mais cobiçado (e cada vez menos justo) prêmio do cinema.

E depois de filmes como Forrest Gump e do novelão Quem quer ser um Milionário, a premiação de 2010 foi para este O Discurso do Rei. Após levar quatro prêmios importantes da Academia (Melhor Filme, Ator, Roteiro Original e Diretor), o filme dividiu a opinião da crítica. Não que seja ruim, muito pelo contrário, mas não está à altura de um prêmio que, supostamente, premia os melhores do ano. Para se ter um exemplo, Cisne Negro é muito mais digno de “Melhor Filme”. Ou Bravura Indômita, ou o ex-favorito A Rede Social. Nenhum deles, mesmo os mais merecedores, levou qualquer coisa a não ser um belo chute da Academia. Esta crítica pretende analisar tanto o filme tanto quanto às “injustiças” cometidas pela mais recente edição do Oscar (cuja audiência declinou bruscamente e recebeu críticas ácidas devidos aos fracos apresentadores Anne Hatthaway e James Franco).

Vamos ao filme: o período são alguns meses antes da declaração da Segunda Guerra Mundial. Neste período, a coroa inglesa viva um impasse terrível devido à morte do rei e a sucessão por parte de um príncipe “playboy”. Neste meio está o Duque de York e futuramente George VI, um príncipe que sofre com problemas severos de gagueira e que aceita a ajuda de Lionel, um “fonoaudiólogo” de métodos muito heterodoxos para sua época.

Confesso que nunca imaginei que tal história tivesse acontecido. Nunca soube que o rei George VI teve problemas de gagueira e que a amizade entre ele e seu “doutor” existiu. Fiquei muito surpreso quando o marketing do filme anunciava “baseado em uma incrível história real” e logo fui pesquisar sobre este evento obscuro da história inglesa. Saber que tudo o que está sendo retratado realmente aconteceu (o filme é especialmente aclamado por sua fidelidade histórica) é muito satisfatório e engrandece o filme. Contudo, em momento nenhum a obra se torna imortal, e discutiremos o porquê.

Algo inegável é que o filme nos deixa agoniados e apreensivos com a gagueira do rei. A cena inicial é sufocante!

Para início de conversa, a direção. Tom Hooper, um novato no cinema, é sem dúvida um artista competente e cheio de fibra, mas sua direção neste O Discurso do Rei não é nada mais do que convencional. Um certo crítico norte-americano (não me lembro bem quem) disse, com humor, que Hooper havia dirigido “o melhor filme dos anos 50”. Isso porque O Discurso do Rei segue preceitos bem antigos, uma escola clássica do cinema. O posicionamento da câmera é um exemplo nítido, ao valorizar mais o fundo do que os personagens: estes ficam em um canto da tela enquanto todo o resto é preenchido pela imagem do fundo da cena. Isso rende uma fotografia belíssima e não é, em ponto nenhum, algo negativo. Mas premiar Tom Hooper como Melhor Diretor de 2010 é forçar a barra: Daren Aronosfky é simplesmente rei na categoria, com seu ousadíssimo e impecável Cisne Negro; os irmãos Coen, lendas vivas do cinema, são muito superiores com seu Bravura Indômita. O maior injustiçado de todos, contudo, foi Christopher Nolan, que dirigiu o quase revolucionário A Origem e sequer recebeu uma indicação à Melhor Diretor (embora, estranhamente, o filme tenha sido indicado a Melhor Filme). Hooper foi um bom diretor, e nada mais. Entregar-lhe o Oscar da categoria foi realmente uma injustiça cavalar.

E o roteiro? A grande pergunta que não quer calar: como um filme super-convencional como O Discurso do Rei conseguiu derrotar o roteiro frenético, intenso e surpreendente de A Origem? Nem mesmo o fã mais ardoroso do filme consegue engolir este pepino, pois a injustiça está além até mesmo do bom senso: os roteiros de todos os outros indicados eram melhores do que o do “vencedor”! Todos tinham suas peculiaridades, todos tinham suas ousadias, todos tinham trunfos esmagadores, mas a Academia escolheu o mais meia-boca de todos! Mais um vez eu repito: não que seja ruim, longe disso! A condução da obra é muito agradável e satisfaz a todos os gostos. Infelizmente, o cinema precisa de ousadia, e O Discurso do Rei não tem nenhuma. É um filme bonito, com ótima mensagem, e só. Só! Na categoria de “Melhor Filme”, arrisco-me a dizer que todos os outros tinham mais méritos do que ele.

