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sábado, 5 de janeiro de 2013

Detona Ralph (2012)


A idéia com a qual “Detona Ralph” foi concebido - uma aventura no mundo dos videogames, com personagens e franquias reais - seria ótima não fosse o estado das coisas em Hollywood. Meu pessimismo - corrijo: “realismo” - inato guiou-me à opinião contrária: que a animação seria apenas mais um pequeno lixo comercial, com o agravante de profanar personagens queridos do mundo gamer. Fazer o quê. O cinema comercial moderno caminha a largos passos em direção a uma refinaria de esterco, com a exceção de que do esterco nascem coisas boas. Primeiro, trata-se de uma animação solo da Disney, uma empresa já bem distante do brilhantismo de outrora (ah, também guardo ressalvas com a Pixar, que parece ter iniciado seu declínio). Segundo, é sempre mais provável que os produtores (e os da Disney são notoriamente gananciosos, perdendo apenas para os da Twentieth Century Fox) não possuíssem o menor conhecimento ou mesmo gosto por games, usando seus personagens apenas para criar um produto atraente e poderem posar de “moderninhos”. “Vejam, nós fizemos um filme com games! Olha como somos descolados!

Alegrai-vos, cinéfilos: é uma desconfiança não correspondida. “Detona Ralph” é uma homenagem sincera de quem entende e adora games, não um mero produto tentando ganhar uns trocados a mais. Cada referência é bem planejada, cada sacada vai do engraçado ao genial, cada momento em que o Sonic ou o Ryu aparecem na tela é esperto, para leigos como eu, ou verdadeiramente emocionante, para os fãs. Assim, “Detona Ralph” se aproxima de (e, em minha opinião, supera1) “Uma Cilada para Roger Rabbit”, no sentido de reunir grandes nomes de um meio de entretenimento (“Ralph” trás games enquanto “Rabbit” trazia cartoons) em prol de uma história inventiva e - por que não? - um belo fan service. Não fosse o argumento para tais filmes, é provável que tal confluência de personagens (leia-se: royalties) jamais acontecesse. Ora, até hoje Mickey Mouse e o perna-longa nunca mais se encontraram em uma produção oficial. E me diga: em que outra ocasião você verá Chun-Li, Princesa Peach e Zelda2 conversando em grupo, como meninas adolescentes trocando fofocas?

Sim, sim, sim: esse filme é também um paraíso dos detalhes! Em minha última crítica falei sobre a Aardman, uma produtora com atenção imensa às mínimas coisas. Pois bem, aqui a Disney supera a velha inglesa das massinhas, e exponencialmente: se você gosta de procurar easter eggs, prepare-se para um orgasmo nas cenas da Estação dos Videogames - onde MILHARES de personagens agem no background - ou nos momentos em que tenta adivinhar quais são as paródias dos games fictícios criados pela Disney (o “Conserta Félix” se aproxima do primeiro “Donkey Kong”, e o nome “Hero’s Duty” é bem óbvio). E um quarto “sim”: isso é um paraíso para piadas, referências, trocadilhos e quaisquer caraminholas divertidas que puderem ser postas em um bom roteiro.

Roteiro que, aliás, é ótimo, ainda que um tanto complicado para crianças. Não digo que ele seja “inteligente demais” para os pequeninos, não. Ele é mesmo muito complexo, lidando com vários elementos simultâneos sobre os quais mesmo eu, um adulto razoavelmente atento, tive dificuldade de manter a atenção. Não sou de resumir um filme em meus textos (afinal, sinopses existem por um motivo), mas abro uma exceção apenas para mostrar o quadro geral: começamos com Ralph, um vilão bem sucedido mas imensamente insatisfeito com a vida que têm. Também! Ele vive isolado em um lixão e hostilizado pelos companheiros de jogo, que jamais percebem sua importância vital até que ele decide trocar de jogo para ganhar uma medalha de herói. Ele vai parar no “Hero’s Duty”, um shoot-em-all moderno figurando insetos mutantes como inimigos. Após algumas trapalhadas, ele consegue a medalha mas vai parar em outro jogo, o “Sugar Rush” (pense nos games licenciados pela marca “Moranguinho”, só que com mais carisma). Lá, uma menina (que, na verdade, é um “bug”) rouba a medalha, pois esta se parece com uma das “medalhas douradas” necessárias para que ela compita formalmente em seu jogo (afinal, bugs não devem aparecer). Entretanto, Ralph trouxe consigo um dos insetos do jogo anterior, que agora age como um vírus capaz de destruir todo o fliperama. Nesse ínterim, Ralph tem que ajudar a menina a ganhar a corrida para recuperar a medalha e... bem, daí em diante o emaranhado fica tão grande que supera as minhas habilidades de síntese, com direito a uma conspiração entre jogos e várias - eu digo VÁRIAS - reviravoltas!

