A década de 90, definitivamente, foi uma época riquíssima para o cinema mundial, isso porque, durante um período de dez anos, a potência e relevância desta arte foi ainda mais contribuída com as obras que vinham surgindo, e durante este tempo, mais e mais células viriam a tornar-se componentes de sua essência, e portanto, iriam escrever mais algumas páginas em sua História geral. Se há uma coisa para se prezar nas artes cinematográficas, é o poder que a inovação e a originalidade exerce sobre seus pilares de sustentação, sempre é prazeroso ver que, mesmo apesar de sua idade secular, o cinema ainda proporciona a seu público, a nítida força das imagens ao repassar a vitalidade do inédito, do criativo e do genial.
Com este trânsito frenético de produções advindas de todos os lugares do globo chegando, às vezes vindo para ficar, ou então perdendo sua vaga, foi que no fim da década em questão, uma película em particular alertou os olhos da mídia, fazendo com que os holofotes brilhassem intensamente em sua imagem e revestimento, e assim, fazendo com que este projeto se transformasse em um dos mais comentados e elogiados de seu ano, quiçá de toda a década. Esta foi à correspondência recebida por O Sexto Sentido durante a época de seu lançamento, as investidas da mídia, os comentários e as discussões incensáveis, os inúmeros elogios... e, por fim, o famoso dito que propagava-se por todos os lugares: “Aqui nasce um gênio!”
Esta foi uma pequena fração do que O Sexto Sentido arrecadou em seu percurso, o brilhantismo de algo novo surgindo como um ânimo preciso ao gênero que representava, um filme não apenas pelo entretenimento, mas também feito em prol do artístico, que no quociente de todos os atributos que obtém e do alarme que causou em seu ano, conseguiu firmar-se em um nível maior que um filme convencional pode alcançar. Se hoje O Sexto Sentido possui uma imagem um tanto quanto desgastada pelos eventos que o tempo ocasionou a sua capa, a isso se deve pelos escombros deixados em decorrência do embalo explosivo do “suspense do ano”, e posterior a isso, a banalização de seu desfecho, e além é claro ao percurso que a carreira de seu realizador foi tomando.
Problemas exteriores a parte, é crível que a consistência de O Sexto Sentido ultrapassa essas pequenas imposições do tempo e do marketing, sendo, além de um filme de grande valor cinematográfico, uma análise brilhante da mente infantil em uma jornada de perdas, mágoas, e auto-redenção. M. Night Shyamalan, instantaneamente, tornou-se um dos nomes mais bem vistos e comentados do ano de 1999, aquele era, simplesmente, o prenúncio para um gênio cinematográfico, diversas comparações foram feitas (até mesmo com Alfred Hitchcock), e com isso, a febre que seu filme provocava estourava o mercúrio de qualquer termômetro. Analisando-se pelo ângulo comercial, este recolhimento que a produção adquiriu foi um dos responsáveis para alçar seu nome no estrelato; em contraponto, foi este mesmo alarme que pesou contra as obras posteriores de Shyamalan, onde o público exigia é que o diretor construísse um novo “O Sexto Sentido”, então a cada novo projeto dele tinha que, obrigatoriamente, possuir as fórmulas que consagraram seu primeiro filme, em especial sua bombástica revelação final.
Para uma estória que não apresentava qualquer maior resquício de originalidade, se analisada superficialmente, O Sexto Sentido conseguiu tocar nos recantos mais profundos que se podia chegar com aquela matéria-prima. Shyamalan fez de seu roteiro uma passagem secreta para conectar-se a um prisma sólido que demonstra uma perfeita análise humana, desde os medos de uma criança aos anseios de um adulto. A trama do filme narra à trajetória de Malcolm Crowe, um psicólogo infantil bastante respeitado e admirado pelo trabalho que realiza na cidade; então numa noite de comemoração com sua esposa por decorrência do prêmio que recebeu, um invasor penetra sua residência, trata-se de um antigo paciente que o Dr. não conseguira ajudar, perturbado, o jovem atira no médico, e logo após se mata. Um ano se passa, e agora tentando reestruturar sua vida pessoal e profissional, o Dr. Crowe vai tentar ajudar agora o pequeno garoto Cole Sear, que se demonstra introspectivo e recluso em seu convívio social. Então o aflito menino revela ao médico o que seria a causa de suas angústias e perturbações, Malcolm, após isso, precisará lidar com seus credos e sua própria fé para poder ajudar seu paciente.
