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domingo, 24 de julho de 2011

Aconteceu em Woodstock (2009)


Como em seus filmes predecessores, em Aconteceu em Woodstocck (Taking Woodstock, 2009), Ang Lee lança um olhar extremamente carinhoso sobre pessoas que, involuntariamente ou não, assumem para si máscaras que não são aquelas que desejavam. Esse movimento de encobrir sua verdade realizado pelos personagens já havia sido demonstrado pelo diretor em O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), em que os cowboys vividos por Heath Ledger e Jake Gylenhaal escolhiam para si a reclusão de um sentimento avassalador com o qual eles pouco sabiam lidar, expresso, ao longo de anos, somente em ocasiões fortuitas. E também em Desejo e perigo (Sie, jie, 2007), onde se verificava a transformação de uma jovem, papel de Wei Tang, em uma isca para atrair um importante político (Tony Leung Chiu-Wai) para uma cilada de militantes da oposição, sem que ela se desse conta. Por ambas as obras, Lee recebeu o Leão de Outro em Veneza. Merecidamente, diga-se de passagem.

Pois bem. No caso de Aconteceu em Woodstock, a trasmutação, ou camuflagem, como queira, dá-se em Elliot Tilber (Demetri Martin), um jovem que está sempre pronto a ajudar seus pais no interior do estado, a ponto de abandonar seu emprego no coração financeiro dos EUA, a cidade de Nova York. Com isso, muda-se definitivamente para um lugar em que a pouca movimentação deixariam qualquer urbanoide entediado. É quando surge pela primeira vez em cena a impagável Imelda Stauton, no papel de Sonia, a mãe de Elliot, acompanhada do pai do jovem. Desde o início, a cada aparição Sonia enche a tela de risos incontidos, por sua personalidade avara ao extremo. Para evitar gastos, segundo ela, desnecessários com a adminitração do pequeno hotel de que são proprietários, Sonia chega ao cúmulo de reaproveitar toalhas e roupas de cama que já não deveriam, há muito, não estar mais em uso. A construção dessa personagem, com tintas hilariantes, é um dos elementos de comicidade inseridos por Lee na narrativa de Aconteceu em Woodstock.

Disposto a fazer com que o negócio da família prospere, e a evitar queo banco o confisque devido às inúmeras dívidas acumuladas, Elliot decide hospedar uma certa tribo de hippies que tiveram a licença de seu festival de música cassada numa cidade vizinha em seu hotel. Em pouco tempo, chegarão ao lugar pessoas de tipos estranhos, muito longa de uma normalidade esperada pelo senso comum. Na tela, desfilam figuras desvairadas, embebidas numa maneira de pensar que dispensa bens e qualquer ligação com uma vida material, e que, depois, virariam lendas e caricaturas de si mesmos para gerações que desaprenderam a contestar. Lee foca suas lentes em gente comum, que procura um lugar para expressar seus desejos de mudança, e pregar o caminho para uma vida alternativa, pautada na convivência harmoniosa com qualquer pessoa.



A partir da instalação desses hippies no hotel, começam os chiliques divertidíssimos de Sonia, que fica horrorizada com o comportamento despreocupado daqueles jovens, que não se importam de andar nus e demonstrar suas paixões de maneira, digamos, mais indecorosa. E Aconteceu em Woodstock se revela um misto de comédia com drama, sendo predominante o primeiro gênero. Uma amostra da versatilidade de Ang Lee, que soube manejar bem sua câmera para os conflitos internos de um protagonista, como já fizera tantas vezes, mas, dessa vez, sob um ponto de vista divertido. Tal habilidade é típica dos mestres que transitam livremente pelas mais variadas esferas de narrativas, sem que escorregue nem tanto para um aspecto, nem tanto para outro. Voltando aos hippies, a grande ideia de Elliot é organizar o festival de música ali, na sua cidade, e arrecadar o máximo de dinheiro que puder hospedando os jovens em seu hotel e cobrando por todos os serviços que oferecer. Se a localidade já estava cheia desses alternativos, agora mesmo é que se torna "infestada" de representantes do chamado flower power, o que, a princípio, enlouquece Sonia. Mas só até ela ver os lucros gerados com a decisão de sediar o festival na cidade.

Diferentemente do que o espectador possa presumir, o filme não é sobre os grandes momentos de Woodstock, mas sobre os bastidores de um festival marcante para toda uma geração, que redefiniu o modo de pensar a cultura em todas as instâncias. O enredo trata de pessoas absolutamente comuns, em busca da afirmação de uma ideologia que querem estender para o mundo ao redor. Quem espera a reencarnação de mitos daquela época, como Janis Joplin e Jimi Hendrix, poderá ficar um pouco decepcionado. Aconteceu em Woodstock espia os bastidores de dias lendários, que estão presentes na memória afetiva de todos, até daqueles que não viveram as emoções do evento. É engraçado ver a maneira como Elliot e os pais se viram para acomdar tanta gente em um hotel tão pequeno, chegando ao cúmulo de dividir um quarto em dois. Sonia, vendo que para os jovens não há barreiras de privacidade, usa esse fato como justificativa para sua sovinice acentuada. Aliás, Stauton tem vários grandes momentos em cena com sua personagem. Outros atores também demonstram talento e versatilidade, como Emile Hirsch, muito bem na pele de um ex-combatente paranoico depois do retorno da guerra, que oferecer explicações mirabolantes para os efeitos que aquele festival causará na mentalidade e na vida de todos os envolvidos. Talvez ele até merecesse mais tempo em cena, já que seus diálogos se dão basicamente com Elliot. Liev Schereiber, ainda pouco conhecido pelo grande público, também surpreende na pele de Vilma, uma espécie de travesti que aparece, ninguém sabe muito bem de onde, empenhado em ajudar Elliot a levar à frente a organização do festival.

De alguma maneira, aquela ocasião em que se prega um espírito libertário é a chave para a liberação de Elliot, que se sente à vontade para exprimir sua sexualidade que, desde o início da projeção, parecia ambígua, mas era, na verdade, conscientemente adormecida por respeito aos pais. Com o começo do festival, instaura-se uma ambiência multicolorida, em que todo tipo de manifestação de sentimentos é permitida e legitimada. A aura de ruptura com tudo e todos se evidencia nos fotogramas seguintes, salientando o ótimo trabalho executado por Eric Gautier, responsável por essa parte do filme. Já na abertura, surgem as flores do pequeno jardim em frente ao hotel dos pais de Elliot, e a tela vai se dividindo em várias, para dar conta de acompanhar todo o frenesi advindo do começo de uma nova vida para o protagonista.

Durante toda sua exibição, Aconteceu em Woodstock é cheio de achados impressionantes, entre os já citados, e outros, como a cena em que os pais de Elliot tomam alguma substância alucinógena e, sob o efeito dela, começam a dançar loucamente, sem freios. Sonia, a mãe, revela uma outra faceta, ainda mais risível, de seu comportamento. E outro grande mérito do cineasta taiwanês é transpor o público para toda aquela atmosfera excitante de contestação e contato com o mundo a partir de um outro olhar. Palavras que, a princípio, não têm relação entre si, como lisérgico, autoral, policromático e intenso, são igualmente eficientes para definir o percurso traçado por Lee para chegar ao resultado final de seu longa.

Nota: 8.5

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