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sábado, 5 de novembro de 2011

V de Vingança (2005)


O maior feito do longa é gerar um enorme encanto pela obra original de Alan Moore.



Alan Moore talvez venha a ter sido o cara que mais influenciou os quadrinhos no lado ocidental do planeta. É incontável o número de suas obras, dentre as quais se encontra “Watchmen” (até hoje considerada a maior HQ de todos os tempos por muitos marmanjos) e este V de Vingança, trabalho que em 2006 ganhara uma adaptação aos cinemas pelas mãos do diretor James McTeigue (para mim um desconhecido) e dos irmãos Wachowski. Trata-se de um filme poderoso e denso, cuja maior conquista é gerar um grandioso encanto na obra original de Moore devido ao seu conteúdo crítico à sociedade atual.

Estamos em Londres, no ano de 2020, quando uma espécie de vingador mascarado conhecido apenas como “V” (Hugo Weaving começa a realizar ataques terroristas contra a sociedade da qual defende. Em uma noite, V salva uma garota chamada Evey (Natalie Portman) de uma gangue de estupradores, o que faz ela gerar um subconsciente fascínio pela figura do salvador (mais tarde ela livra a barra dele nocauteando um guarda pelas costas durante um atentado). É num desses ataques planejados que V invade uma rede de televisão britânica e faz de refém um andar inteiro para obrigar a transmissão de um vídeo de sua autoria para o país inteiro. Esta sequência por si ilustra a ótima direção de McTeigue, que mantém as rédeas de seu trabalho durante 131 minutos num longa de direção impecável e assombrosamente segura de si. Nela, McTeigue não só consegue montar o desenrolar do plano de V como também mistura o pânico da polícia que desesperadamente procura um meio de impedir que a mensagem do “inimigo de estado” seja levada à todos os cidadãos. Nesta fantástica manobra, V discorre suas opiniões cheias de fúria mas sempre com grande elegância (na cena inicial em que V livra Evey dos estupradores há um incrível monólogo com palavras que só começam com a letra que dá seu nome) e convoca à todos seus semelhantes à se reunirem um ano depois, no 5 de novembro (“Remember, remember, the fifth november!”), para então se encontrarem em frente ao parlamento e assistir a destruição do símbolo do país.

V de Vingança a partir daí perde seu efeito de thriller que deslumbra até mesmo o público casual para se aprofundar nas investigações policiais acerca do passado de Evey e V, evento que prossegue pelo período de um ano na trama. Esta “meia” parte é seguramente a mais importante de toda obra; nela conhecemos os motivos de V que o levaram a se revoltar e procurar meios alternativamente violentos para criar uma revolução. O que se sucede é que V é resultado de uma série de experiências governamentais em corpos de minorias – aqui figurados homossexuais -, experiências estas que envolvem um terrível golpe do Estado contra seu próprio povo: na história de Moore, o governo britânico desenvolvera uma bactéria mortal para propositalmente espalhar entre as pessoas e provocar o medo; de posse da cura, o governo poderia se reeleger, criando na trama ares de conspirações políticas (na fantasia, o chanceler consegue uma reeleição para o novo cargo de alto chanceler, num tipo de totalitarismo). Tal doença fora criada com ajuda destes “involuntários” do qual V fazia parte, mas um acidente no campo de cobaias o deforma (em uma cena vemos a mão queimada do enigmático ser) e o dá o ideal do qual transcorre durante o filme inteiro. Esta profunda trama por si bem montada já poderia se dizer que transforma o longa numa profunda realização; não pela trama em si (que todo o crédito se deve a Moore), mas sim pela qualidade com que é desenvolvida.


Esta crítica à liberdade ao qual V faz alusão durante seus discursos na tela perde em efeito do que tem nos quadrinhos, e isto é simples de se explicar: os quadrinhos são um universo completamente diferente do Cinema. Graphic Novels originais atingem um outro tipo de público, por outros meios – um meio mais marginal, pode-se assim dizer. Sendo assim, o roteiro de Alan Moore e sua imaginação ganham um feroz impacto sobre quem lê, o que não se repete em plenitude no filme de McTeigue. Como já disse, muito bem rodado, é verdade, mas a história de Moore, como ele mesmo disse, é infilmável, pois o Cinema como meio de comunicação da elite transforma tudo de outra maneira. O resultado é que V de Vingança não alcança o deslumbramento ideológico original – apesar de nos instigar acerca do trabalho de Alan Moore -, deixando a ácida visão do roteirista dos quadrinhos meio bobinho diante do alto pretensiosismo estapafúrdio que involuntariamente V de Vingança possui.

Outro diferencial do filme de McTeigue é a carga dramática que Portman dá ao filme; diferente de outros filmes de adaptações das páginas, V de Vingança consegue ter um poderio não só estético como também interpretativo (as cenas de Portman no cativeiro de V, principalmente quando lê a carta da suposta prisioneira lésbica demonstram bem isto), uma qualidade que só não se iguala ao recente Cavaleiro das Trevas, de Chris Nolan. Hugo Weaving não mostra a cara durante o filme, mas pode-se dizer que o protagonista mesmo sem mostrar qualquer feição já é o destaque; sua entonação de idéias são capazes de inflamar quem assiste de tal maneira a se apaixonar pelas mesmas idéias revolucionárias. O trabalho de arte em cima da figura dele também é impecável, ajudando muito para a aproximação entre filme-espectador, sempre muito bem vindo ainda mais em um longa que exige do espectador.

E até o final o filme é conduzido com extrema habilidade por parte técnica de todos envolvidos, vide a montagem da redenção de Evey na chuva, vide o combate de V próximo ao fim e vide a magnificente explosão do parlamento incrivelmente verdadeira. Por falar em luta, lembro-me de outro incômoda característica de V de Vingança, e talvez o único erro grotesco da produção: a fim de deixar o trabalho verossímil ao da novela escrita, McTeigue opta por dar ao seu filme uma violência gratuíta por parte do nível de sanguinolência ao qual escolhe pôr; um dos mesmos defeitos que Watchmen apresentara, do mesmo Alan Moore ( e que igualmente pediu para retirar seu nome dos créditos). Esta escolha ilustra o amadorismo de um diretor afobado, que para não fugir da regra, ou erra aqui, ou erra ali.

No mais, V de Vingança acumula alguns acertos que certamente o farão famoso por algum tempo, em um longa que deve mais que metade do seu sucesso devido à um brilhante roteirista de quadrinhos. Serve como diversão com inteligência acima da média – assista despreocupado e correrá o perigo de se perder durante -, e serve para enfim me fazer entender o quão certas obras nasceram para ficar somente em um tipo de cultura, e que são de fato (quase) infilmáveis.


Nota: 6.0



3 comentários:

  1. Estou com o filme em casa há algum tempo, mas ainda não tive vontade de conferir.

    Abraço

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  2. "Serve como diversão com inteligência acima da média" - Bem, desculpe, amigo, mas entãp porque deu apenas nota 6,0 ao filme?

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