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domingo, 29 de maio de 2011

Análise: livro "O Direito no Cinema"

“Direito” e “cinema” não estão entre os temas literários mais populares ou comentados do ramo editorial brasileiro. Não só pela sua especificidade, que quase sempre restringe à obra a um nicho de leitores, mas pela dificuldade que muitos autores têm em torná-los atraentes através de uma escrita dinâmica e leve. Vez por outra despontam alguns sucessos editoriais como “O Clube do Filme” ou o guia “1000 Filmes para Ver Antes de Morrer” – desgraçadamente, não me vem à cabeça nenhuma obra de direito que fez sucesso com o grande público – mas, no geral, estes são assuntos que figuram apenas em “obras de nicho”.

Seria, então, de se imaginar que a obra “O Direito no Cinema” faria parte de um grupo ainda mais seleto: os cinéfilos experts em direito. De fato, o livro talvez não seja devidamente apreciado por qualquer um, mas ele consegue agradar igualmente tanto aos estudiosos do direito quanto aos cinéfilos, mesmo que cada um deles não tenha grande conhecimento sobre a área do outro.

O livro é, teoricamente, voltado ao público interessado pelo direito: um guia para se discutir temas polêmicos do meio jurídico através de produções cinematográficas (e uma obra ideal para tornar cursos de direito mais dinâmicos, diga-se de passagem). Contudo, os cinéfilos saem igualmente engrandecidos com a obra, que, no mínimo, servirá como um valioso guia para novos filmes. Este mérito vai, é claro, para seu autor, Gabriel Lacerda: com uma graduação na PUC-Rio e um mestrado em Harvard nas costas, o senhor Lacerda sem dúvida possui um ótimo estilo de escrita – firme, direto e simples – e um grande didatismo na hora de explicar os fenômenos do direito presentes nos filmes listados (mais de cento e vinte). Seu livro está livre de tecnicismos e jargões jurídicos, atingindo pleno contato com o público leigo, e seu caráter de debate faz crescer o interesse do leitor pelo direito e provoca profundas e sinceras reflexões sobre muitos dos temas expostos.

Não foca o cinema, deve-se sempre lembrar, portanto não é um guia genérico de filmes. Clássicos como “O Poderoso Chefão” ou “Casablanca”, que não passariam despercebidos em nenhuma outra obra sobre cinema, aqui estão esquecidos, e com razão: a intenção é apresentar filmes que não somente possuam dignas qualidades artísticas como que também retratem, com inventividade, o universo do direito. Não surpreende, portanto, que o primeiro filme analisado seja “Doze Homens e uma Sentença”, clássico absoluto – e talvez insuperável – do subgênero “filmes de tribunal”. Pensando um pouco melhor, esta é uma característica que torna a obra ainda mais atraente para o cinéfilo descompromissado: ao apresentar filmes com toda uma perspectiva jurídica, “O Direito no Cinema” desperta em leigos a curiosidade pelo mundo dos tribunais, além de incrementar seu conhecimento sobre os sistemas jurídicos de vários países, à medida que estes vão sendo apresentados nos filmes.

Ao todo, são cerca de cento e vinte obras listadas neste curioso guia jurídico, mas apenas vinte e uma delas recebem atenção detalhada do autor. As demais são discutidas em um capítulo avulso, e vez por outra o autor explica o porquê de cada uma delas não terem entrado em debate. É claro que a razão principal fica nítida: as obras selecionadas não somente possuem um notável apuro estético no cinema como também lidam diretamente com o meio jurídico ou com os problemas advindos de suas falhas. Esta divisão reforça a importância de filmes já muito conhecidos (como o já mencionado “Doze Homens...”) como também lança uma luz sobre obras mais obscuras, que não encontraram no público a aclamação que tiveram com a crítica (ainda falta-me conferir, por exemplo, produções como “Erin Brockovich – uma mulher de talento” ou “Helter Skelter, a visão do diretor”). Também surpreende a inclusão de algumas obras consideradas popularescas, os “blockbusters”, como “À Espera de um Milagre” ou a ficção científica spielbergiana “Minority Report – A Nova Lei”. Tamanha variedade incrementa a utilidade do livro como um guia de cinema.

Na ótica do direito, cada qual das duas dezenas de produções selecionadas é acompanhada por relatórios, artigos e pareceres de tribunais. É verdadeiramente um compêndio muito bem sintetizado de teorias e abordagens jurídicas, campo farto de informações para curiosos e estudiosos da área. O livro destina-se à construção de debates acerca dos casos expostos, algo perfeito para os cursos de direito que desejarem adotar uma metodologia menos rígida e tradicional de ensino.

Há, porém, tanta riqueza de discussões nas obras “não selecionadas” pelo autor quanto nas outras “seletas”. Muitas delas são juridicamente menos densas, e as que não são quase sempre possuem deficiências artísticas (“extremamente inverossímil”, como diz Lacerda sobre “A Guerra de Hart”, ou “a solução da trama é tola”, sobre “O Advogado do Diabo”). Esta é a parte que talvez venha a interessar mais aos cinéfilos do que aos juristas e é onde se encontram muitas obras importantíssimas que foram, pelos motivos já explicados, postas fora de evidência. A citar: “Laranja Mecânica”, “Mar Adentro”, “Um Sonho de Liberdade”, “Anatomia de um Crime”, “O Sol é para Todos”, “Memórias do Cárcere” e etc.

“O Direito no Cinema” é um curioso e competente guia sobre o mundo jurídico visto através das lentes do cinema. Talvez seja um dos livros de direito mais amigáveis e fáceis de compreender no mercado atualmente, sem contar que proporcionam uma diversão única ao promover a apreciação de filmes dos mais diversos gêneros. O senhor Lacerda demonstra domínio e precisão na escrita, algo mais do que esperado para um diplomado em Harvard, e consegue transmitir as idéias contidas em cada filme de maneira inigualável. Nada disso, todavia, torna o livro mais atraente para quem nem entende de direito nem de cinema; não há aqui uma tentativa de atrair um público novo, mas de agradar àquele que já possui algum interesse pelas áreas abordadas. É, sim, uma obra “de nicho”, só que muito mais descontraída do que os seriíssimos manuais de jurisprudência e bem mais informativa do que muitos guias de cinema por aí. Lê-la é uma experiência gratificante e intelectualmente recompensadora. Um livro, portanto, mais do que recomendado.

NOTA: 8,0

3 comentários:

  1. Bacana, me interessei pelo livro. Mas nunca vi ele pra vender por aqui. Tem alguma dica onde eu possa encontrá-lo, Diogo?

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  2. Tem aqui, ó: http://www.casasbahia.com.br/O-Direito-no-Cinema-Relato-de-uma-Experiencia-Didatica-no-Campo-do-Direito-140920.html

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  3. Sou aluno do professor Lacerda. Um homem brilhante. Sempre traz questionamentos incríveis e de maneira muito dinâmica para a sala de aula. Ele oferece atividades complementares sempre muito criativas, como: oratória, direito e ópera, direito e shakespeare, limites do direito etc. Apesar de ter estudado em Harvard e fazer parte de uma poderosa família (é sobrinho de Carlos Lacerda), o professor Gabriel é um homem muito simples e apesar de sua idade avançada, é cheio de vida! Gostei muito do artigo, assim como gostei muito do livro.

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