Sorria, você está se filmando...
Se os anos 90 viram a explosão das máquinas fotográficas polaroids, uma revolução para quem, em épocas anteriores, não conseguia realizar o desejo de visualizar quase instantaneamente o momento registrado pelo clique
da câmera, os 2000 em diante têm vivido o boom das câmeras
digitais. A partir disso, penso em como nossa cultura tem se perpetuado como uma
‘cultura da imagem’... Mas, depois de conferir Pacific (idem, 2011, Marcelo Pedroso),
pergunto: Quando ela NÃO foi? Nossos símbolos, deuses e mitos eram pintados,
esculpidos, adorados; nossas narrativas orais descrevem imagens em sequência; nossos
gestos e expressões corporais são imagens que podem ser registradas em um
suporte físico, o que nos conduz, de fato, às reflexões sobre o longa dirigido por Pedroso.
No longa em questão,
vemos imagens amadoramente filmadas pelos passageiros do
cruzeiro Pacific, que, no final de 2008, partiu de Recife em direção a Fernando
de Noronha. Letreiros que abrem o longa explicam o mote do diretor ao realizar
o documentário: depois de observar, no cruzeiro, quem portava câmeras e
filmadoras digitais, os pesquisadores abordaram estes passageiros e solicitaram
o uso das imagens registradas por eles para a realização do longa. No rico
material colhido, encontram-se diversas narrativas conduzidas por personagens cativantes
por sua simplicidade quase anônima e, por vezes, nada memorável, o que torna a
experiência um quase dejá vu de nossa própria vida.
Nesse reality show concebido e registrado por
nós mesmos, temos tornado nossa própria vida palco de encenações e criação de
personagens, pois, diante das câmeras, deixamos de ser um pouco nós mesmos não para um cineasta, mas para um público idealizado que nos assistirá em nossa intimidade: amigos, familiares, colegas de trabalho. Em
seu longa, Pedroso consegue o registro destes diversos ‘supra-eus’ que encenam
videoclipes, imitações, paródias de filmes e tantas outras situações, demonstrando a trivialidade com que a linguagem audiovisual penetra no nosso cotidiano. Ao mesmo tempo, ele inverte as cartilhas do documentário - que, em geral, filma histórias ou personagens extraordinários - ao se voltar para pessoas simples e pouco memoráveis em uma circunstância banal para quem os observa de fora, mas extremamente marcante para aqueles que dela participam, em seus momentos de celebração e ludicidade.
Ao final da sessão, refleti sobre toda a trajetória da sétima arte: percebo como retornamos para a concepção inicial do cinema, quando os irmãos Lumière
registravam o cotidiano de pessoas comuns em suas atividades prosaicas, algo
semelhante às câmeras de segurança que nos cercam, aos Youtubes onde
depositamos diariamente nossas filmagens caseiras, com uma diferença: hoje, não
precisamos de alguém nos filmando, mas somos cineastas de nós mesmos.
Nota: 9,0
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