Os
Descendentes e a efemeridade dos desejos do homem comum
Alexander
Payne acostumou-se a trabalhar com o esvaziamento do homem moderno, aquele que
não encontra mais sentido em instituições que antes lhe ofereciam um sentido de
eternidade e certeza sobre os fatos. Suas personagens conectam-se ao imediato,
ao fugaz, aos desejos que se resolvem neles mesmos, não encontrando ecos em uma
existência vindoura. Foi assim com a Jim McAllister de Eleição (1999), com o Warren
Schimdt de As Confissões de Schmidt
(2002) e com Miles em Sideways (2004),
personagens que se determinavam a alcançar objetivos pouco nobres, mas, antes
de tudo, extremamente, humanos.
Em
Os Descendentes (The Descendants, 2011, Alexander Payne), Payne adapta o livro
de Kaui Hart Hemmings, mostrando, por meio da inusitada transformação de Matt
King, pai irresponsável que precisa reatar o contato com as filhas Scottie e
Alex enquanto sua esposa permanece em coma no hospital. Enquanto isso, ele precisa
lidar com as dificuldades da venda de um terreno herdado por ele e sua dezena
de primos e com a descoberta da traição da esposa com um concorrente do ramo
imobiliário.
O
roteiro escrito a seis mãos consegue trazer densidade e leveza para o material
ao registrar o cotidiano inusitado e particular do Havaí, enquanto traz
diálogos sagazes e surpreendentes, lembrando em alguns momentos um Arrested Development menos cruel e
absurdo. A apresentação dos personagens e seus desenvolvimento ao longo da
narrativa destrincha a humanidade de cada um, com diálogos em que pai e filha
se ofendem e se compreendem com poucas linhas entre um momento e outro. A
direção de Payne equilibra os personagens, compreendendo seus pontos de vista,
apresentando-os da forma mais franca e fresca para o público, cativando-o
justamente por suas imperfeições. Se nada disso é novidade no cinema, fica
claro o carinho e o respeito com que Payne trata cada um deles, deixando-os
livres para seguirem suas trajetórias complexas e patéticas, extraindo
performances fluentes e naturais de todo o elenco. Enquanto isso, o embalo
sereno da trilha sonora e da montagem acompanham o colorido da fotografia
praieira.
Em
suma, podemos dizer este último exemplar da filmografia de Payne, se não
supera, atende bastante às expectativas daqueles que aprenderam a admirar seu
trabalho, assim como oferece aos fãs de George Clooney uma performance mais desglamourizada do que o galã que ele, aos poucos,
está se permitindo deixar de ser. Tudo isso com extrema humanidade e
sensibilidade para abordar as virtudes e vícios dos egoístas, inescrupulosos e
admiráveis que temos nos tornado a partir do que acreditamos ser uma ‘evolução’.
Se nos afogamos na satisfação imediata dos nossos desejos, é por que, de fato,
nos esquecemos do caminho que nossos antepassados percorreram para chegarmos
até aquele ponto.
Nota: 9,0
Gosto da direção e das atuações de Os Descendentes, e é um bom drama familiar, isso não nego. Mas não gostei do resultado num todo e não vejo porque tanta falação sobre o filme.
ResponderExcluirAbraços!