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terça-feira, 20 de março de 2012

A Última Noite (2002)

A Última Noite representa, provavelmente, a maior diversificação presente na carreira de Spike Lee. O diretor, cujos filmes claramente apoiavam a militância pró-movimento negro (Faça a Coisa Certa e Ela Quer Tudo são grandes exemplos) apresenta aqui uma realização mais condensada, reflexiva, ousada, e que comprova a evolução da técnica do diretor além do gênero que o consagrou.

Baseado na obra homônima de David Benioff (que também assina o roteiro), o filme nos apresenta Montgomery Clift (Edward Norton), que foi condenado a sete anos de prisão por tráfico de drogas, e por isso decide passar suas últimas 24 horas de liberdade ao lado de seus amigos Francis (Barry Pepper), um corretor bem-sucedido, e o professor de literatura Jacob (Phillip Seymour Hoffman), além de sua namorada Naturelle (Rosario Dawson), de quem possui certa desconfiança por acreditar que ela o denunciou à polícia. Neste tempo, Monty (como é chamado pelos amigos) se defrontará com seu pai James (Brian Cox) e enfrentará, pelo resto da noite, seus próprios dilemas e conflitos pessoais.

A complexidade dos personagens nos é apresentada logo de cara na abertura do filme, quando Monty atrasa um compromisso aparentemente importante para resgatar um cão agonizando no meio da rua. Através de uma apresentação simples, acompanhada por diálogos quase caseiros, o roteiro define a inversão de papéis do protagonista, que apesar de ser traficante, aparenta ser um rapaz carismático, boa-pinta, quase um “anti-mocinho”, e o sofrimento de Monty diante de seu inevitável futuro nos torna, quase que de imediato, cúmplices de sua jornada de autodescoberta e aceitação, e a cada momento em que o destino de Monty vai se tornando mais eminente, nos encontramos tão angustiados quanto o personagem, torcendo para que seu destino não seja o previsto por seu destino.

E é interessante que Lee nos faça enfrentar essa dualidade, pois comprova que seu objetivo não é tecer alguma visão pessoal sobre os limites morais, e sim conceder ao espectador a oportunidade de lidar e refletir sobre sua própria ética: seria justo conceder para Monty mais uma chance ou ele deveria, de fato, pagar pelos crimes que cometeu? O roteiro cuidadosamente construído de Benioff e a direção equilibrada de Lee nos fazem mergulhar não somente no universo dos personagens, mas também dentro de nosso intimo, fazendo o espectador confrontar-se com suas próprias ideias.

Apesar disso, Lee consegue imprimir um certo olhar pessoal sobre a obra, jamais soando intimista ou moralista demais. E esse toque intimo pode ser visto, principalmente, em alguns momentos como quando os dois amigos de Monty, Francis e Jacob, estão mirando sobre a janela de um hotel os destroços do World Trade Center. Lee parece querer, por meio dessa cena, denunciar a aparente inocência de seu país, que se firmou como uma das maiores potências mundiais à custa de países mais pobres. Isto também se reflete na própria jornada do protagonista, que construiu seu conforto através da dependência de outros.

É a partir dessa ousadia crítica que Lee constrói o momento mais poderoso do longa, quando Monty se depara com a expressão “fuck you” no espelho de um bar irlandês. Num gesto de fúria e descontrole, Monty despeja sobre o espectador toda a sua raiva e ódio praguejando contra negros, asiáticos, latinos e diversas outras etnias. E é neste mesmo momento que Lee nos desvenda a origem do preconceito: olhamos o próximo e, numa tentativa de justificar nossos problemas, afirmamos que em sua ausência, tudo poderia voltar ao normal.

A Última Noite não é para qualquer um. Ousado e corajoso, deverá causar desconforto em grande parte do público, assim como revolta em outra parcela. Mas é através de toda esta desmitificação complexa do ser humano que faz do filme o que ele é: mais uma bela realização de Spike Lee, um dos nomes mais respeitados das décadas de 80/90.

Nota: 8.0



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