Via Infoconews
Desde que a temporada de premiações começou, um drama norte-americano de orçamento modesto vem despontando como principal vencedor em algumas categorias, despertando curiosidade e surpresa no público: “Os Descendentes” (The Descendants, 2011). Não surpreende, porém, se considerarmos que esse é o sexto filme dirigido e roteirizado por Alexander Payne em pouco mais de 20 anos, numa filmografia que apesar de curta, já se faz notável por sua regularidade, da qualidade de seus trabalhos à forma singular com que os tem desenvolvido a partir de tramas convencionais.
Na nova história comum que Payne apresenta, Matt King (George Clooney) é um homem de meia-idade herdeiro de vastas terras no litoral havaiano que vive uma vida simples, até que sofre um terrível baque: a de que Beth, sua impetuosa esposa (Patricia Hastie), sofreu um grave acidente de barco. Diante da notícia de que sua mulher não mais “acordará”, o introspectivo pai de família tem a árdua tarefa de dar a trágica notícia a parentes, amigos e duas filhas rebeldes, com as quais tem pouca proximidade emocional. O drama de King se agrava quando a filha mais velha revela que a mãe estava tendo um caso extraconjugal, levando Matt numa jornada em busca da identidade do amante da esposa falecida.
Como pode-se perceber, o cineasta investe mais uma vez numa figura masculina às voltas com seus conflitos. Matt, em particular, é um sujeito introspectivo, excessivamente pacato, ao ponto de demonstrar certo pavor ao reconhecer que suas filhas são tão complicadas quanto sua mulher. Clooney encarna um verdadeiro “tiozão”, espantado com o comportamento e o linguajar de suas crias. Conforme ele vai aprendendo a lidar com as meninas, não é difícil pensar que este fato dá-se apenas pela necessidade, caso contrário aquele reprimido homem não se atreveria a entrar em conflito com criaturinhas tão geniosas.
Ainda que se observem diferenças de personalidade entre o introspectivo Matt King e o rabugento Warren Schmidt (Jack Nicholson), quando o personagem de Clooney decide colocar o pé na estrada para expurgar seus demônios, mais do que a morte da mulher surge como elemento comum com o protagonista de “As Confissões de Schmidt” (About Schmidt, 2002). A partir daí, Payne lança mão de outros elementos típicos de seu modo de filmar, mostrando-se ainda mais à vontade na direção do longa: com sua câmera a captar fachadas e placas de “aluga-se” em casas e estradas quaisquer dos Estados Unidos, dentro do carro o clima angustiante é quebrado por diálogos dotados de humor sutil, real, muito engraçado. Quanto o tom da “piada” beira o constrangedor, como num comentário impensado de Sid (Nick Krause) sobre o adultério, a figura do marido traído em Matt surge tão digna de pena quanto a do depressivo Miles (Paul Giamatti) em “Sideways – Entre Umas e Outras” (Sideways, 2004). A falta de jeito dos dois personagens, aliás, também é evidente no modo como correm, numa piada física válida em ambos os longas por não atrapalharem a comédia genuína e madura que o cineasta propõe.
A competência de George Clooney, a propósito, também reside justamente aí, já que o ator alterna instantes mais cômicos com demonstrações convincentes da angústia de seu personagem, composição eficiente e quase tão carismática quanto a de Nicholson e Giamatti nos trabalhos citados. Ainda no elenco principal,Shailene Woodley destaca-se como a personagem mais complexa da história: Alex é uma jovem de 17 anos, problemática, porém madura e capaz de orientar sua irmã mais nova e seu próprio pai. Como Scottie, a filha mais jovem, é divertido pensar que Amara Miller seria a versão desbocada de Oliver, de “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006).
Ainda vale a pena fazer algumas ressalvas sobre o elenco secundário, começando por Brian Speers, o amante de Beth, interpretado por nada mais nada menos que o Salsicha do filme “Scooby-Doo” (Idem, 2002), o que redundou numa surpresa bastante hilária. E não pense que a escolha por Matthew Lillard é mera coincidência, pois a própria Alex ironiza o gosto duvidoso da mãe – muito embora fique claro que o homem tem como atrativo a determinação que falta ao pai. Escolhida a dedo para viver Julie Speers, o rosto de menina frágil da atriz Judy Greer é a caracterização perfeita para a esposa devotada e vulnerável. Por fim, ressalto a atuação de Robert Foster como o rude sogro de Matt King, imponente enquanto interroga o genro, mas que demonstra o peso de sua idade e sua dor ao levantar-se, quando percebemos um senhor levemente arqueado e com um figurino (bermuda acima da linha da cintura e meia cor de pele à altura da canela pálida) que lhe confere ao menos 10 anos de vida.
A beleza de Os Descendentes pode ser resumida pelo expressivo raccord ocorrido no final do filme, quando a plateia formada por primos de Matt (imagem de destaque no trailer abaixo) é transformada em seu núcleo familiar, ilustrando sutilmente a principal preocupação do pai de família. Belíssimo, portanto, e que corresponderá às expectativas do espectador que souber o que deve esperar de uma obra do gênero. Não será visto um roteiro incrível repleto de reviravoltas, mas uma história da vida real; sua, minha, de alguém vivendo um momento dificílimo, de profunda tristeza. Somos recompensados, porém, com boas risadas em situações tragicômicas, artifício que jamais soa forçação para tornar a sessão mais digerível ao público geral. Isso porque a mensagem que o autor pretende passar durante a projeção, em grande parte entoada por uma trilha sonora otimista composta por música típica havaiana, é bastante clara: a de que um homem pode reconstruir sua família após a perda de um dos elos mais importantes dessa instituição: a figura materna.
E abordar temas tão tocantes sem resvalar na pieguice é, certamente, um dos grandes trunfos da pouco extensa, porém muito importante filmografia de Alexander Payne.
Belo Texto. Alexander Payne é realmente muito bom. Sua filmografia é incrível. Confesso que não quero que seu filme ganhe, mas não nego sua qualidade.
ResponderExcluirO filme é agradável e acessível, mas carece da complexidade emocional de "As Confissões de Schmidt", por exemplo. Digno de prêmios, nesse filme, só mesmo o George Clooney!
ResponderExcluirAinda não vi este filme. Espero vê-lo, em breve. Não gosto muito do George Clooney. Estou ansioso mesmo para vê a atuação da Shailene Woodley. Parabéns pelo blogger. Excelente resenha. Seguindo...
ResponderExcluirÉ um bom filme, sabe tratar com beleza um drama familiar e você ressaltou isso no seu ótimo texto. Mas não acho os Descendentes isso tudo que está se mostrando. George Clooney está mesmo ótimo, assim como Shailene Woodley e Amara Miller, maravilhosas.
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