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quinta-feira, 1 de março de 2012

J. Edgar (2011)


Na teoria, muito mais que na prática, as ideias e propostas do novo filme de Clint Eastwood me chamavam profundamente a atenção, primeiramente por se tratar de uma das figuras políticas mais notórias em solo americano no século XX, e depois em razão da curiosidade em saber como o cineasta abordaria as questões pessoais e profissionais presentes na trajetória de J. Edgar Hoover, e para qual dos aspectos da vida do ex-diretor do FBI a narrativa estaria mais focalizada. Foi surpreendente constatar que, assim como fizera com seu trabalho A Troca (Changeling, 2008), o veterano diretor utiliza o prisma policial, tal como os fatos históricos, como uma via de acesso às emoções devastadas de seus respectivos protagonistas. O sofrimento da mãe encarnado por Angelina Jolie, anos antes, ganhava um viés investigativo quando o aparentemente solucionado caso do desaparecimento passa a refletir numa busca a um cruel assassino de crianças, e essa caçada daria vazão à destruição interna da corajosa mulher. Em J. Edgar (idem, 2011), o apego do mesmo pelo poder muito diria sobre sua submissão a mãe e os próprios conflitos quanto às repreensões de sua vida.

Tanto A Troca quanto J. Edgar utilizam duas linhas narrativas distintas para analisar as dimensões de uma mesma história, explicando, portanto, as equivalentes implicações éticas e sociais causadas pelas atitudes muitas vezes impulsivas de seus protagonistas e os demais personagens da trama. Contudo, o mais famoso diretor da história FBI, interpretado por Leonardo DiCaprio, diferente da atendente telefônica de Jolie, é um homem de pouquíssimos escrúpulos, que estendeu seu período de seu cargo contando com influências, chantagens a figuras poderosas e artimanhas reprováveis; justamente por tais características, o filme tinha um leque de oportunidades para trabalhar com a confecção de um personagem tão dramaturgicamente rico e tridimensional, e não deixa de ser frustrante que, durante todo o tempo de projeção, o cineasta não saiba exatamente como e onde direcionar sua lente, tornando o homem por trás da ostensiva posição uma incógnita. Na velhice onde narra os fatos de sua carreira a um jovem datilografo, e na juventude onde inicia um duradouro relacionamento com Clyde Tolson, seu braço direito, tudo sobre J. Edgar parece lacônico, sem respostas satisfatórias, em relação aos dois aspectos de sua vida.

Eastwood entrega os melhores momentos de seu trabalho aqui quando se atem aos casos nos quais seu biografado teve participação, tal como o famoso sequestro do bebê de Charles Lindbergh ou as apreensões de grandes chefões da máfia durante os anos 40. E a cena onde Clyde, já velho e convalescente, atira todas as verdades sob essas “conquistas” na cara de seu amante se revela um dos pontos mais altos da narrativa. Quanto a isso, aliás, J. Edgar acerta ao tratar de forma surpreendentemente sutil a homossexualidade de seu protagonista, em um apanhado de sequências onde se torna ainda mais nítido e doloroso os conflitos íntimos do personagem de DiCaprio. Não obstante disso, as cenas em que J. Edgar já está convicto de sua sexualidade e já sustenta um relacionamento estável com seu parceiro parecem não encaixar de maneira orgânica na narrativa, visto que logo os momentos em que se priva de seus interesses mais íntimos e nega a si mesmo ter atração por homens – colaborado pelo absoluto preconceito da mãe castradora – são os mais interessantes dentro daquele universo circundado mais por perguntas que respostas (reafirmado por uma fotografia que prima pela escuridão), bem como as inúmeras confusões mentais do então diretor do FBI.

Não abrindo mão de qualquer um dos campos que procurou explorar acerca de J. Edgar, Eastwood arrisca duas linhas narrativas que se entrelaçam com a mesma constância em que se desapegam, assim como uma perspectiva do futuro quanto aos lados de uma mesma moeda. Resta, portanto, uma trama fragmentada por situações que parecem não se aderir com a fluidez pretendida; em relação a isso, particularmente, vejo refletido nesses problemas estruturais um pouco de seu Além da Vida (Hereafter, 2010), em que as três histórias consumidas pela tragédia revelam mais potencia dramática quando desconectadas uma da outra, vistas separadamente, uma vez que unidas denunciam de imediato a fragilidade dos alicerces da narrativa. E esse novo trabalho de um diretor que sempre visou a análise humana de seus personagens, erra justo no ponto em que não se decide em qual das faces irá apostar – o resultado é, figurativamente, uma moeda jogada para o alto, mas sem previsão de aterrissar e nos dar qualquer resposta. 

Nota: 6.0



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