Laranja Mecânica (1971)

O cinema é uma arte. E a partir desse conceito, ele é renovado a todo o tempo, adequando-se a cada época e período, numa metamorfose infinita, que altera apenas seu revestimento externo, mas nunca sua essência primordial. Isso é o cinema, a arte em translação, por isso tão contagiante e apaixonante. Dentre essas muitas transformações, alguns artistas estabeleceram seus nomes na história dessa arte, garantindo ao cinema ainda mais importância sócio-cultural, dessa maneira impedindo que o tempo e as mudanças atinjam seus status já obtidos até então.

Stanley Kubrick (2001: Uma Odisséia no Espaço; De Olhos Bem Fechados) faz parte do panteão de grandes artistas que colaboraram para enaltecer a grandeza dessa arte. Isso porque, Kubrick construiu inúmeras obras que vão muito além da tangente entre a tela e o espectador, pois seus trabalhos mais valorizados possuem uma relevância para toda a humanidade em geral. Os filmes mais gloriosos do diretor revelam mais que seu talento artístico, e sim previsões analíticas quanto ao futuro da raça humana, não de uma maneira apocalíptica, mas de um ângulo real e quase palpável.

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) figura entre as produções mais cataclísmicas e extraordinárias de todos os tempos, isso devido ao escândalo abismal que a obra causou na época de seu lançamento, apresentando ao mundo uma sociedade que ele não queria ver, através de uma previsão em que ele não queria participar. Kubrick extrapolou qualquer padrão cinematográfico, e, através da autoridade que tinha sobre seus projetos, adaptou para as telas o polêmico livro de Anthony Burguess, fazendo de Laranja Mecânica um filme controverso e implacável desde nascença.

Os assuntos tratados aqui são nada mais que uma dissecação dos problemas sociais, traçando uma linha entre o que estava sendo vivenciado naquela época e o que Kubrick previa para o futuro. Laranja Mecânica é uma ótica precisa e chocante que o cineasta tinha sobre o amanhã, fazendo com que seu filme providenciasse a ira de muitos, que não admitiam uma visão tão perigosa e suja do futuro. Portanto, durante a época de seu lançamento, este filme foi proibido em diversos países, que afirmavam que Laranja Mecânica servia como modelo de influência para alienar a geração juvenil a tornarem-se delinqüentes.

A visão de Kubrick em relação à natureza humana sempre foi deveras negativa, tomando em conta que várias de suas produções exploram o lado mais obscuro do ser humano, expondo-o de maneira assustadora e por vezes verossímil. A trama de Laranja Mecânica demonstra com crueza o olhar de Kubrick sobre sua própria raça, dessa maneira, o filme conta a história de um grupo de jovens delinqüentes alucinados, que arquitetam crimes para cometerem durante as noites em sua cidade, sempre procurando a forma mais perversa e sádica de se divertir. Durante uma de suas barbáries, o líder dessa gangue (Malcolm McDoweell) é capturado pela polícia, e então, ele é submetido a um tratamento misterioso, que reabilita os criminosos e os faz serem capazes de voltar para as ruas em paz.

Em Laranja Mecânica, as críticas objetivas à sociedade exalam por cada cena do filme, mostrando algo desagradável aos que a compõem. Realmente não é um filme facilmente digerível, entretanto em nenhum momento o filme repassa algo gratuito ou desnecessário, ao contrário, cada instante do filme equivale a um ataque direto ao círculo social daquela época, mostrando que se as pessoas continuassem a viver daquela forma hipócrita e selvagem, o futuro que viveriam um dia, não iria passar distante do que foi sendo apresentado em tela.

As imagens fortes e viscerais de Laranja Mecânica reforçam a mensagem negativa que o filme nos repassava. E isso é sua base central. Os atos desumanos, a violência exacerbada, a natureza das pessoas; todos estes itens usados para modelar uma advertência para toda a humanidade, sobre o tudo o que ela um dia possa vivenciar. Passados quarenta anos desde a realização do filme vemos que o futuro imaginado por Kubrick não se encontra muito paralelo ao presente que estamos vivendo agora, uma vez que para ter a ciência do caos que toma o mundo hoje, basta apenas pegar o controle remoto e ligar sua TV em qualquer noticiário apresentado no momento.

Assim como as outras produções do cineasta, este filme não trará respostas prontas e embaladas, pois Laranja Mecânica somente analisará a situação que a raça humana se encontrava projetando um futuro baseado no que estava acontecendo naquele período. Sendo assim, cabe ao espectador montar suas teorias e julgamentos quanto a tudo que a ele foi apresentando. Ao final de todo aquele sádico espetáculo de cores e violência, encontramo-nos inertes a maldade e a sujeira que nos cerca, não que estejamos inocentes as situações, mas porque, a mensagem do filme estava exata afinal, o mal está presente como uma doença incurável em toda a sociedade, propagando-se em nosso meio, assim como um gás inflamável disperso na atmosfera, esperando apenas uma faísca para entrar em combustão.

Nota: 10.0