Roteiros muito entulhados geralmente são indícios de que o roteirista é incapaz de manter uma linha de raciocínio ou de escrever uma história simples. Mas aqui, é uma “bagunça justificada”. A obra maneja seus vários elementos, personagens e plot twists com elegância, jamais se esquecendo do mundo que se propõe a homenagear. O que temos, portanto, é um argumento plenamente justificado e um filme maravilhosamente executado, quase magistral em alguns momentos. Os personagens, que poderiam facilmente cair na estereotipagem, são redondos, surpreendentemente profundos e infinitamente carismáticos. Da heroína durona ao secundário Félix... céus, até mesmo aos figurantes, todos são muito divertidos de se ver e, em última instância, apaixonantes (creio que a Sargento Tamora seja meu mais novo crush fictício - adeus, Alyx Vance). Que exemplo melhor de um personagem bem escrito do que Vanellope, o bug cuja voz e trejeitos tinham tudo para ser insuportáveis, mas que acabam fascinantes?

Sargento Tamora. Err... essa é uma imagem completamente aleatória.

Aqui, devo falar sobre a dublagem brasileira. Assim como em “Os Muppets”, só que em menor grau, a dublagem brazuca é fonte de muitos momentos vergonha-alheia, péssimo timing, pouco realismo ou pura e simples tosquice. Dá um nó no coração ouvir expressões como “A cobra vai fumar” ou “Melou” no lugar de “Oh, boy, shit’s going down” ou “Fuck 3. O problema é potencializado por um roteiro que, na versão original, faz extensivo uso de trocadilhos ou diálogos ágeis levemente nonsense - um terror para os sempre atarefados e afobados dubladores brasileiros. É a coisa mais estranha do mundo ouvir a durona (e forte, e decidida, e delgada, e sexy... ai, meu coração4) Tamora dizendo “Muita gente fica tão cega pelo egoísmo que nunca vê o bicho-papão por perto” (aliás, a personagem é a que tem, na versão brasileira, a maior coleção de one liners bizarros). E ouvir Zangief com um sotaque russo claramente forçado... ah, façam-me o favor!

Na versão dublada, se assiste “apenas” a um grande filme. No original, não duvido que ele se aproxime do nível “excepcional”. De qualquer forma, não foi dessa vez que os dubladores arruinaram mais uma produção, e o resultado continua de alto nível.

Há também muita carga emotiva aqui, e mesmo uma reflexão que, se não chega aos níveis de ouro da Pixar, ao menos é intrigante. Os relacionamentos entre os personagens, especialmente entre Ralph e Vanellope, realmente mexem com o público, ao ponto em que cenas mais pesadas - como quando Ralph destrói o carro de corrida da pequena - DE FATO provocam sentimentos fortes. “Detona Ralph” passa uma mensagem que pouco vemos nas produções infantis atuais, tão ocupadas em papaguear a mesma baboseira de sempre (“ame o próximo”, “aprenda a compartilhar”, etc.). A “moral” central, por trás da igualmente bem trabalhada mensagem de “seja você mesmo”, é como o egoísmo, ainda que motivado por nobres intenções, pode gerar conseqüências catastróficas. Num mundo onde as crianças são quase mini-adultos, é um lembrete muito bem vindo. E não se preocupe: todas essas mensagens são trabalhadas com a sutileza e a naturalidade esperadas dos bons filmes, o que nos leva a desconfiar se a Pixar não teve algo por trás da obra. Ah, sim, ela teve: John Lasseter é o produtor executivo.

Tão nostálgico quanto bem feito, “Detona Ralph” é imperdível. Alia comédia, aventura e graça com uma sentimentalidade que em muito supera a do curta que o precede, o bonitinho (e só) “Paperman”. Talvez a segunda melhor animação de 2012 (os Estúdios Ghibli ganham o pódio, pra variar, com o maravilhoso “Arriety”), essa grande e sincera homenagem aos videogames - um meio artístico5 que já supera o cinema em lucros e, quem sabe, qualidade - nos leva a refletir se estes já não estão ocupando o centro das atenções como a mais nova e badalada expressão artística do mundo. Eu não sei, mas quando os filmes passam a prestar tributos a um meio de entretenimento visto como não mais do que um mero passatempo há poucos anos, é sinal de que os tempos estão mudando. E pra melhor.

NOTA: 8,5


1 Nunca fui um fã da obra de Zemeckis;
2 Não sei bem se era a Zelda, visto que era um detalhe minúsculo de cena, só aparecendo por alguns segundos. Além do mais, não sou expert em games. Quem puder me corrigir, por favor o faça;
3 Sei que a versão original não as usa, mas é só para dar uma idéia;
4 Se é que há uma bizarrice no físico da personagem, essa é o rosto. Os movimentos e os traços são muito similares aos de Cruela Devil, do desenho animado “101 Dálmatas”. Não sei se isso funciona como um turn on ou um turn off;
5 Videogames SÃO arte. Creio não haver mais discussão neste tópico.

Um comentário:

  1. Amei o trailer do filme e adorei seu texto....seu primeiro parágrafo me deixou angustiado.....será que o filme seria ruim?

    ainda bem que sua sensação foi diferente e o filme mereceu elogios. Vou ao cinema no final de semana......esse eu quero muito ver.

    Afinal, nossos clássicos estão sendo homenageados. kkk

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