Geoffrey Rush faz de Lionel Logue um dos melhores coadjuvantes do ano.

O único prêmio realmente justo do filme foi o do Melhor Ator. Isso ninguém discute. Colin Firth está apaixonante como o gago George VI. Sua atuação é simplesmente tão real que nos força a achar que o próprio ator é gago (e não é). Sentimos sufoco nos seus momentos de gagueira, e pena também. O seu grande discurso (o clímax do filme) nos deixa apreensivos do início ao fim. Só respiramos aliviados quando a última palavra é proferida, e sentimos a vontade de aplaudir a vitória deste sofrido homem (em minha sala houve até quem chorasse). Geoffrey Rush também brilha como o peculiar Lionel, que forma com Firth uma dupla dinâmica imbatível. Helena Boham Carter está divina como a mulher do inseguro príncipe e um destaque notável é Timothy Spall no papel de Winston Churchill. As atuações, todas elas, elevam o filme ao patamar da grandiosidade. Entretanto, é necessário muito mais para um filme se tornar imortal, e é uma pena que os outros fatores não contribuíram para isso.

A trilha sonora é muito boa, e um delírio principalmente para amantes da música clássica. Composta por Alexander Desplat, ela é tímida e não ousa sobrepujar as cenas (uma decisão sensata). Contudo, o uso de canções eruditas em certas cenas (principalmente no magnífico discurso-clímax do rei) são o ponto alto deste filme. A equipe sem dúvida soube usar a trilha a seu favor. A fotografia, muito lúgubre e pesada, contribui para o clima opressivo e os tempos incertos no qual a trama se passa. As posições estranhas da câmera vez ou outra são mais um ponto positivo do filme.

O figurino do filme, aliás, é outro ponto positivo.

O Discurso do Rei é um grande filme, capaz de agradar a gregos e a troianos. Chamá-lo, todavia, de melhor filme do ano é um exagero. O grande pecado em um filme “não-tão-grandioso” ganhar o Oscar é que pessoas menos experientes o terão como base de conhecimento, e deixarão de lado as obras mais capazes. É doloroso ver que os produtores da Academia preferiram este filme a clássicos como Cisne Negro ou a arrasa-quarteirões como A Origem. Se me perguntarem se eu recomendo O Discurso do Rei como um bom programa para o fim de semana, é claro que eu recomendo. Se me perguntarem, contudo, se o filme vale todos os prêmios que ganhou, eu respondo com um sonoro “não”. Querem ver um clássico de verdade? Comprem um ingresso para Cisne Negro. Querem ver filmes excepcionais? Aluguem Como Treinar seu Dragão (em minha opinião, a melhor animação de 2010) ou Toy Story 3.

Não nos deixemos levar pelo academicismo cada vez mais estúpido e politicamente correto do Oscar. Se vivermos de acordo com esses padrões, é bem provável que em uns vinte anos o cinema esteja morto e enterrado bem fundo.

A cena final é um dos poucos momentos geniais do filme. Todo o resto, contudo, não deixa de ser muito bom.

NOTA: 7,5

4 comentários:

  1. Filmes superestimado que sequer merecia o Oscar de melhor filme. As atuações de Colin Firth e Geoffrey Rush o sustentam, mas o roteiro é fraco e a direção, muitas vezes, óbvia.
    (Parabéns pela escrita constante, Diego!))

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  2. Um bom filme, porém não mereceu alguns prêmios ganhos.
    pS: O que foi aquele prêmio de melhor roteiro original?

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  3. Nossa, ridiculo aquele prêmio mesmo. Ainda não assisti o filme, mas é óbvio que o roteiro de A Origem é muito mais inventivo. Da mesma forma, o prêmio de fotografia pro filme do Nolan foi o cúmulo!

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