Carell e Moore, juntos? E não é que deu certo? |
No "Manual Sagrado das Comédias Românticas"
(aquele ao qual todo roteirista recorre quando deseja fazer um filme meia-boca)
existem algumas regras pétreas. Quanto ao desenvolvimento dos personagens,
destaco os dois maiores Mandamentos: 1) Todas as mulheres são santas. Sem
exceções. Tão santas que poderiam se candidatar ao cargo de "Jesus
Cristo". 2) Quase os homens são cafajestes. Aqueles que não são, desejam
desesperadamente ser. Após muitas décadas de lançamentos comerciais, as regras
para as comédias românticas se solidificaram, mesmo sem muita coerência. Veja
se não é: o casal se conhece sabe-lá-deus-onde e, no começo, o relacionamento
não vinga. A mulher odeia o homem porque ele é um cafajeste. E o homem não
respeita a mulher porque só quer fod... err, "degustá-la". Mas, com o
tempo, o homem, com sua "cafajestice" irresitível,
"converte" a mulher e a faz "desfrutar as coisas boas da
vida". No final, eles ficam juntos. Ok? Não: miraculosamente, após o
casório, o homem se converte na mais santa das criaturas (só não mais do que as
mulheres, é claro) e a mulher fica imensamente feliz por ter domado o feroz
corcel. E vivem felizes para sempre...
Não é preciso ter muita inteligência para saber que as coisa não são
assim. Na verdade, basta sair um pouco de casa para perceber que a vida
DEFINITIVAMENTE não é assim. Mas, em termos de cinema comercial, pouco importa.
Desde que Woody Allen praticamente inventou o gênero com "Noivo
Neurótico, Noiva Nervosa" (e que belo começo para um gênero do
cinema!), a coisa foi sendo avacalhada até o ponto da crise de identidade em
que as comédias românticas se encontram hoje em dia (mas que gênero, eu me
pergunto, não vive a mesma situação?!).
Aulas de sedução e muitas trapalhadas! |
"Amor a Toda Prova" é um desses raríssimos
momentos de epifania em que o cinema resgata sua verdadeira identidade. De
todos os adjetivos peculiares que eu poderia usar para descrever o filme (e são
muitos), prefiro ficar com "sincero". Sim. "Amor a Toda
Prova" é um filme tremendamente sincero. Não sincero-depressivo, não
sincero-realista, mas simplesmente sincero! Por isso, consegue ser
incrivelmente tenro, espirituoso, divertido e comovente. É um daqueles
maravilhosos filmes que nos fazem sair da sessão com um grande sorriso, que nos
lembram que o amor é muito mais do que uma transa casual ou do que um
romancizinho infantilóide.
Como eu poderia resumir este achado? STEVE CARELL. Pronto, já disse
tudo. Desde sua alavancada ao estrelato com "O Virgem de 40 Anos",
Carrel parece fazer questão de reafirmar o personagem de seu filme: ele é um
bom moço. Seu currículo de atuações, na verdade, consiste basicamente em
"bons moços". E isso é bom, muito bom: não era de se surpreender que,
ao ser produtor de "Amor a Toda Prova", Carrel resolvesse usar o
filme como uma forte mensagem à humanidade. E ele o faz de maneira esplêndida!
O bom moço X o garanhão nato |
Nada é gratuito neste filme. Nenhum relacionamento é tratado de forma
barata. Todos os personagens, todas as ocasiões, todos os encontros e
desencontros possuem um sentido, uma lição, uma reflexão. Este é um dos poucos
filmes cujo título nacional ("Amor a Toda Prova") retrata melhor a
história do que o título original ("Crazy, Stupid Love", algo como
"Amor Louco e Estúpido"). Não há grandes loucuras neste filme, pelo
menos não no sentido adolescente ao qual nos acostumamos. Há muita estupidez,
sim, mas ela é sempre remediada pelo aprendizado e pelo arrependimento. É,
afinal de contas, um "amor a toda prova": uma seqüência de trancos e
barrancos que tornam o amor tão doloroso e tão irresistível.
É um filme sobre a superação, sobre o aprendizado. Mas é uma comédia,
pelo amor dos céus! Não pense que este é algum filme super reflexivo ou
intelectual. É uma obra engraçadíssima, cujo roteiro brilhante nos faz viver
algumas das melhores situações em comédias românticas dos últimos anos. A
seqüência em que todos os personagens se encontram e todos os segredos são
revelados faria até Woody Allen pensar: "Poxa, isso é genial!". O humor
do filme é sustentado pelas próprias incoerências da vida, pelos desencantos da
paixão. Afinal, quem nunca olhou para trás e, lembrando-se de suas primeiras
paixonites e dos sofrimentos que elas causaram, não achou graça dessas
situações? Aí está a parte em que o amor é mesmo "louco" e
"estúpido". E é por isso que nunca nos cansamos dele.
"Minha nossa! Seu corpo parece coisa de photoshop!" = diálogo épico! |
Que maior garantia da qualidade do roteiro seria as próprias críticas
que ele faz ao gênero? Quem mais não acha incrível que um personagem, ao ser
abandonado pela amada no meio da chuva, exclame: "Que clichê..."? O
filme avança de forma sutil até mesmo onde muitos outros (quase todos, na
verdade) falharam: críticas ao "romantismo" contemporâneo. Para mim,
um dos pontos altos da produção é quando a personagem de Julianne Moore
(divina!) exclama: "Eu estava tão sozinha! Eu até mesmo fui assistir a
uma sessão de Crepúsculo ao invés de trabalhar! Deus, eu nem sei porque
fiz isso... o filme era tão ruim!" O filme me conquistou de vez depois
desta fala!
Meu coração, duas horas depois de terminada a sessão, ainda está
aquecido graças ao filme. Sinto-me engrandecido, verdadeiramente feliz, em paz.
É preciso muito mais do que um filme bom para que eu fique assim. "Amor a
Toda Prova" é uma obra que dialoga com os sentimentos da platéia, que vai
fundo onde nenhuma comédia romântica tem coragem de ir hoje em dia. Ao
apresentar a vida real, com suas conquistas e desilusões, esta obra nos lembra
que, no amor, existe muito mais do que poemas em campos verdejantes ou noites
de sexo descontrolado. Todo mundo irá se identificar com pelo menos um dos
personagens retratados na obra, e torcer para a felicidade de todos. Ao subir
dos créditos, não há qualquer garantia de um "felizes para sempre".
Ainda bem. A vida é excitante demais para terminar de forma tão clichê...
A cena mais hilária dos últimos anos... confira e verá! |
NOTA: 7,5
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