Se há um item a se enaltecer em O Sexto Sentido, é seu belíssimo trabalho para com a construção de personagens, que favorecem o poderoso texto de Shyamalan, bem como a todo o brio da obra em si. Com este trabalho, o cineasta conseguiu, de forma enigmática, conectar seu público de uma maneira emblemática com cada um dos personagens que criou, traçando um trópico indescritível entre a humanização destes e o sensorial de cada espectador. Primeiramente, temos o Malcolm Crowe vivido por Bruce Willis, que revela uma incrível sensibilidade ao encarnar um papel tão delicado de maneira tão sublime e orgânica - seus trejeitos, suas expressões, sua dor. Mas a verdadeira revelação aqui é o talento abismal de Haley Joel Osment, que apresenta uma composição perfeita de Cole, transparecendo toda a insegurança e medo, necessários para se equipar grandiosamente ao difícil papel que lhe é estabelecido, e não devendo em nada ao dos adultos com os quais contracena - sobressaindo-se aos próprios, inclusive. O elenco em geral (os quatro protagonistas), se mostra maravilhoso em seus respectivos trabalhos para com a lapidação de cada um de seus papéis, transmitindo ao público uma relação pessoal com cada um deles, fazendo com que a gente se torça, vibre, sofra e tema junto de cada qual, numa troca mútua e sublime de estímulos e sentimentos.
Mesmo pertencendo à categoria “suspense”, O Sexto Sentido deve ser analisado não apenas pelas suas cenas de horror e mistério, pois ele atravessa essa posição primária de montar sua imagem somente a partir de suas sequências atmosféricas e perturbadoras. O que Shyamalan apresentou funciona de forma mais perfeita como um drama fantástico, que toca seus membros no sobrenatural para enaltecer o impacto e a força de sua estória. Seja pela dura relação que a mãe possui com seu filho atormentado, por desconhecer a origem do problema deste; ou pelo médico que não conseguiu salvar seu paciente no passado, e agora mais que isso, não está conseguindo sustentar o próprio casamento. O Sexto Sentido é uma demonstração perfeita de estudo do comportamento humano sobre o improvável e o desconhecido, e como ao fim destas experiências, o resultado que cada qual personagem pôde extrair de positivo para suas respectivas existências.
Se hoje O Sexto Sentido mantém-se incólume aos prazos de validade que o tempo estampa ao rótulo das obras, é porque, mais que um grandioso “final surpresa”, ele contém os méritos e virtudes necessárias para permanecer inerte as páginas rasgadas do calendário cinematográfico. Clássico, este filme já é, resta-nos dar tempo ao tempo para ver até em que plano potencial ele ainda se firmará, até lá, este brilhante material cedido por Shyamalan é o bastante para crer que O Sexto Sentido sobreviverá por tempos e tempos, e a cada vez que o assistirmos novamente, notaremos que todos os estímulos nervosos e sensoriais continuaram no mesmo lugar, como se fosse a primeira vez em que embarcamos naquele fantástico universo. Sempre haverá a beleza, a reflexão e o significado. Assim como sempre será uma experiência única e inovadora.
Nota: 10.0
Sua crítica ficou muito bem escrita Júnior, parábens!
ResponderExcluirConcordo com tudo que você disse, um suspense muito mais profundo e magnífico do que é visto pelo senso comum... Obra-prima!
NOTA: 10!
ótimo texto. Considero "O Sexto Sentido" um dos melhores suspenses de todos os tempos. Roteiro muito bem construído. Será que Shymalan voltará a fazer filmes bons como esse?
ResponderExcluir:: João Linno ::
Obrigado, Bruno! De verdade. (:
ResponderExcluirEssa é a crítica que mais gostei de escrever. Simplesmente por ser meu filme preferido. É, eu sei que para alguns ele está cafona, e existem milhões de pessoas que, ou não gostam, ou não acham o melhor do diretor. Mas nada, absolutamente nada diminui meu amor e fascínio por este filme.
E, para mim, assim como dito na crítica: "[...] sempre será uma experiência inovadora." (10.0)
"Será que Shymalan voltará a fazer filmes bons como esse?"
ResponderExcluirEu, mesmo apesar de qualquer coisa, ainda acredito muito no talento do Shyamalan. Ele errou, errou feio, é verdade, mas as pessoas parecem esquecer que da mesma forma que errou ele criou obras brilhantes, importantíssimas para o desgastado gênero do suspense.
O Sexto Sentido é a prova disso. O melhor desfecho de todos os tempos (pelo menos, para mim).